O vestido é bonito, mas ficou manchado |
Eu já havia cornetado aqui neste pequeno espaço sobre a
pouco inspirada seleção dos homens que estão concorrendo ao careca dourado de
melhor ator. No campo diametralmente oposto estão as mulheres. Meryl Streep
("Florence"), Isabelle Huppert ("Elle") e Natalie Portman
tornam a disputa deste ano saborosa e com aquela sensação de lamento para quem
perder. Principalmente se as três perderem para Emma Stone ("La La
Land"). Por favor, isso seria o erro "Spotlight" entre as
atrizes.
Como
não amar Natalie Portman quando ela decide se dedicar a um trabalho dramático?
Ainda mais na pele desta Jackie Kennedy, cuja viuvez do marido se confunde com
a viuvez do poder em "Jackie", de Pablo Larrain.
O
diretor chileno de filmes muito bons como "No" (2012) e "O
clube" (2015), e do recente "Neruda" (2016) pegou este ícone de
uma Casa Branca pop na década de 60 e fez um ensaio sobre a primeira-dama mais
famosa dos EUA (desculpa, Michelle, mas Jackie é Jackie e antiguidade é posto).
E
é um ensaio em que a Jackie da dupla Larrain-Portman se dedica com afinco em
deixar um legado de Kennedy na história americana para que ele não seja
esquecido. Essa Jackie quer um Kennedy lembrado grandiosamente como Abraham
Lincoln (outro presidente assassinado), embora ele não tenha deixado nada tão
relevante quanto o fim de uma guerra civil e a libertação dos escravos para ser
lembrado pelos historiadores.
O
filme se passa dias após o assassinato do presidente em Dallas. Os americanos
estão em choque, Jackie Kennedy também. Mas ela resolve conduzir todo o
processo de velório e enterro do marido com o intuito de torná-lo memorável e
ÉPICO. Além de um show apoteótico para as massas verem pela TV. Seu objetivo é
que o marido não acabe como James Garfield e William McKinley, outros dois
presidentes também assassinados. Pois é, eu também não sabia da existência
deles.
Ao
mesmo tempo, Jackie recebe um jornalista vivido por Billy Crudup para dar a sua
primeira entrevista sobre a morte do marido. Uma entrevista que é, na verdade,
uma não entrevista, visto que ela adianta que vetará a publicação de boa parte
do que é conversado com o repórter.
Ou
seja, Jackie usa o jornalista como terapeuta gratuito e sem limitação de tempo.
Desabafa, fuma à vontade na frente dele (mas ela não fuma! Jamais fumou! Tudo
mito!). E no fim ainda vai decidir o que sairá na imprensa. É muito abuso!
Censura! Cadê a Justiça que não vê isso?
Tudo
é meticulosamente preparado por Jackie para que a sua saída de cena seja
condizente com um Kennedy. E dentro da construção de uma mitologia da família. Por isso, enquanto cuida da mudança da Casa Branca,
ela decide até onde o marido será enterrado no cemitério de Arlington. Tem que
ser um lugar lírico e poético. E numa posição de destaque. Não pode ser um
buraco qualquer.
Neste
processo de luto duplo, Jackie tem outro interlocutor. Um padre (John Hurt) com
quem se consulta, revela seus temores, questiona a existência de Deus e revela
que o casal já nem dormia mais na mesma cama. Vamos lá, galera, Jack não era
nenhum santo. Já tinha dado uns pegas na Marilyn Monroe (aquele "Happy
Birthday to you" era LASCIVO e transbordando hormônio) e a coisa ia de mal
a pior ali na alcova do poder. Jackie nunca foi burra ou cega, mas era a
primeira-dama e tinha status. Ela questiona: Quantas mulheres não aguentam algo
semelhante e nem têm o gostinho do poder? Pelo menos eu durmo na Casa Branca.
Na
visão de Larrain, Jackie sofre a dor da perda do marido, mas sofre muito mais
por perder a vida boa da Casa Branca, os jantares requintados, os concertos
musicais privados e as FESTCHINHAS regadas a muita música e bebida. Quem não ia
desejar uma vida dessa?
Enquanto
isso, o irmão de Jack, Bob Kennedy (Peter Sarsgaard), lamenta que tudo tenha se
perdido naqueles tiros. Ele vê a família sem legado e sem chance de seguir a caminhada
política (tolinho). A resolução de uma crise dos mísseis lhe parece pouco e o
desfecho da Guerra do Vietnã ficará de mãos beijadas para o próximo presidente.
"Jackie",
portanto, não é uma cinebiografia comum de um período histórico. É uma reflexão
sobre o legado, sobre o poder e sobre a construção de uma narrativa que poderá
permanecer ou não nos livros de história. E Larraín mandou bem no seu objetivo.
Ganhará, assim, uma nota 8 da Corneta.
Indicações ao careca dourado: melhor atriz (Natalie
Portman), figurino e trilha sonora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário