sábado, 15 de novembro de 2025

Helloween: 40 anos de puro entretenimento

Celebrando 40 anos de Helloween no Campo Pequeno, em Lisboa. Acho muito interessante que a formação da banda com dois vocalistas (ou três de lembrarmos que Kai Hansen também canta algumas músicas), deu um novo gás para a banda e power metal alemã num momento da carreira em que veteranos grupos de hard rock e metal costumam fazer aqueles pausas estratégicas nos shows para recuperar o fôlego.

Com Michael Kiske, Andi Deris e Kai Hansen se revezando nos vocais e em muitos momentos cantando juntos, o show do Helloween praticamente não para durante quase 2h30min. Ou como Kiske e Deris comentaram durante o set acústico, alguns membros fazem a pausa do cigarrinho.

Curioso ver como está formação com a volta de Hansen e Kiske, que seria apenas para a turnê de celebração “Pumpkins United” em 2017 acabou por ser um recomeço dentro da banda, gerando uma química tão boa que o grupo até lançou um novo álbum este ano, “Giants & Monsters”.

O disco marca a primeira colaboração de Hansen com o Helloween desde “Keeper of the Seven Keys: part II” (1988) e a primeira de Kiske desde “Chameleon” (1993).

Hansen, Deris e o guitarrista Michael Weikath trabalharam juntos na composição do novo álbum, que é uma dos principais chamarizes da tour. Algumas de suas melhores canções (“A little is a little too much”, “Into the Sun”, “This is Tokyo”) são tocadas no show, que também é recheado de clássicos construídos ao longo das últimas quatro décadas como “Future World”, “I Want out”, “Halloween”, “Eagle fly free”, “Power” e “Dr.Stein”.

Gostei que no meio do show tivesse um set acústico com Kiske se arriscando até a cantar um trecho de uma música de Elvis Presley. Set este que termina apoteótico “A tale that wasn’t right”, quando o resto da banda volta ao palco.

Antes do Helloween entrar no palco, a música que toca no Campo Pequeno é “Let me entertain you”, do Robbie Williams. Não poderia haver escolha mais perfeita para introduzir o espetáculo. Se teve algo que o Helloween entregou muito bem foi entretenimento. E não houve tempestade em Lisboa que impedisse os metaleiros de lotarem o Campo Pequeno.

“O Agente Secreto” e a ditadura como o monstro sempre à espreita

Wagner Moura está excepcional no filme
É muito bom ver que um ano depois de “Ainda estou aqui”, um dos melhores filmes brasileiros de 2025 e o escolhido do Brasil para tentar uma vaga no Oscar de língua estrangeira seja outro filme que reflita sobre a ditadura brasileira.

Mais do que nunca, o Brasil precisa refletir muito e martelar muito no tema da ditadura da mesma forma que os alemães refletem anualmente sobre o nazismo em seus filmes.

Dirigido por Kléber Mendonça Filho“O agente secreto” é sobre um país que segue a sua vida sem olhar para os horrores que acontecem ao lado. Sobre um país que pula carnaval enquanto a polícia não se interessa pelos corpos no meio da estrada. Um país em que pessoas vivem escondidas com medo de serem assassinadas pelo regime militar enquanto a figura do ditador Ernesto Geisel paira onipresente.

Foi um período cheio de “pirraça”, como descrito com picardia pelo diretor no início. Neste país cheio de pirraça, Marcelo (Wagner Moura) é um professor especializado em tecnologia que precisa se refugiar em Recife depois de alguns acontecimentos violentos pelos quais passou.

Marcelo encontra refúgio na casa de dona Sebastiana (a maravilhosa Tânia Maria), que logo sabemos que hospeda uma série de pessoas perseguidas, os chamados “refugiados”. Com um novo nome e emprego, Marcelo sabe que o tempo não está ao seu lado. Que ele precisa o quanto antes pegar o seu filho e sair do país antes que seja tarde demais.

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Na Recife de Mendonça Filho, a ditadura é sempre um monstro à espreita. Crimes são cometidos e encobertos por corrupção e lenda urbana, mortes são encomendadas enquanto a vida segue seu fluxo normal.

Há uma certa sensação de alienação que décadas depois gerará um bando de viúvas da ditadura que acham que o Brasil era bom naqueles tempos. Que não havia corrupção nem violência. Por isso, o filme é muito feliz em mostrar exatamente tudo isso ao mesmo tempo em que passa uma sensação de vida normal. Uma falsa sensação, mas muito palpável em meio a tensão que o filme emana desde o seu primeiro minuto.

Marcelo tem sempre uma sensação ruim à espreita, está sempre olhando para todos os lados e desconfiado de quem se aproxima dele. Vive 24h sob a tensão de ser a próxima vítima da ditadura. Para ele, o único caminho é o exílio.

Refletimos muito pouco sobre o impacto da ditadura no Brasil e especialmente nas famílias que tiveram parentes perseguidos, torturados e mortos pela ditadura. Por isso o filme é muito feliz em ter um final seco, um curto abrupto da história para mostrar o reflexo da perseguição política décadas depois.

A partir da história de Marcelo e daqueles que o cercam, vemos retratos de vidas que foram prejudicadas e destruídas pelo Estado. O que esperamos que nunca mais ocorra. O Brasil não precisa de mais “pirraça”.

OBS: Nunca me perguntem qual o meu filme favorito do Kleber Mendonça Filho. Entre “O som ao redor” (2012)“Aquarius” (2016)“Bacurau” (2019)“Retratos Fantasmas” (2023) e “O Agente Secreto” eu escolho ficar com todos, pois são todos excelentes. Que filmografia excepcional deste diretor.

Nota 9/10

sábado, 8 de novembro de 2025

“Frankenstein” e a, por vezes, monstruosa relação entre pais e filhos

Gosto de ler determinadas obras antes de ver os filmes baseados nelas não para apontar dedos ou repetir o chavão nem sempre verdadeiro de que o livro é melhor. Gosto de ler antes apenas para ter a minha interpretação é comparar posteriormente com a visão do diretor. Penso que mais do que uma adaptação fiel, um grande diretor deve dar a sua visão particular para aquela história. Ainda mais sendo um clássico.

Talvez por isso eu tenho ficado tão satisfeito com a abordagem de Guillermo del Toro para “Frankenstein”, de Mary Shelley. Para o diretor mexicano, “Frankenstein” é uma história sobre uma dura relação entre pais e filhos. Sobre culpa, perdão e a quebra do ciclo de violência. Não foi a primeira coisa que pensei ao ler o livro e ver esta história na tela do cinema me fez refletir um pouco mais sobre a obra de Shelley.

O “Frankenstein” de Del Toro é menos uma história de terror, e mais uma visão gótica sobre padrões que se repetem, padrões que precisam ser quebrados, e uma monstruosidade que é construída e não inata.

O Victor Frankenstein de Oscar Isaac é fruto da criação dura de seu pai, da falha imperdoável para com a sua mãe de quem o jovem Frankenstein julgava perfeito e da frustração para com o pai. A perda da mãe foi um trauma irreparável e que moldou a vida de Frankenstein.

Em sua ânsia de vencer a morte, Frankenstein mal percebe que, ao dar vida a sua criatura, começa a repetir os comportamentos paternos e trata a sua frustração da mesma forma dolorosa com a qual ele foi tratado. Frankenstein só conhece a violência, o desprezo e a pressão como educação e usa dos mesmos artifícios para com a criatura. Ele é o lado sombrio enquanto o irmão, William (Felix Kammerer), é o seu oposto na família.

Em sua cegueira, Frankenstein sequer percebe que, por vezes, a evolução vem de uma abordagem mais gentil. É Elizabeth (Mia Goth) quem vê uma pureza na criatura, apesar do seu aspecto monstruoso. E com ela que a criatura constrói pequenas e novas camadas de conhecimento e começa a entender aquele mundo do qual nada sabe e nem teve tempo de aprender.

Vivida magistralmente por Jacob Elordi, a criatura, por sua vez, é uma folha em branco pronta para ter a sua história escrita. Nasce adulta, mas com uma inocência infantil. E tudo é aprendizado até que ele possa formar a sua opinião.

A criatura não demorará a perceber que aquele mundo em que vive é feito da violência. Violência está que por vezes é necessária, mas que quando vem dele o transforma num demônio, pois acaba por ser julgado mais pela sua aparência do que pelos seus atos.

Nas mãos de Del Toro, “Frankenstein” deixou um pouco de lado a discussão da ética na ciência. Há apenas um breve contraponto entre fé e ciência ainda no início do filme.

Já a solidão da criatura também é um tema pouco falado, mas perpassa implicitamente cada segundo da sua existência. Ele é único naquele mundo, um ser vivo incapaz de morrer, e que sente a necessidade de ter uma companhia igual a sua para amenizar a sua existência miserável. Existência esta que ele não pediu para ter. Quão cruel é para ele perceber que é feito de restos de corpos mortos. Como criar uma existência, quando seu próprio nascimento não foi natural? E sem ninguém para ajudá-lo. Nem aquele que deveria ser um pai para ele, mas que o trata com tanto desprezo que é incapaz de o tratar como “ele”, mas como “aquilo”.

Mas o que parece interessar mais a Del Toro é o ciclo de violência e culpa. E é fascinante que quem acaba com este ciclo seja a criatura. É o monstro quem perdoa o seu pai verdadeiramente monstruoso e incapaz de ter lhe mostrado um segundo de afeto e humanidade ao longo do filme. E seu último gesto é de bondade. E uma libertação. Par si e para os que o rodeiam. Agora o monstro, que sequer tem um nome, é livre para escrever a sua própria história.

“Frankenstein” é um belo filme, em que não se destacam apenas as atuações de Isaacs e Elordi, mas também a direção de arte. Este sempre foi um dos trunfos de Del Toro. O fato de os dois principais cenários do filme, o navio dinamarquês e a torre de Frankenstein serem reais e não CGI também deixa o filme muito mais palpável e orgânico.

O seu ritmo não é para todos os públicos. “Frankenstein” segue uma cadência quase literária. E não tem exatamente cenas grandiosas. Mesmo a força da criatura é mostrada de forma econômica. O que causa um impacto maior quando a vemos.

Acima de tudo é um filme bonito em que lamento não ter tido a chance de ver no cinema para o apreciar melhor. Não sei se a adaptação de Del Toro é a definitiva (e nem precisa ser), mas seu “Frankenstein” é uma bonita visão para um clássico da literatura.

Nota 8/10.

domingo, 2 de novembro de 2025

Os filmes e as séries de outubro

Os filmes e as séries mais interessantes de Outubro:

Springsteen: Salve-me do Desconhecido (Springsteen: Deliver Me from Nowhere — EUA — 2025) — Jeremy Allen White em modo Carmy Berzatto imitando Bruce Springsteen. O filme está longe de ser perfeito, mas gosto que Scott Cooper tenha escolhido fugir do óbvio ao fazer um recorte da vida do cantor para falar do processo de criação de “Nebraska” (1982), abordando a complexa relação de Springsteen com o pai e os primeiros sinais de depressão. Como eu não li o livro no qual ele é baseaado, para mim ressignificou tanto o “Nebraska” quanto o album seguinte, “Born in the U.S.A.” (1984).

O ônibus perdido (The Lost Bus — EUA — 2025) — Brad Ingelsby está em grande fase. Fez uma grande série para a HBO e escreveu o roteiro deste belo filme da Apple TV. Dirigido por Paul Greengrass, ele conta a história real de um motorista de ônibus escolar vivido por Matthew McConaughey que salvou um grupo de crianças durante o terrível incêndio que atingiu a cidade de Paradise, na Califórnia. O filme tem a tensão e a urgência de um misto de “Velocidade Máxima” (1994) com “Voo United” (2006).

Honey, não! (Honey, Don´t! — ING, EUA — 2025) — Um filme delicioso de Ethan Coen. Uma comédia satírica sobre uma detetive que investiga uma série de crimes numa cidade pequena dos Estados Unidos. Adoro a Honey O´Donahue de Margaret Qualley e veria toda uma série dela resolvendo casos.

Coração de Lutador — The Smashing Machine (The Smashing Machine — EUA, JAP, CAN — 2025) — Gosto de como o filme de Benny Safdie é bem cru e noventista. E de como o diretor conseguiu tirar o máximo, eu diria até, o inimaginável do Dwayne Johnson. The Rock quase sumiu neste que é o seu papel mais desafiador (não que ele tenha lá grande material de comparação).

Tron: Ares (Tron: Ares — EUA — 2025) — Eu tenho vergonha de ter gostado deste filme. Ele é maniqueista até a última célula do seu figurante mais insignificante, mas eu me diverti demais com as cenas de ação. E acho que a trilha sonora do Nine Inch Nails eleva um pouco a sua qualidade.

Steve (IRL, ING) — Cillian Murphy cortando um dobrado para manter uma escola para menores infratores aberta. Um drama bem pesado sobre saúde mental, segundas chances e a luta de quem escolhe o caminho da educação como forma de ressocialização.

Task (Task — EUA — HBO) — Uma cidade insignificante dos Estados Unidos, um policial problemático e longe da sua melhor forma física e mental e um crime para resolver. Brad Ingelsby praticamente repetiu a sua formula de “Mare of Easttown” (2021) e conseguiu escrever mais uma série maravilhosa. É por produções assim que eu faço questão de pagar a HBO.

Black Rabbit (Black Rabbit — EUA — Netflix) — Jude Law e Jason Bateman vivendo uma relação complicada de irmãos enquanto precisam lidar com os trambiques de cada um e um chefão do tráfico cobrando uma dívida. Adoro como a série vai fechando o cerco e sufocando seus protagonistas a cada decisão merdosa que eles tomam.

Slow Horses (Slow Horses — Apple TV — ING, EUA) — Cinco temporadas e esta série ainda não perdeu o fôlego. A quinta temporada virou uma das minhas favoritas. Gary Oldman muito craque.

Pacificador (Peacemaker — EUA — HBO) — A segunda temporada não foi tão especial quanto a primeira e o final foi um pouco decepcionante. Eu pensava que o James Gunn não ia cometer o mesmo erro da Marvel de conectar tão umbilicalmente o seu universo DC, mas muita coisa do que aconteceu em “Superman” se reflete em “Pacificador”. Ao mesmo tempo em que fiquei com a sensação que os eventos de “Pacificador” vão reverberar em produções futuras da DC. A abertura da série continua sendo maravilhosa e se você pula ela é porque não tem coração.

Gen V (Gen V — EUA — Prime Video) — Outra segunda temprada que esteve aquém da primeira. Na verdade, ela pareceu mais uma preparação para a quinta e última temporada de “The Boys” do que uma série com uma história própria. Foram oito episódios de treinamento para Marie Moreau (Jaz Sinclair) enfrentar o Homelander. E no meio disso, umas histórias paralelas que foram sendo facilmente resolvidas. Mas foi divertido, apesar do excesso de piadas de quinta série.