segunda-feira, 4 de julho de 2011

Nostalgias

Quantas vezes você já não se pegou dizendo que uma época que você jamais viveu certamente era melhor do que o seu tempo atual. Eu, por exemplo, queria ter nascido na Inglaterra no início dos anos 50 só para ser adolescente e adulto quando os Beatles e os Rolling Stones tomavam conta do planeta e ir acompanhando todo o resto que veio depois chutando a porta nesse tal de rock and roll. Certamente eu não precisaria mendigar um show de Paul McCartney aqui e ali e jamais lamentaria nunca ter visto o Led Zeppelin, o The Who e o The Doors tocarem.

A nostalgia do que não se vive e de um tempo meramente idealizado e do qual não se conhece os pormenores é um dos temas do novo filme de Woody Allen, o belo “Meia-noite em Paris”. Passado na capital francesa, a película com jeito de fábula do diretor americano conta a história de Gil (Owen Wilson), um roteirista de filmes de Hollywood que está cansado dessa vida e sonha em escrever um romance verdadeiramente relevante. Gil sente-se capaz disso ao caminhar pelas ruas de Paris, sua cidade-paraíso, onde até quando chove ele acha bela. Tem gosto para tudo, né?

Para Gil, Paris é o que há de mais belo no mundo e Allen trata de tentar comprovar isso com os melhores ângulos possíveis da sua câmera (alguns deles focados na Carla Bruni, que faz uma ponta no filme). Mas melhor do que essa Paris que todos conhecemos, diz Gil, era a Paris dos anos 20, onde gente do naipe dos escritores Francis Scott Fitzgerald (Tom Hiddleston), e Ernest Hemingway (Corey Stoll), dos pintores Pablo Picasso (Marcial di Fonzo Bo), Henri Matisse (Yves-Antoine Spoto) e Salvador Dalí (um hilário Adrian Brody em uma cena impagável), do diretor Luís Buñuel (Adrian de Van) e de Cole Porter (Yves Heck) frequentemente se esbarrava em festas, bares ou pela rua sempre criando, fazendo arte numa efervescência cultural jamais vista.

É então que num passe de mágica e ao tocar do sino da Igreja à meia-noite, como numa fábula da Cinderela às avessas, Gil consegue viajar no tempo para aquela Paris supostamente idealizada por ele, se encontrar com todos os seus ídolos e viver por alguns momentos entre eles.

Enquanto vive o seu sonho em meio a todos estes gênios, Gil, que está prestes a se casar com a insossa e mala Inez (Rachel McAdams), conhece Adriana (Marion Cotillard). Namorada sazonal de Picasso e Hemingway, ela também como num conto de fadas previsível passa a gostar do jovem roteirista que ainda busca o seu melhor texto sempre sob a crítica precisa de Gertrude Stein (Kathy Bates).

A questão é que se para Gil os anos 20 foram os anos dourados, para Adriana, que é uma pessoa daquela época, a era de ouro de Paris foi mesmo o final do século XIX, o tempo de Henry de Toulouse-Lautrec (Vicent Menjou Cortes), Paul Gauguin (Olivier Rabourdin) e Edgar Degas (François Rostain). E não é que como num mesmo passe de mágica, em um momento, eles vão visitar essa época e conhecê-los de perto?

Está com a maior cara de “A Origem” (2010), aquele filme do Christopher Nolan estrelado pelo Leonardo di Caprio com seus sonhos dentro de sonhos? Quase isso. Mas o tom aqui é mais lúdico. E não tente encontrar lógica nisso tudo. Apenas embarque nos sempre ótimos diálogos e na viagem de Allen por esse sentimento nostálgico que todo ser humano tem.

É exatamente na conversa entre Gil e Adriana sobre as idiossincrasias do tempo que o roteirista e aprendiz de escritor vai perceber que mesmo diante de tantos gênios nem tudo é perfeito naqueles “perfeitos” anos 20 e nem tudo é uma porcaria na sua Paris do século XXI. Se Allen já tinha apontado no início do filme que “a nostalgia é a negação do presente”, será com o humor peculiar do seu texto que ele fará Gil perceber que se os anos 20 tinham esses gênios todos, faltavam-lhes coisas como remédios tão comuns no dia a dia do novo século ou mesmo a anestesia.

Um dos melhores filmes dirigidos por Allen neste século, “Meia-noite em Paris” não deixa no espectador qualquer sentimento de nostalgia pelos trabalhos do diretor no passado, como o conhecido e badalado “Noivo neurótico, noiva nervosa” (1977). Para os fãs mais antigos, sentir saudades só da Nova York que o cineasta trocou nos últimos anos por Londres, Barcelona e agora Paris.

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