quarta-feira, 12 de março de 2014

'Walt nos bastidores de Mary Poppins'

Disney joga aquela lábia em Travers
Walt Disney é o Lair Ribeiro da criançada da minha geração. Guru da autoajuda, moldou baixinhos por décadas com suas produções com mensagens positivas de harmonia, fraternidade, tolerância (quem não tinha simpatia pelo Bambi?) e amor. Tá, esqueçam o Tio Patinhas e seu modelo selvagem de concentração de renda.

Na nossa tenra infância não tínhamos tempo nem conhecimento para questionar por que o Pateta falava e o Pluto não. Ou por que o Mickey Mouse, o Didi Mocó dos cartoons, usava short e o Pato Donald não. Muito menos por que Huguinho, Zezinho e Luizinho viviam mais tempo com o tio do que com o pai. Disney dominou os corações e mentes infantis até a invasão japonesa. Nunca mais fomos os mesmos quando o Jaspion chegou. Mas isso é papo para outro post.

Mas Disney (Tom Hanks) também era um cara chato, insistente (além de fumante e alcoólatra), que fazia qualquer coisa para conseguir o que deseja. Mesmo coisas que não fossem muito éticas. Foi assim que ele conseguiu dobrar a escritora P.L. Travers (Emma Thompson) depois de 20 anos e transpor o livro "Mary Poppins" para o cinema.

"Mary Poppins", o filme estrelado por Julie Andrews e lançado em 1964, é fofo, bonito e tem belas canções. É um filme com o selo Disney de qualidade, que mostra que a vida é lúdica e no fim tudo acaba bem. E "Walt nos bastidores de Mary Poppins", o filme que conta a história de como o filme foi feito? É fofo, bonito e, bem... as canções são as mesmas.

Baseado nas próprias gravações que Travers fez para fazer as correções no roteiro de "Mary Poppins", que considerava pífio e uma grande bobagem capitalista do bobo alegre Disney, o filme não é um grande desafio artístico, mas tem duas qualidades interessantes. Vamos a elas:

1) Para quem viu "Mary Poppins", e aconselho a ver a película antes de assistir a este trabalho, é interessante identificar trechos da história no filme e na vida de Travers. Descobrimos inclusive quem é a real Mary Poppins (se é que o filme é verídico nesta parte).

2) A atuação de Emma Thompson é emocionante. Você consegue gostar dela mesmo ela sendo uma mala sem alça.

Ah, mas o filme não mostra o quanto o Disney era isso e aquilo... blábláblá.... Ora, esse não era o foco do trabalho de John Lee Hancock, que claramente estava mais preocupado em mostrar aquela passagem da vida de Travers num filme em que Disney não passa de um coadjuvante.

Além disso, algumas de suas bizarrices estão lá mostradas de forma sutil, bem sutil, quase esfíngica. Até quando ele não quer saber mais de Travers depois que finalmente consegue os direitos da história. E também não seja tolinho. Você acha que um filme do estúdio vai mostrar seu fundador caindo de bêbado na esquina ou não sendo lá muito ético? Seria o mesmo que... Bem, não vamos falar das relações promíscuas em outras áreas.

Se "Mary Poppins" é a história da salvação da alma de um pai negligente com seus filhos, "Walt nos bastidores de Mary Poppins" celebra o reaquecimento do coração e a redenção - e os filmes Disney adoram isso - da própria Travers.

A escritora começa a ver o mundo com outros olhos a partir de Ralph (Paul Giamatti, o cara que consegue fazer qualquer personagem ser interessante), o motorista que a guia para baixo e para cima em Los Angeles e tolera suas grosserias sempre com um sorriso no rosto. No fundo, talvez ele identifique nela uma alma bondosa.

Mas o papel mesmo de Mary Poppins, aquele que vai livrar Travers dos fantasmas do passado, vocês sabem de quem é né? É claro que fica com Walt Disney. (Pausa para dizer umas verdades: nunca houve o passeio dos dois pela Disneylândia)

Assim, Disney vira o homem que salva o dia. Ok, mas não pensem que Travers ficou 100% satisfeita com o resultado final de “Mary Poppins”. A necessidade de pagar as contas da casa a obrigou a fazer concessões. E Disney também deu umas passadas de perna nela que nunca são mostradas no filme.

Quando voltou a viver no azul, Travers autorizou que Mary Poppins virasse um musical no teatro. Mas deixou claro em contrato de que não queria qualquer participação dos irmãos Richard e Robert Sherman, responsáveis pelas canções do filme. Sinal de que ela tinha algumas coisas a dizer sobre a produção da Disney. E não era supercalifragilisticexpialidocious.

E a corneta tem uma nota para dar. "Walt nos bastidores de Mary Poppins" ficará com um cute e padrão Disney 6,5.

Ficha técnica: Walt nos bastidores de Mary Poppins (Saving Mr. Banks – 2013 – Estados Unidos, Inglaterra e Austrália) – Tom Hanks (Walt Disney), Emma Thompson (P. L. Travers), Annie Rose Buckley (Ginty), Colin Farrell (Travis Goff), Ruth Wilson (Margareth Goff), Paul Giamatti (Ralph), Bradley Whitford (Don DeGradi), B. J. Novak (Robert Sherman), Jason Schwartzman (Richard Sherman), Rachel Grifitths (Tia Ellie). Escrito por Kelly Marcel e Sue Smith. Dirigido por John Lee Hancock.

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