domingo, 28 de setembro de 2025

“Uma batalha após a outra”, uma sátira sobre os Estados Unidos de hoje

DiCaprio enfrenta o sistema para salvar a filha
Não deixa de ter uma certa magia quando filmes que demoram tanto para serem feitos nascem no momento certo. 
“Uma batalha após a outra” é deste tipo de filme. A obra levou 20 anos para nascer, mas é fascinante como dialoga com o momento atual dos Estados Unidos e até certo ponto deste mundo problemático em que vivemos.

Livremente inspirado no livro “Vineland”, de Thomas Pynchon, o novo filme de Paul Thomas Anderson é uma sátira sobre a América paranóica, racista, xenófoba e dominada por uma extrema-direita militarizada e com traços de seita que persegue imigrantes e minorias.

No centro da história está a perseguição do coronel Steve J. Lockjaw (um maravilhoso Sean Penn numa atuação espetacular) para encontrar e destruir um grupo de revolucionários que se intitulam French 75. Em especial Bob (Leonardo DiCaprio) e sua filha Willa (Chase Infiniti), marido e filha da líder do tal grupo, Perfídia (Teyana Taylor).

Os filmes de Anderson não seguem exatamente um único estilo, mas o diretor sempre navegou bem em dramas de estudo de personagem em que aproveitava ou não para discorrer sobre um problema maior. Lembro de “Boggie Nights” (1997), “Magnólia” (1999), do absolutamente maravilhoso “Sangue Negro” (2007) e de “Trama Fantasma” (2017).

Em “Uma batalha após a outra”, temos um Anderson mais soltinho, que usa uma dose de humor para fazer as suas críticas a uma América que persegue os imigrantes enquanto busca um ideal de pureza que soa tão ridículo quanto a seita na qual Lockjaw luta arduamente para fazer parte.

Por seu tom satírico. em alguns momentos senti-me muito mais vendo um filme dos irmãos Coen do que de Anderson. A hilariante jornada do DiCaprio para recarregar o celular tem muito a cara do cinema deles. E acho curioso e fascinante ver o diretor se aventurar em contar histórias de outras formas.

Embora se passe nos tempos atuais, o filme dialoga muito com o jeito de fazer cinema da Hollywood dos anos 1970. “Licorice Pizza” (2021) já tinha essa veia, até porque o filme de passava mesmo naquela década. Mas “Uma Batalha após a outra” também tem uma alma setentista que grita muito no terço final do filme que mostra DiCaprio tentando salvar a filha, a filha tentando se salvar e uma maravilhosa perseguição de carro.

Pode-se criticar os exageros da história, mas a hipérbole não deixa de ser uma das características da sátira. Pode-se criticar ainda uma certa ingenuidade na retratação de certos personagens, que seguramente não andariam com tanta liberdade nesta América autoritária retratada por Anderson. No fim, é uma questão de gosto. Para mim, Paul Thomas Anderson acertou de novo. História, temas, atuações, a trilha sonora impecável de Jonny Greenwood… o diretor acertou bem mais do que errou ao fazer um filme sobre o autoritarismo nos Estados Unidos.

Nota 8,5/10

“O último azul”, a distopia contra o etarismo que é uma afirmação da vida

Tereza se recusa a ir para um asilo
Vivemos num mundo em que a velhice é escondida em camadas de plástico que deformam os rostos e envelhecer é um fardo. As redes sociais nos mostram um mundo em negação onde só o corpo jovem (ou aparentemente jovem) e belo tem a chance de viver.

Com uma premissa relativamente simples, Gabriel Mascaro soube captar muito bem a nossa realidade para criar uma distopia brasileira que crítica o etarismo, o capitalismo e joga na nossa cara que que envelhecer é um processo natural da vida e não necessariamente um problema.

Ambientado no Amazonas e com uma fotografia belíssima e poética, “O último azul” conta a história de Tereza (a maravilhosa Denise Weinberg, uma das forças do filme), uma senhora de 77 anos que vive sozinha, trabalha e ainda tem sonhos a realizar.

O problema é que Tereza atingiu o limite de idade determinado pelo governo brasileira em que os idosos são retirados não apenas do mercado de trabalho, mas da vida ativa e do convívio de seus familiares e mandados para colônias onde vão basicamente para viverem o resto de suas vidas até a morte. O objetivo da medida é manter os jovens produtivos e sem a necessidade de cuidarem dos seus idosos.

Tereza, no entanto, se recusa a ir para o asilo. Ela tem sonhos a realizar. Ela deseja voar de avião, o que nunca pôde fazer, pois era uma mãe solteira cuidando de uma filha que agora não só não liga para ela, como tem a sua guarda, de acordo com as leis do governo. Ou seja, Tereza não só perde o trabalho como a própria autonomia de viver e tomar as decisões de sua própria vida.

Ao se rebelar contra o sistema e se recusar a ser tratada como mercadoria estragada, Tereza embarca numa jornada de afirmação da sua liberdade. A partir da busca pelo sonho de voar, ela cruza o caminho de diversos personagens e vive experiências que escancaram que a vida só tem um fim quando tem que ter e não por uma determinação do governo.

Na sua temática, “O último azul” me lembra muito o filme japonês “Plano 75” (2022), que também explora a questão do envelhecimento onde idosos são convidados a fazerem uma eutanásia voluntária aos 75 anos, mesmo que estejam saudáveis.

Na essência, os dois filmes tratam dos mesmos temos. O capitalismo na sua forma mais cruel e a idade sendo tratada como um fardo.

A vantagem de “O último azul” está na poesia de Mascaro, que aproveita a paisagem amazônica para mostrar não apenas a beleza, mas a riqueza cultural da região, com todas as suas contradições, aspectos positivos e negativos e que deviam estar disponíveis a todos. Independentemente da idade.

Nota 8/10