domingo, 30 de setembro de 2012

Ensaio niilista sobre o capitalismo

Pattison em Cosmópolis: boa atuação
Tenho alguns preconceitos cinematográficos (e atire a primeira pedra quem não tem?). Não gosto de comédias. Nem de animações. Embora já tenha visto excelentes comédias e animações. Mas não é o tipo de filme que você me verá assistindo numa sala de cinema. Também não gosto da saga “Crepúsculo”. Acho boba, infantil e uma afronta aos vampiros de verdade que eu cresci vendo no cinema e na TV. Até o Tom Cruise é um vampiro melhor no ótimo filme “Entrevista com o vampiro” (1994). Consequentemente, eu estendo meu preconceito aos atores principais da série: Kristen Stewart e Robert Pattison.

Kristen comprovou ser muito fraca seja numa bobagem suprema como “Branca de Neve e o caçador”, onde há uma cena emblemática em que ela parece estar ensaiando para um comercial de shampoo, seja no ótimo filme “Na Estrada”. Apesar de sua fraca atuação (uma porta pode ser mais sensual do que a Marylou que ela nos entregou), Kristen, porém, não chega a atrapalhar o filme de Walter Salles, pois não é nunca o foco principal da película.

Não é o caso de Pattinson. O vampiro Edward dos cinco filmes da série “Crepúsculo” era simplesmente o dono do filme quando foi escalado por David Cronenberg para viver o milionário Eric Packer em “Cosmópolis”. Ainda bem que o diretor canadense não tem os preconceitos do signatário deste blog. Talvez seja esse um dos motivos que o faça ser um ótimo cineasta, um dos meus favoritos, e eu não passe de um blogueiro corneteiro.

Isso porque Pattison mostra surpreendente talento para segurar o filme. Nuances nunca mostradas em uma película que é uma das mais niilistas do diretor de “Marcas da Violência” (2005), “Senhores do Crime” (2007) e do recente “Um método perigoso” (2011).

Ensaio sobre a decadência do capitalismo a partir da história de autodestruição de um milionário, “Cosmópolis” é um filme hermético e com subtextos que incomodam o espectador menos atento e à espera de algo mais palatável para acompanhar a sua pipoca em geral salgada na confortável cadeira de uma sala de cinema com o ar condicionado bem calibrado. Talvez por contrastar com a expectativa de satisfação do cliente, que o novo trabalho de Cronenberg incomode e faça alguns desistirem antes do fim abandonando a sala, pois não é fácil compreender tudo o que o diretor tenta passar em “Cosmópolis”. E como é uma das marcas dos seus filmes, a violência de forma crua, pesada e impactante é um vetor importante de comunicação.

“Cosmópolis” não tem uma data, mas poderia se passar em anos recentes, logo após a quebra do Lehman Brothers que iniciou uma crise mundial (sempre ela, devia virar um gênero novo no cinema) nos Estados Unidos que chegou na Europa e perambula por ai até hoje. Naquele período, protestos se espalharam pelo mundo, empresas perderam (muito) dinheiro. Pessoas foram à bancarrota. E a recuperação, me mostram os cadernos de economia, têm sido lenta e gradual.

Neste cenário de uma desesperança quase no nível crack da Bolsa de 1929, o milionário Packer é mais um a ter perdido milhões ao apostar errado nos movimentos do yuan, a moeda chinesa, na bolsa de valores. Packer é bastante excêntrico. Resolve tudo de dentro da sua limusine totalmente equipada. Tudo mesmo. Faz negócios, sexo e seus exames clínicos diários. Inclusive o de próstata.

Mas nem tudo pode ser feito no carro. Nem tudo pode ser resolvido de sua toca. É por isso que Packer resolve atravessar a cidade em meio ao caos de protestos, uma visita presidencial sob ameaça (“Ainda matam presidentes hoje em dia?”) e o funeral de um artista para fazer algo prosaico, mas extremamente necessário: cortar o cabelo no seu barbeiro. Barbeiro este que foi o mesmo do seu falecido pai. Packer precisa de um corte de cabelo e nada vai impedi-lo. Ponto final. Não importa quanto tempo ele leve para atravessar a cidade.

A relação com o barbeiro, é o que há de mais humano na vida de Packer marcada por discussões enfadonhas sobre o mercado com seus auxiliares, ou mesmo uma relação de prazer protocolar com sua amante mais velha, Didi Fancher (Juliette Binoche). A relação com a esposa é gélida e distante até quando conversam sobre sexo. “Quando vamos transar de novo?”, ele pergunta. “Em breve transaremos”, ela responde mecanicamente. Separados por centímetros, eles parecem emocionalmente distantes por um abismo inexpugnável.

Enquanto tenta atravessar a cidade, Packer vê o caos nas ruas e é vítima dele seja nos ataques à sua limusine e na torta na cara que recebe do ativista Andre Petrescu (Mathieu Amalric), Nada que o abale. De fato, ele busca novas emoções, algo que o estimule de alguma forma a sua vida vazia. Algo que traga alguma ebulição, algum sentido, que movimente a sua alma.

Depois de perder milhões de dólares, Packer embarca numa jornada de autodestruição. Experimenta tudo o que pode para saber se consegue ter alguma emoção. O sexo ele já comprovou que não é o caminho. Com isso, resolve tomar a estrada da dor. Pede doses de choque, mas não tem sucesso. Busca algo num estúpido assassinato, mas continua sentindo o mesmo vazio.

Enquanto é ameaçado por um ex-funcionário, Benno Levin (Paul Giamatti em participação brilhante no filme), dá um tiro na própria mão. O tiro lhe dá um sinal de vida em uma feição atávica e blasé. Mas logo ele retorna ao seu estado comum: o nada.

A cena final do diálogo com Giamatti é uma das melhores do filme e resume o que “Cosmópolis” tem de melhor. O niilismo, o deboche com a falsa preocupação com os oprimidos e uma aula de Giamatti, mas sem que Pattison fizesse feio. O que é algo elogiável.

Talvez ele realmente fosse a pessoa ideal para interpretar esse milionário vazio, sem emoção e que se acostumou a ver o mundo da redoma de sua limusine impávido. Juntando isso, aos diálogos brilhantes escritos por Cronenberg temos um dos melhores filmes do diretor. Pessimista, difícil, mas um delicioso exercício de interpretação de textos e subtextos com correlações com a história recente.

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