sábado, 15 de março de 2025

Book review: “A máquina de fazer espanhóis” e “Baratas”

“éramos sempre noventa e três pessoas no feliz idade. sempre noventa e três velhos ali metidos. e não havia alteração disso. a cada fuga, alguém entrava de novo a compor o número preciso de utentes, como um universo perfeito, completo, que se alimenta dos restos de tempo que as pessoas têm”. (Pág. 273)

“A máquina de fazer espanhóis” é o terceiro livro que eu leio de Valter Hugo Mãe. “Descobri” esse escritor através de uma entrevista a um programa de TV do Brasil, o “Roda Viva”. Na ocasião, ele estava lançando o excelente “As doenças do Brasil” e eu me identifiquei muito com diversos pontos abordados por ele nessa entrevista.

O “Roda Viva” foi o estopim para eu abrir o caminho para a sua literatura justamente com “As doenças do Brasil”, que Mãe considerou na entrevista o seu melhor livro, e, aos poucos, eu tenho me aprofundado no seu trabalho tão interessante não apenas pelo conteúdo, mas também pela forma da sua escrita sempre subvertendo pequenas regras da língua ao abolir as letras maiúsculas.

“A máquina de fazer espanhóis” inicialmente me parecia um livro bem triste e que jogava a culpa na sua cara. Especialmente os que já tiveram parentes em asilos. Ou melhor, “casas de idosos” para usar um termo mais politicamente aceitável nessa nossa vida de eufemismos.

Ao descrever a realidade de uma série de idosos, o livro parece navegar entre uma reflexão sobre a finitude da vida e o nosso descarte da sociedade a medida em que envelhecemos.

Acontece que com o avançar da história, o livro vai ficando ainda mais fascinante. O “feliz idade”, maravilhoso nome do asilo que é uma ironia, mas também remete à “felicidade”, que não deixa de ser um eufemismo irônico, é o fim, mas também um recomeço nos estertores da vida daqueles personagens.

No convívio com os outros idosos, há muitas dores, angústias, doenças e a morte está sempre à espreita na medida em que o corpo e a mente começam a falhar. Contudo, há também novas amizades, companheirismo e um senso de comunidade criado entre iguais com algumas coisas em comum.

Se o asilo parece um corredor da morte com diferentes escalas até o fim, também é um espaço de boas e nostálgicas conversas, brincadeiras, arrependimentos, lembranças e um conforto no fim da vida.

Ao escrever este livro, Mãe disse que quis imaginar uma terceira idade para o pai, que morreu muito cedo. Com isso ele escreveu praticamente um arquétipo da vida em um asilo. Todos os padrões estão ali. Tudo em meio a reflexões sociológicas, antropológicas, culturais e políticas.

Valter Hugo Mãe é para mim cada vez mais um dos autores vivos mais interessantes de se acompanhar. Certamente hei de ler mais obras dele num futuro bem próximo.

Nota 9/10.

Review também publicada no meu perfil no Goodreads: https://www.goodreads.com/review/show/7372673149

“Atle Moines, ex-político democrata-cristão, ex-presidente da Comissão de Finanças, era agora um ex em tudo o resto também” (pág. 18)

Tenho uma certa dificuldade em compreender o sucesso de Jo Nesbø como escritor. Ele não é exatamente um autor com um refinamento estético ou alguém que tenha inventado ou revolucionado um gênero. Paradoxalmente, porém, eu me vejo bastante interessado em acompanhar a saga do seu detetive Harry Hole, um clássico personagem bad boy incompreendido, alcoólatra e que usa de subterfúgios para resolver seus casos de assassinato.

“Baratas” é o segundo livro da saga de Hole. Depois de resolver um caso complexo na Austrália, Hole agora é mandado para a Tailândia para investigar o assassinato de um embaixador norueguês.

Nesbø usa uma fórmula consagrada para escrever a sua história: crime, investigação, primeiros suspeitos, desvio de rota, suspeito principal, correção de rota, clímax, resolução e explicação do caso. Eu diria até que suas histórias se assemelham a um tipo de literatura conhecida como pulp fiction, ou seja, aquele tipo de entretenimento rápido sem grandes pretensões artísticas.

Uma de suas qualidades é inserir elementos da história e cultura local nas suas narrativas e com notas explicativas. Foi assim em “O Morcego”, com uma série de informações sobre os aborígenes e a própria Austrália e agora em “Baratas”, com diversos dados interessantes sobre a Tailândia.

Em resumo, Nesbø não é genial, mas é agradável. Quem gosta do gênero policial/crime pode gostar dos seus livros. Eu mesmo não vejo a hora de partir para o terceiro livro da saga de Hole. Vai ver o segredo do seu sucesso está na forma como a sua escrita simples e direta associada a uma espécie de cor local conquistam muitos leitores.

Nota 7/10.

Review também publicada no meu perfil no Goodreads: https://www.goodreads.com/review/show/7256212012

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