segunda-feira, 9 de maio de 2016

Kung fu contemplativo

Não é fácil a vida de assassina
Quando eu estive na China fui imbuído de bons pré-conceitos esperando ver pessoas lutando kung fu nas ruas a todo momento. Minha decepção foi enorme. Só vi um porteiro de hotel lutando na rua. Deve ter sido a mesma decepção que um estrangeiro tem ao chegar no Brasil e ver que nem todo mundo samba (ou gosta de samba). Ainda bem que existem os filmes de kung fu para devolver nossos sonhos. E os chineses são especialistas em filmes de kung fu contemplativo. 

É o caso do "A assassina", novo trabalho de Hsiao-Hsien Hou (não tente falar isso em casa). O filme se passa no século VII, um tempo que o Brasil nem sonhava em existir, mas a China já era bem desenvolvida e tinha impérios baseados no comércio de ouro e seda. O que os faziam ter aquelas roupas finas de fazer qualquer Saint-Laurent invejar. Para não falar nos sapatinhos com a ponta dobrada. Muito chique e moderno para a época.

Naqueles tempos em que se amarrava cachorro com linguiça, os chineses eram especialistas em artes marciais. Entre eles havia Yinniang (Qi Shu).

Yinniang é uma jovem largada num mosteiro treinada para matar com a habilidade e o silêncio de um pássaro singrando o céu. Eu adoro as parábolas chinesas. Elas sempre envolvem a astúcia da natureza. 

Nossa assassina está entre as mais habilidosas com a espada ou a sua adaga. Briga com você com aquela displicência de quem bate um pênalti em final de campeonato com uma cavadinha. Tudo enquanto você se mata para atingir um mero soquinho nela. É uma craque. 

A moça recebe de sua monja mestra a missão de matar um político poderoso (não deem ideia...) em meio a uma crise entre o governo central e a província de Weibo. O problema é que a vítima da vez é o seu primo, por quem ela nutre um velado crush. Por isso, ela hesita, investiga, pensa que talvez não seja uma boa ideia e esse crime ia bagunçar ainda mais a política chinesa da idade da pedra... Enfim, ela busca qualquer desculpa para não enfiar a adaga no priminho.

São muitas questões para Yinniang refletir antes de pegar na faca. E muitos combates coreografados no alto de telhados (um clássico dos filmes de kung fu), mas sem a leveza de um Ang Lee em "O tigre e o dragão" (2000). Assim como também não há toda aquela estética circense. São pancadas duras alternadas por sons de passarinhos da vasta floresta chinesa. 


"A assassina" é aquele filme chinês contemplativo que não agrada a todas as massas. Entre uma luta e outra, imagens idílicas, a natureza, nuvens no céu, longos silêncios.... é praticamente um disco da Enya filmado. Não é para todos, pois seu ritmo é mais lento e diz mais com imagens do que com texto. Mas seu resultado é belo. Por isso, a corneta (ou em chinês seria colneta?) dará uma nota 8.

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