sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Cotação da corneta: 'Garota exemplar'

Ben Affleck faz um discurso
David Fincher é um cara difícil de cornetar. Eu diria que ele é uma espécie de arqui-inimigo da corneta, a kriptonita dos meus comentários moleques, porque simplesmente ele só faz filme bom. Ok, “Benjamin Button” (2008) é um trabalho um tanto 6,5, mas, convenhamos, 6,5 é aquela nota baixa em física que o aluno espetacular da sua sala de aula tira de vez em quando.

Fincher é daqueles cineastas que já me fez levantar da cadeira no cinema. Falo de "Clube da luta" (1999) e a jornada errática do seu anti-herói vivido por Edward Norton. Quem viu sabe o que é estar diante daquele momento em que você solta um palavrão de felicidade pelo que aconteceu ali na sua frente.

Depois daquele que é um dos meus filmes favoritos para sempre, Fincher fez uma série de bons trabalhos. "O quarto do pânico" (2002), “Zodíaco” (2007), “A rede social” (2010), “Millenium: os homens que não amavam as mulheres” (2011)... Enfim, é uma filmografia de respeito.

Mas o que o diretor fez dessa vez é para superar TODAS as expectativas. “Garota Exemplar” é cinema de altíssima qualidade. É David Fincher subindo o himalaia para encontrar a corneta com um sorriso sarcástico e dizendo: “Me julgue agora, idiota”. Maldita kriptonita.

Entre tantos méritos, um dos mais marcantes de “Garota Exemplar” é fazer o Ben Affleck ter uma atuação em que podemos elogiar. Ok, eu já tinha gostado dele em “Amor Pleno” (este filme é magnífico, me julguem), mas o trabalho de Terrence Malick é, bem, um filme do Malick. Com todas aquelas insanidades que conhecemos.

Aqui, Affleck está... eu vou dizer.... (respira).... perfeito. Um trabalho tão bom que eu prometo para vocês que eu vou observar com o coração aberto o “Batman vs Superman” daqui a dois anos, quando ele assumirá o papel do homem morcego no lugar do eterno Christian Bale.

Na história, Affleck é Nick Dunne, uma espécie de Chico Bento do Missouri que um dia, numa festa despretensiosa em Nova York, a cidade onde tudo acontece, conhece Amy (Rosamund Pike, em uma atuação que eu classificaria como soberba). Amy é aquela mulher cosmopolita, antenada, patricinha, mas cheia de problemas psicológicos causados pelos pais. Freud explica. Ela é também a tal garota exemplar do título, a menina real que inspirou um personagem que é fenômeno literário juvenil. Tipo Harry Potter.

Mas Nick usa todo o seu charme, vira para ela com o seu meio sorriso e “queixo de vilão” e diz: “How you doin?”. E a gente sabe desde Friends que todas as mulheres caem neste papo. Em pouco tempo os dois estavam tomando banho de açúcar numa cena imprópria para diabéticos. Em menos tempo ainda, era cama, mão naquilo e aquilo na mão.

O relacionamento cresce e vira um conto de fadas. Tudo é perfeito. Comemoram bodas de papel (um ano), algodão (dois), couro (três) e flores (quatro), mas aí o casamento chega aos cinco anos, as bodas de madeira. Enfim, não há casal de margarina que passe incólume à crise dos cinco anos. Amy desaparece. E Fincher começa a nos enlouquecer e nos surpreender a partir da investigação em que até o marido surge como suspeito de um possível assassinato.

A corneta para por aqui. Não é possível seguir em frente sem revelar detalhes importantes da história. O que é possível dizer é que "Garota exemplar" é daqueles filmes para se ter na prateleira de casa e rever com freqüência. É um filme que reverbera na mente, e o faz pensar sobre ele mesmo horas depois de você ter assistido.

Pense nos detalhes. Fincher constrói a história, molda os cenários com minuciosos detalhes que dão textura, cor e alma a história. Sujeito sacana. Nada em cada cena é por acaso. Do corte de cabelo de Amy, passando pela roupa que os personagens vestem e chegando até o papel dos figurantes na cena. Tudo tem propósito. E o diretor ainda da simplesmente dois cavalos de pau na história, a revirando do avesso ao seu bel prazer. E a verdade é manipulada ao sabor da imprensa.

Ok, Fincher, você venceu. Não vou temer em chamá-lo de gênio por esse filme e considerar "Garota exemplar" uma obra-prima. Diante desta perfeição, a corneta só pode se render e dizer: Parabéns, este é um filme nota 10.

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