segunda-feira, 12 de maio de 2014

Trabalhadores do Brasil...

Getúlio em fase pós-Friboi
Filmes históricos são aqueles únicos em que você não se incomoda de ver sabendo de um spoiler. A corneta foi dar uma moral para o cinema brasileiro mesmo sabendo que o protagonista de "Getúlio" morre no final. Mas isso não é problema. Certas obras são como peças de Shakespeare. Não importa qual é o final, e sim como se chega a ele.

O filme de João Jardim tem um jeitão de minissérie da Globo. Um cruzamento de “Agosto” com "Anos Rebeldes”. Tudo com algumas restrições orçamentarias em comparação com o cinema americano. É em cenas como a de Alzira Vargas (Drica Moraes) vendo fotos de manifestações que percebemos que o dinheiro no cinema brasileiro ainda não jorra como no mundo encantado de Hollywood. Se fosse nos Estados Unidos, teríamos um take daqueles sanguinários com explosões e vários figurantes correndo de um lado para o outro.

Mas é uma cena digna. Como todo o filme, aliás. Jardim optou por não contar toda a vida do ex-presidente Getúlio Vargas, como 99% das cinebiografias. Pegou aqueles 20 dias finais que abalaram o Brasil a partir do atentado contra Carlos Lacerda em Copacabana para contar a derrocada de Vargas.

Estamos em 1954 e o Brasil vive uma espécie de “Game of Thrones”. Daenerys Getúlio  Targaryen, The Father of the Poor, é amado pelo povo, mas é seguidamente apunhalado pela oposição e por muitos aliados que o querem ver pelas costas como nos tempos em que o então ditador foi jogado para escanteio.

Raposa velha da política, malandro do Rio Grande do Sul, Vargas vai se equilibrando para se manter como pode no poder. Apesar da carne ruim do Palácio do Catete, muito inferior a de São Borja. Naquele tempo não tinha Friboi, né Tony Ramos?

Só que os milicos Lannisters tramam para derrubar Vargas. Eles já querem iniciar a Era das Trevas que só começaria dez anos depois. Enquanto isso, Carlos Lacerda (Alexandre Borges) dá o seu showzinho particular de oposição. Ele faz pose de Ned Stark, mas não passa de um Theon Greyjoy. Afinal, vocês sabem que o que todos desejam é o poder. Certas coisas nunca mudam. Saudades dos verdadeiros debates políticos na ágora grega.

Mas Khaleesi Vargas avisa que só sai do palácio morto e fim de papo. O cerco se fecha na medida em que as investigações sobre o assassinato do major Vaz vão chegando cada vez mais perto do gabinete do presidente. Vargas manda investigar duela a quem duela e se vê traído pelo assessor e capanga Sor Jorah Fortunato.

As conspirações crescem. Não dá para confiar em mais ninguém. Até que o presidente dá um cavalo de pau e entra para a história como nunca antes na história desse país (sorry, Lula).

"Getúlio" é um bom filme. Tem momentos que parecem novela por causa de determinados planos e enquadramentos, mas não chegar a ser uma coisa “for Teletubbies”. Desculpe se você gosta de novela. Eu também gosto de muita coisa ruim.

Mas o filme se destaca pela qualidade de dois atores em especial: Tony Ramos e Drica Moraes. Com toda a maquiagem e próteses necessárias, Tony está muito bem no papel do presidente. Dizem que Vargas tinha um sotaque forte, mas reclamar disso é coisa de cricri e a corneta é chata, mas não é cricri. Três vezes durante o filme ele solta um "Bah!". Isso para mim já é o atestado necessário de gauchice. E tudo fumando um charuto como estadistas do porte de Churchill e Roosevelt.

Já Drica é a melhor dos coadjuvantes. Sua Alzira Vargas é o perfeito ponto de equilibro entre a conselheira política e a filha amorosa. Cada cena dela, acredite, vale o ingresso. Pelo menos a meia-entrada, vai.

No fim, uma frase de reflexão atribuída ao ex-presidente Juscelino Kubitschek diz que o suicídio de Vargas adiou em dez anos o golpe militar, pois os golpistas de 64 eram os mesmos de 54. É como o filme “Premonição”. Será que era o destino inevitável do Brasil passar por aquele período sombrio? Cartas para os videntes.

A corneta não espera ter o apoio das massas após a divulgação da nota do filme. Mas consciente de que mais do que o petróleo, a corneta é nossa, saio deste post para entrar para a história com um 6,5 para "Getúlio".

Ficha técnica: Getúlio (Getúlio – 2014 – Brasil) – Tony Ramos (Getúlio Vargas), Drica Moraes (Alzira Vargas), Clarisse Abujamra (Clarisse Vargas), Alexandre Borges (Carlos Lacerda), Daniel Dantas (deputado Afonso Arinos), Adriano Garib (General Zenóbio da Costa), Paulo Giardino (Brigadeiro Eduardo Gomes), Thiago Justino (Gregório Fortunato), Fernando Luis (Benjamin Vargas), Leonardo Medeiros (General Caiado), Marcelo Médici (Lutero Vargas), José Raposo (Nero Moura).

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