sábado, 3 de março de 2012

Um grande filme

De todos os filmes que eu já vi neste ano que ainda dá seus primeiros passos (foram uns 20), sentia falta de um que eu pudesse chamar de um grande filme. Gostei muito de "O espião que sabia demais" e "Os homens que não amavam as mulheres", mas ainda não eram aqueles que eu podia chamar de "O filme". Nesta semana, vi um que finalmente me arrebatou. “Drive” não concorreu ao Oscar nas principais categorias - recebeu apenas uma singela e escondida indicação em Edição de Som -, mas é melhor do que oito dos nove filmes que disputaram a estatueta de melhor filme conquistada por “O Artista”. “A árvore da vida” é de outro patamar acima. O da genialidade.

Quando os indicados ao prêmio da Academia foram divulgados, houve alguma gritaria pela não indicação de Albert Brooks ao prêmio de ator coadjuvante. Realmente ele não deve nada a Jonah Hill, Nick Nolte ou Max von Sidow, para ficar apenas nos filmes que eu vi. Talvez Brooks merecesse até levar o prêmio que foi faturado por Christopher Plummer. Algo que só posso garantir depois de assistir a “Toda forma de amor”. Seu trabalho é marcante e o caráter do seu personagem pode ser resumido na cena que aparece no trailer. Quando vai cumprimentar o protagonista do filme, que inicialmente rejeita apertar a mão do sujeito, pois diz que suas mãos "estão um pouco sujas", uma vez que estava mexendo no carro, ele responde: "As minhas também". Tudo isso fazendo aquela cara de "não sou flor que se cheire".

“Drive” tem uma certa aura daqueles filmes dos anos 70 mais crus e sem muita verborragia. O diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn economiza nos diálogos e foca mais nas expressões e nas imagens para contar a sua história.

História que começa com uma cena daquelas que marcam por sua maestria. Logo no início conhecemos um motorista sem nome que de dia trabalha como dublê de filmes de ação ou em uma oficina mecânica e de madrugada auxilia bandidos a fugirem após cometerem seus assaltos numa desértica Los Angeles.

Vivido por Ryan Gosling, o motorista é de uma impavidez e sobriedade de quem dirige levando madames ao shopping center. Palito nos dentes, um olho fixo no relógio marcando o tempo que os clientes devem voltar para que eles possam escapar da polícia, o outro nas estradas, os ouvidos no rádio da polícia e a mente de quem tem o mapa da cidade na cabeça, o motorista é de uma calma e suavidade que só os mais frios têm em situações de muita tensão.

A primeira cena é antológica. Algo dá errado com os bandidos para quem ele está dirigindo e Gosling tem que usar de toda a sua perícia para escapar até de helicópteros. Passa por baixo de viadutos, se esconde atrás de caminhões em ruas escuras. Seu carro sequer faz barulho. É discreto como o próprio motorista.

Diante da inevitabilidade de cumprir o combinado por falha do quem o contratara, traça uma estratégia simples. Simplesmente se mistura na multidão de um jogo qualquer em um estacionamento e sai antes que a polícia possa pegá-lo. Os bandidos? Não sabemos o que aconteceu. E nem importa. Embora seja possível concluir que foram presos. Desde o início, porém, o que se quer saber mesmo é quem é esse motorista misterioso que pouco fala e dirige com a sensibilidade de quem conduz uma mulher numa dança.

Ele, no entanto, está disposto a largar essa vida paralela. Quer aproveitar que o dono da oficina pretende investir em uma equipe de Nascar e tê-lo como piloto. O dinheiro virá mais fácil e poderá até, quem sabe, se dar ao luxo de ter uma vida feliz com a jovem Irene (Carey Mulligan), sua bela vizinha que parece estar gostando dele.

Só que nada nessa vida se consegue sem dinheiro. É ai que seu chefe, Shannon (Bryan Cranston), entra em cena para pedir uma verba a Bernie (Brooks), homem que tem ligações com a máfia de L.A. Ao mesmo tempo, porém, o marido de Irene volta da cadeia e está sendo ameaçado pela mesma máfia a pagar uma dívida de US$ 20 mil que cresce diariamente. Um novo golpe é preciso, as duas histórias vão se cruzar e o apaixonado motorista vai entrar mais uma vez em ação para ajudar o marido da moça que ele gostaria de ter em seus braços apenas para proteger ela e o seu filho.

É aqui que “Drive” vira quase um filme de Quentin Tarantino. Refn não economiza no sangue gasto enquanto o motorista tenta sobreviver enfrentando os mafiosos. Torna-se um vingador em busca da própria sobrevivência e para manter as pessoas que ele gosta vivas.


Ele sabe que por mais que exista uma promessa, é difícil ter a certeza que Irene será mantida viva depois de tudo o que acontecera. Por isso está disposto a se sacrificar. É um herói improvável no seu carro pelas estradas de Los Angeles. Estradas que agora são a sua única casa enquanto ele viver.

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