sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Sete filmes e três séries de janeiro

Os filmes e séries mais interessantes que eu vi em janeiro:

O Brutalista (The Brutalist — EUA, ING, CAN — 2024) — Adrien Brody vivendo uma jornada sobre a decadência e o lado sombrio do Sonho Americano a partir da história de um imigrante húngaro judeu sobrevivendo do Holocausto que vai para os Estados Unidos para reconstruir a sua vida. Muito bom filme. E ainda descobri que o brutalismo é uma corrente da arquitetura.

Queer (Queer — ITA, EUA — 2024) — Adoro como os filmes do Luca Guadagnino têm textura, alma, tem toda uma assinatura própria. Aqui Daniel Craig vive um alter-ego de William S. Burroughs, um homem solitário que descobre o amor em meio à vida hedonista e de excessos em que vivia.

A semente do fruto sagrado (Dâne-ye anjir-e ma´âbed — FRA, ALE — 2024) — muito bom filme que tem como pano de fundo os protestos no Irã contra a obrigatoriedade do uso do hijab. No meio de tudo, uma família em choque com um pai que trabalha para o sistema, uma mãe entre a submissão ao marido e o amor pelas filhas e as filhas lutando por um future melhor.

Pequenas coisas como estas (Small Things Like These — IRL, BEL, EUA — 2024) — É curioso como o filme é angustiante ao mostrar um homem de coração bom e traumatizado como só o Cillian Murphy sabe ser, vivendo o dilema entre fazer a coisa certa e se prejudicar e fechar os olhos para os abusos da Igreja numa Irlanda arraigadamente católica.

A verdadeira dor (A real pain — EUA, POL — 2024) — Gosto muito do Kieran Culkin neste filme sobre dois primos de passados e estilos bem diferentes que buscam uma espécie de reconciliação a partir de uma viagem às raizes da família na Polônia. E só. Não fosse por ele seria um filme apenas ok.

Joan Baez I am a noise (Joan Baez: I am a noise — EUA — 2023) — Bom documentário sobre a carreira da ativista e uma das principais cantoras de folk e americano. Explora os principais pontos da vida de Baez.

Mars Express (Mars Express — FRA — 2023) — Bela animação futurista francesa que envolve crime e uma revolta das máquinas numa Marte colonizada no século XXIII.

Terra Indomável (American Primeval — EUA — Netflix) — Série sobre o início da exploração e conquista do Oeste norte-americano. Tem toda a espiral de violência entre nativos, imigrantes, mórmons e o governo. Muita sujeira e caos.

A grande descoberta (Genombrottet — SUE — Netflix) — Série curtinha e bem interessante sobre como a polícia sueca usou a genealogia e testes genéticos para resolver um crime depois de 14 anos.

Landman (Landman — EUA — MTV e Paramount) — Nova série de Taylor Sheridan. Diálogos e posturas extremamente héteros, mas com um interessante conteúdo apocalíptico sobre o presente e o futuro da indústria do petróleo. Extremamente pessimista e ninguém melhor do que o Billy Bob Thornton e Jon Hamm para encarnarem estes arautos do mundo perdido de matriz energética poluente.

domingo, 26 de janeiro de 2025

“O Brutalista”, um épico sobre o lado sombrio do Sonho Americano

Nos primeiros minutos das 3h34min de “O Brutalista”, vemos um homem sendo acordado de um local escuro e pouco confortável e trazido para o lado de fora do que depois vemos ser um barco. A primeira imagem que este homem vê é o céu azul e a Estátua da Liberdade de cabeça para baixo em uma NovaYork da segunda metade dos anos 1940. Até ali, sabemos muito pouco sobre quem é László Tóth (Adrien Brody), porém o seu olhar para aquele monumento é o de alguém que guarda as marcas da vida, mas que tem um sonho.

Aos poucos descobrimos quem é Tóth. Um húngaro judeu sobrevivente do campo de concentração de Buchenwald. Um arquiteto que se formou na prestigiosa escola de Bauhaus, na Alemanha. Um homem viciado em heroína que sonha em se reunir com a mulher, Erzsébeth (Felicity Jones), de quem foi forçadamente separado durante a Segunda Guerra Mundial. E, além disso tudo, Tóth é um homem que tem o sonho de deixar o pesadelo para trás e vencer na América.

Contudo, o filme de Brady Corbet não é exatamente sobre a ideia idílica do Sonho Americano. A ideia de que todos temos a chance de sucesso, prosperidade e mobilidade social através de trabalho duro. “O Brutalista” é o oposto disso. Ele expõe o lado sombrio do Sonho Americano e mostra que nem todos são iguais, nem todos conseguem ter o direito básico à vida, liberdade, prosperidade e felicidade.

A ideia de Corbert não é exatamente original. Outros filmes na história do cinema abordaram os aspectos macabros do Sonho Americano. Mas é curioso que “O Brutalista” esteja em cartaz nos cinemas justamente neste momento em que o novo presidente estadunidense, Donald Trump, chega a Casa Branca com uma agenda conservadora, extremista, de perseguição a imigrantes e de todas as minorias em uma América que mostra que o ideal de prosperidade e igualdade está longe de ser para todos.

Em uma narrativa que se passa entre os anos 1940 e 1980, o épico de Corbet traça paralelos perturbadores com os Estados Unidos atual. E tudo partindo de um microcosmo, a história de Tóth, que foge da Europa para reconstruir o seu legado e encontra na figura do milionário Harrison Van Burien (Guy Pearce), o mecenas necessário para dar a sua contribuição ao nascimento de uma América moderna do pós-Guerra.

América esta que usa o trabalho do imigrante, mas o coloca no seu lugar como pária em uma sociedade que usufrui da sua mão-de-obra. O exemplo está na relação de Harrison com Tóth. Harrison é excêntrico e trata Tóth como um pet exótico que o entretém e de quem pode se livrar, usar, jogar fora e trazer de volta de acordo com o seu bel prazer. É absolutamente tóxica a relação entre os dois, mas Tóth é um gênio fragilizado pelos horrores pelos quais passou que só deseja fazer o possível para reconstruir a sua vida com Erzsébeth. E construir um legado dentro da arquitetura de estilo brutalista. Daí o nome do filme.

Num dado momento, porém, já na parte final do filme, Tóth reconhece a falácia do sonho americano e revela seu desejo de ir embora para Israel, para onde foi a sua sobrinha Zsófia (Raffey Cassidy).

Quinto filme mais longo a concorrer ao prêmio principal do Oscar — perdendo apenas para “Cleópatra” (1963), “…E o vento levou” (1939), “Lawrence da Arábia” (1962) e “Os Dez Mandamentos” (1956) — “O Brutalista” por vezes é cansativo, ainda que seja dividido em duas partes com um intervalo no meio. Mas é de uma beleza rara e compensa não apenas pelos aspectos técnicos de direção, fotografia e direção de arte como também pelas excelentes interpretações de Brody, Pearce e Jones. Tudo isso faz valer cada minuto do filme de Corbet.

Nota 8,5/10.

sábado, 25 de janeiro de 2025

Book review de janeiro: “Fim” e “A Vegetariana”

“A morte não existe. A morte é uma doença crônica” (pg. 21)

Com uma narrativa deliciosa, bem-humorada e sarcástica, Fernanda Torres conta as histórias de aventuras e desventuras de cinco amigos em meio a um Rio de Janeiro que perpassa entre uma cidade idílica e o batido purgatório da beleza e do caos tantas vezes cantado por Fernanda Abreu.

A história é carregada de sexo, drogas, companheirismo, traições e fofocas enquanto Álvaro, Sílvio, Ribeiro, Neto e Ciro enfrentam o crepúsculo da vida.

Apesar de a morte ser o tema central, o livro tem uma luminosidade que traz um sorriso para quem o lê e especialmente para quem identifica muitas situações típicas do ethos carioca.

No fim das contas, o recado que fica de “Fim” (2013) é resumido por Torres ao citar uma frase de Tirésias a Odisseu: “A vida é o caminho” (pg. 198)

Nota 8,5/10.

“Eu tive um sonho”

De uma frase simples e banal, a protagonista de “A Vegetariana” caminha para uma destruição que ela vê como transcendência.

De uma postura já tão vista de forma enviesada pela sociedade coreana (e não só), Yeonghye caminha para uma brutalidade em três atos cujos horrores eu não vi chegar até o momento em que me vi surpreendido.

Este livro venceu o Man Booker Prize Internacional em 2016 e foi a minha primeira escolha para entrar no mundo de Han Kang, vencedora do prêmio Nobel de Literatura em 2024.

Em algum momento pretendo voltar a autora, que despertou a minha curiosidade. Contudo, primeiro ainda preciso digerir melhor e pensar melhor sobre “A Vegetariana”.

Nota 7,5/10.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

“Queer”, a visão de Guadagnino para uma viagem emocional e lisérgica de Burroughs

Desde “Me chame pelo seu nome” (2017) que Luca Guadagnino vem mostrando ser um dos diretores mais interessantes de se acompanhar a carreira. Seus trabalhos têm uma textura muito particular, uma alma e uma atmosfera singulares e uma força emocional que por vezes parece difícil de explicar por palavras.

Tudo isso se reflete em “Queer”, adaptação da obra do escritor William S. Burroughs, um dos expoentes da geração beat, movimento cultural surgido nos Estados Unidos do pós Segunda Guerra Mundial.

Adaptar o livro de Burroughs era um sonho de Guadagnino desde quando ele tinha 20 anos (o diretor hoje tem 53). E é curioso que ele venha justamente agora quase como um fechamento de um ciclo de sete anos. Enquanto em “Me chame pelo seu nome”, Guadagnino narrava o despertar do amor de um jovem gay por um homem mais velho, em “Queer”, o tema é a descoberta de um amor na maturidade, quase velhice.

Os beatniks eram conhecidos pela rejeição das narrativas até então convencionais, questionamento espiritual, retratos bastante explícitos das condições humanas, experiências com drogas psicodélicas e liberação sexual. Tudo isso é muito palpável em “Queer”.

Aqui, um homem de meia-idade vive solitariamente numa comunidade americana na Cidade do México até que a chegada de um homem mais jovem o desperta para a necessidade de estabelecer uma conexão com alguém.

O que se sucede é um jogo de gato e rato, avanços e retrocessos, muita insegurança alternado por lampejos de confiança e um constante clima de suspense na relação estabelecida entre Lee (Daniel Craig) e Eugene (Drew Starkey).

Juntos, mas com um certo distanciamento, eles vão vivendo toda a receita do manual beatnik até ao ápice de uma experiência psicodélica numa floresta do Equador, quando tudo muda em definitivo para ambos.

“Queer” é um filme muito bonito e que reafirma o talento de Daniel Craig. Nas suas mãos, Lee, que é um alter ego de Burroughs, é bruto, inseguro, obcecado, mas ansioso por esse amor que não é nunca 100% correspondido e extremamente fragilizado pelo álcool, as drogas, as experiências psicodélicas e a abstinência destas mesmas drogas. É uma personagem fascinante para Craig mostrar uma versatilidade que ele sempre teve, mas estava naturalmente mais limitada nos 15 anos em que ele viveu o famoso agente secreto James Bond.

Um personagem especial para Craig e um ano de 2024 especial para Guadagnino, diretor do excelente “Rivais” e do ótimo “Queer”. Uma pena que o Oscar tenha esnobado seus dois filmes. Ambos mereciam estar na briga por algumas estatuetas.

Nota 8/10.

sábado, 18 de janeiro de 2025

Faltam ideias e sobra a beleza de Paris no “Maria Callas” de Larraín

Gosto de como Pablo Larraín faz com que suas cinebiografias sejam mais ensaios e reflexões sobre o biografado do que propriamente uma sequência de eventos que vão do início ao fim da vida da personalidade que ele escolhe retratar. É uma pena que nem sempre suas ideias dão muito certo. “El Conde” (2023), por exemplo, é maravilhoso ao retratar o ditador Augusto Pinochet como um vampiro. Num campo oposto, “Maria Callas” (“Maria”, no original) é a mais fraca duas suas biografias ensaísticas.

Terceiro e último ato de sua chamada trilogia “Lady with Heels” (Senhoras com saltos, em tradução livre), “Maria Callas” tem como ponto de partida os dois últimos anos de vida da famosa soprano greco-americana. Vivendo isolada em Paris e apenas com a companhia de dois empregados, a governanta Bruna (Alba Rohrwacher) e o motorista Feruccio (Pierfrancesco Favino), Callas (Angelina Jolie) enfrenta problemas de saúde, o declínio da sua voz e um desequilíbrio emocional que vinha desde o seu conturbado e abusivo relacionamento com o magnata grego Aristóteles Onassis (Haluk Bilginer), que curiosamente depois viria a se casar com Jackie Kennedy, outra personagem estudada e biografada por Larraín.

A princípio, esta parecia uma boa ideia, mas por trás das tomadas belíssimas de uma Paris outonal e dos enquadramentos que parecem verdadeiras pinturas através da câmera de Larraín, o filme carece de boas ideias. Parece mais um passeio mórbido pela decadência de uma figura genial sem entregar em troca um motivo ou uma reflexão sobre a cantora que é uma das principais vozes do século XX.

Se “Jackie” (2016) era um maravilhoso ensaio sobre a viuvez do poder protagonizado por Natalie Portman e “Spencer” (2021) já tinha altos e baixos, mas tinha uma reflexão sobre alguém que sofre uma vida sufocante e sofre as consequências de estar completamente deslocada do seu habitat, é difícil perceber onde “Maria Callas” quer se inserir.

Callas parece estar numa via-crúcis de dor e se acostumando com a presença e a ideia da morte, seja por saber que está com a saúde debilitada, seja pelos “fantasmas” que a perseguem na sua mente. Ao mesmo tempo, ensaia diariamente num teatro de Paris, quando varia entre a esperança de estar recuperando a sua voz e a certeza de que está acabada. A artista La Callas já estava morta antes que Maria deixasse este mundo. Na vida real, Callas chegou mesmo a ensaiar um retorno em 1977, três anos depois de sua última apresentação no Japão. Ela chegou a fazer uma gravação de La Traviata com o então tenor em ascensão Luciano Pavarotti, mas até a sua morte a soprano nunca mais voltaria a cantar em público.

Outro problema do filme é Angelina Jolie. Escolha número 1 de Larraín e sem a qual não haveria filme nas palavras do próprio diretor chileno, a atriz até se esforça bastante. Jolie, inclusive, estudou ópera por sete meses para se preparar para o papel e, por mais que a maior parte do filme ela esteja sendo dublada, é dela a voz que canta na bonita e dramática cena final do filme.

No entanto, apesar do seu esforço louvável, Jolie não consegue sumir da tela para dar vida a Maria Callas. Transpõe-se muito pouco de Callas e vê-se demais uma Jolie tentando viver uma cantora de ópera no ocaso da vida em Paris. Mesmo na cena final, talvez a melhor da atriz, é difícil não ver Jolie num momento que deveria ser profundamente Callas. De certa forma, isto atrapalha um pouco a experiência do filme.

No fim, sobra pouco para se apreciar do “Maria Callas” de Larraín. É uma pena que sua trilogia informal tenha permanecido como ponto mais alto exatamente o primeiro filme, “Jackie”. Contudo, ainda prefiro um diretor que possivelmente falhe por trazer uma visão pessoal ao jogar luz sobre uma determinada figura histórica do que um que acerte fazendo a mais certinha e quadrada cinebiografia possível. Destas histórias, o cinema está cheio.

Nota 6/10.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

O silêncio, a angústia e a opressão em “Pequenas coisas como estas”

Embora seja uma das mais proeminentes escritoras irlandesas, ainda não tive a chance de ler nada da autora Claire Keegan. Contudo, a julgar pelos dois filmes baseados em sua obra, talvez eu devesse dar alguma atenção a esta escritora que já ganhou alguns prêmios e teve obras incluídas em listas de destaques de publicações importantes ao longo dos últimos anos. O cinema pelo menos já se apercebeu do potencial da sua literatura, visto que num intervalo de dois anos entre 2022 e 2024 duas obras suas foram adaptadas para as telas.

A julgar pelo que vi na tela grande — o que é muito pouco para fazer um julgamento mais acurado — , a negligência e a hipocrisia em meio a uma complexa e contraditória Irlanda giram em torno da sua literatura. E tudo sem grandes assombros. Apenas trabalhando o desconforto do silêncio. O silêncio que vem de traumas perturbadores ou que vem da necessidade de lidar com questões morais e suas consequências enquanto o próprio peso da vida está te esmagando. Pelo que li sobre a autora, os silêncios são muito importantes em sua obra e o cinema tem conseguido traduzir muito bem essa qualidade da prosa de Keegan.

Em “A menina silenciosa” (“An Caillín Ciúin”, no original, e baseado no conto “Foster”, ou “Acolher”, em português), de 2022, o diretor Colm Bairéad traduz muito bem isso ao contar a história de uma menina retraída que vai morar numa casa estranha e com um casal desconhecido em que, com o passar do tempo, ela vai descobrindo camadas de afeto que lhe eram desconhecidas e, paulatinamente, vai superando o medo e o desconforto. Afeto que ela nunca recebeu dos pais biológicos.

Em “Pequenas coisas como estas” (“Small Things Like These”, no original), o buraco é mais embaixo. Aqui temos uma pequena comunidade da Irlanda que vive refém do jugo moral, poderoso e até financeiramente opressor da Igreja. Nela, o carvoeiro Bill Furlong (Cillian Murphy), dono de uma pequena e bem-sucedida empresa, se vê num dilema moral depois que descobre os abusos que jovens meninas sofrem num convento da cidade.

Furlong, um pai de cinco meninas que teve que conviver com a ausência materna desde muito cedo, angustia-se com o que presencia em uma visita ao convento para levar o seu carvão para as freiras e passa os dias seguintes remoendo num dilema moral entre fazer a coisa certa e se prejudicar e, consequentemente, prejudicar toda a sua família que vive uma vida simples, mas boa na cidade, e fechar os olhos para os abusos da Igreja numa comunidade refém do poder desta mesma Igreja.

Furlong é homem bom, mas angustiado. Os silêncios do filme são angustiantes e nos ajudam a sentir o peso no peito do seu protagonista. E poucos atores conseguem aproveitar as longas pausas do filme para expor com o olhar, gestos e expressões este peso deste homem traumatizado e angustiado que vive um dilema como Murphy. Ele é, sem dúvida, um dos trunfos que fazem “Pequenas coisas como estas” ser um filme tão interessante. Não exatamente brilhante, mas interessante o suficiente para eu desejar revisitar em outro momento. Talvez depois de ler o livro e encará-lo com um novo olhar. Por enquanto, saio satisfeito de “Pequenas coisas como estas”.

Nota 7,5/10.

sábado, 4 de janeiro de 2025

“Nosferatu”, o sonho realizado de Robert Eggers que, porém, perde para o original de Murnau

Refilmar “Nosferatu” sempre foi um desejo do diretor Robert Eggers. Fã do clássico do Expressionismo alemão lançado em 1922, Eggers se impôs esse desafio após consolidar a sua carreira com uma cinematografia muito baseada em construir filmes como um grau de horror que gravita entre o sobrenatural e o ocultismo. Mesmo seu filme mais controverso, “O Homem do Norte” (2022), explora uma faceta mística em meio a uma trama de vingança que se passa no período viking.

Mas ao impor este desafio, Eggers tem uma pressão extra que não teve nos seus três longas anteriores — além de “O Homem do Norte”, ele também é diretor dos ótimos “O Farol” (2019), talvez o seu melhor filme, e “A Bruxa” (2015). E esta pressão é a comparação com um filme lançado há mais de um século.

Quando filmou o seu “Nosferatu”, F. W. Murnau tinha perante si um cinema ainda muito jovem e que tinha apenas 27 anos desde que os irmãos Lumière projetaram o seu primeiro filme. Naquele tempo, a tecnologia era praticamente nenhuma em comparação com os tempos atuais de Inteligência Artificial. Os filmes eram mudos, em preto e branco e todo e qualquer efeito era prático. As atuações para os tempos de hoje soariam caricatas, mas não podemos esquecer que num tempo de cinema mudo, as expressões exageradas eram fundamentais para darem vivacidade ao que se queria passar.

E é fascinante que mesmo diante destas limitações o filme de Murnau permaneça sendo mais interessante do que a versão de Eggers. Isso diz muito sobre o quão Murnau foi genial ao filmar seu “Nosferatu”, mas também no quanto Eggers de certa forma falhou ao transpor a sua versão para as novas plateias do século XXI.

É claro que o “Nosferatu” de Eggers tem predicados. A começar pela fotografia. Belíssima, glacial, asfixiante e ainda com um jogo de luz e sombras que não deixa de ser uma bonita homenagem ao filme original.

Outro ponto alto de “Nosferatu” é o trabalho de Bill Skarsgard como o Conde Orlok. Ele é tão assustador quanto a versão original de Max Schreck (sempre, evidentemente, guardando as devidas proporções de um intervalo de 103 anos de diferença). E Eggers sabe muito bem jogar com os ângulos de câmera para revelar sempre apenas o necessário, deixando para Skarsgard a tarefa de usar a impostação da sua voz ecoar como o vento frio da morte sobre a fictícia cidade de Wisburg, na Alemanha do século XIX.

Contudo, o “Nosferatu” de Eggers se resume a isso. Ele não tem as sutilezas do filme de Murnau. No original, o mal vai crescendo enquanto o medo está a espreita até se revelar em sua profundidade. Embora, como espectadores, saibamos desde o princípio de que Orlok é um vampiro possuidor de almas, dentro da história a percepção desta evolução demoníaca é aos poucos. Sua alma avança pelas sombras sorrateiramente. Como se a influência de Orlok fosse se espalhando como uma doença até que já fosse quase tarde demais para salvar a cidade do seu domínio. Daí a associação com a peste negra funcionar melhor no original do que neste filme, quando Eggers transforma este elemento num confronto entre fé e ciência.

Esta dualidade, porém, acaba sendo um ponto fraco do filme. Temos os que acreditam, temos os que não acreditam, mas na essência parece haver um consenso de que é preciso seguir o professor Eberhart (Willem Defoe), que parece saber o que está acontecendo e, apenas por ser convincente no seu argumento, confia-se cegamente nele, apesar dos vãos e quase constrangedores esforços de um Friedrich vivido por um Aaron Taylor-Johnson nada convincente.

Conforme o tempo vai passando, o “Nosferatu” de Eggers de certa forma vai minguando e ficando desinteressante. Ele só volta a ganhar realmente um fôlego em seus momentos finais. Ali, no duelo entre Ellen (Lily-Rose Depp) e o vilão, o filme de Eggers ganha na interpretação de Skarsgard um final fascinante que culmina numa imagem que é uma pintura do horror e do sacrifício. Por esta cena, a espera valeu a pena.

Nota 6/10