Mercado editorial e traições na mesa |
O cinema de reflexão é quase uma
instituição francesa. Se há um tipo de filme feito na França que eu aprendi a
gostar é justamente o que tenta dar um recorte de uma realidade e refletir
sobre ela. Mesmo que muitas vezes se torne um debate filosófico e burguês com
adultos de classe média-alta bebendo vinhos e comendo queijos caros enquanto
pensam sobre os destinos da humanidade, é interessante ver aqueles personagens
que contracenam debatendo a partir das ideias desenvolvidas pelo diretor, que
muitas vezes também é o roteirista destes filme.
“Vidas duplas” é um pouco sobre isso.
Mas ao mesmo tempo em que tenta criar uma história em que debate o choque entre
tradição e modernidade na indústria literária, Olivier Assayas parece se perder
e não criar uma conexão que traga rumos e, principalmente, um caminho para uma
conclusão de sua história. Não que histórias em aberto não sejam boas. Pelo
contrário. Elas são ótimas. Mas Assayas não deixa “Vidas Duplas” em aberto. Ele
joga-a num limbo em que ao fim das duas horas de filme fica-se a conclusão de
que se falou demais e não se foi para lugar nenhum.
Nem os naturais pontos de conflito
acusados pelos adultérios que acontecem na tela fazem o filme entrar numa erupção mínima para balançar as
estruturas dos personagens. Tudo é muito passivo e sem que nos leve a algum
lugar.
No centro da história estão quatro
personagens que, como o título do filme diz, vivem vidas duplas. Léonard (Vincent Macaigne) é um
escritor popular que, no entanto, só consegue criar ficções a partir das
histórias que de fato viveu. Ele é tão transparente nos seus textos que as
pessoas se enxergam claramente nele. Ele é amante de Selena (Juliette Binoche),
atriz de uma popular série de TV que está em crise com o seu papel.
Selena é mulher de Alain (Guillaume Canet), editor de
uma empresa conhecida por ter um excelente cartel de escritores, mas que está
passando por uma reestruturação para se adequar aos novos tempos de leitores
que compram e-books e audiolivros. Alain, por acaso, também tem uma amante, a
funcionária responsável pelo departamento digital da editora.
Léonard, por sua vez, é casado com Valérie (Nora Hamzawi),
assessora de um político popular na França que está em campanha para se eleger
para algum cargo que não é mencionado no filme.
Orbitando a história dos quatro, há
toda uma reflexão sobre a necessidade de se adaptar aos novos tempos e os rumos
da literatura no século XXI, uma era de rápida digitalização em que pessoas
leem livros pelo Iphone, blogueiros têm tanto poder de decisão e críticos veem
seu prestígio decair.
Enfim, existe todo um apanhando sobre
as mudanças tecnológicas e reflexões acerca da indústria com cada um e outros
personagens secundários opinando acerca do tema.
Tudo parece interessante, mas isso
não gera qualquer rumo para as histórias de cada um. Léonard continua tendo livros
publicados, mas também passa a ter e-books. A editora de Alain não dá qualquer
sinal de crise ou decadência. Pelo contrário. Se adapta bem à nova realidade e
vira vanguarda mesmo com a troca de uma funcionária.
E toda está trama não tem qualquer
ligação com a trama paralela dos casos amorosos de Selena, Léonard e Alain. O que
nos leva a refletir qual era o objetivo de Assayas ao unir os dois casos. Será
que ele só queria falar sobre estas preocupações acerca da literatura e criou
personagens que tivessem suas vidas sempre em choque para facilitar o debate?
Não parece funcionar muito bem. E mesmo quando um adultério é revelado tudo
fica surpreendentemente bem e sem sequelas emocionais. O que, convenhamos, por
mais adultos que todos sejam, é inevitável que haja alguma quebra de confiança,
choro, vontade de se vingar, enfim... falta "sangue" aos personagens.
“Vidas duplas” é um filme morno. Suas ideias são sempre tratadas em paralelo aos
acontecimentos vividos pelos personagens e nunca entram em choque ou se
amalgamam. O que fica no fim é a sensação de que foi um bom papo regado a
vinho, sexo e boa comida numa idílica primavera parisiense.
Cotação da corneta: nota
6,5.
Nenhum comentário:
Postar um comentário