terça-feira, 13 de outubro de 2015

Viagens de barco, campos modestos, Panthiraikos e o lado B do futebol grego

O modesto time do Panthiraikos em sua reapresentação em agosto/Divulgação
No auge do verão europeu, enquanto muitos aproveitavam as incríveis praias e aguardavam com expectativa o tradicional e belo pôr do sol de Santorini, um time da famosa ilha grega dava o pontapé inicial na sua pré-temporada. Sob o olhar atento de sete torcedores, quatro deles senhores que conheciam os jogadores pelo nome e, por vezes, gritavam para eles da modesta arquibancada do estádio em Fira, o Panthiraikos voltava ao trabalho após uma temporada que podia ser definida como frustrante.
Derrotado na prorrogação da semifinal do Campeonato das Ilhas Cíclades, a equipe, uma das principais de Santorini, perdeu a chance de jogar a final e, consequentemente de conseguir uma vaga na terceira divisão de futebol da Grécia. Naquele fim de tarde ensolarado e de muito calor, o pequeno clube grego, renovava as esperanças de voltar a jogar em uma das principais divisões do futebol profissional da Grécia com uma cerimônia religiosa.
Dentro do campo, um padre da igreja ortodoxa, a principal religião do país, abençoava um a um os jogadores, a comissão técnica e os dirigentes da equipe. Esse tipo de cerimônia é uma tradição na Grécia. É neste momento que os jogadores e todos no clube pedem a proteção divina para que consigam fazer uma boa temporada e não sofram lesões graves. Para o Panthiraikos, também seria interessante pedir um pouco de sorte para não sofrer com gols nos minutos finais da prorrogação. 
O time é abençoado por um padre em sua reapresentação/Marcelo Alves
Nas décadas de 80 e 90, o clube de Santorini, fundado em 1970 do século passado, disputou as principais divisões do futebol grego. Mas hoje vive uma realidade bem mais modesta. Joga o Campeonato das Ilhas Cíclades, liga amadora que poderia ser considerada uma espécie de quarta divisão grega e reúne clubes de conhecidas ilhas gregas como Santorini, Mikonos e Naxos, destinos de milhares de turistas que desconhecem a dura realidade do futebol local. 
No caso do Panthiraikos, por exemplo, o clube sobrevive com um orçamento modesto. Seu elenco é composto por 30 jogadores, sendo 10 deles da base. A grande maioria não vive do futebol e trabalha em Santorini como garçom ou no comércio local.
- Alguns jogadores nasceram aqui em Santorini e vivem na ilha. Mas eles têm outros trabalhos, não são profissionais. Nesta temporada, contratamos alguns jogadores (profissionais) e espero que eles nos ajudem a evoluir e melhorar (o jogo) dos nossos jovens talentos no campeonato - explica Babis Kambourakis.
ARQUIBANCADAS CHEIAS
Babis é o que se pode chamar de um assessor de imprensa informal do clube. Filho do presidente do Panthiraikos, ele cuida da atualização do site (www.panthiraikos.gr, infelizmente somente em grego) e das redes sociais, como a página do time no Facebook.
Ele conta que, do orçamento do time, 30% vem de empresários de Santorini que patrocinam a equipe. Os donos e o corpo diretor do clube também contribuem para a sobrevivência do Panthiraikos. Mas outra parte substancial, que chega perto de 25%, acreditem, vem da bilheteria. O clube garante que o estádio com capacidade para pouco mais de 600 pessoas está sempre lotado quando o time joga em casa. Fruto de uma extrema simpatia do povo de Santorini pelo time que tem a equipe como segundo clube do coração.
- Até porque muitos dos que vêm ver o time já jogaram uma temporada ou alguns jogos pela equipe - conta ele.
Como o ingresso para ver uma partida da equipe custa cinco euros (R$ 21), o clube garante a cada vez que joga em casa, e em caso de 100% de ocupação, um montante de 3.000 euros (R$ 12.850). 

O modesto estádio do Panthiraikos na ilha de Santorino/Marcelo Alves
DESAFIOS CLIMÁTICOS
Mas o time tem sempre que fazer contas para não fechar os meses e a temporada no vermelho. Isso porque o Panthiraikos e outros clubes das ilhas gregas sofrem com problemas que times do continente não têm: o alto custo das hospedagens nas ilhas gregas quando viaja para jogar fora de casa e das passagens de barco, único meio de transporte usado para as equipes se deslocarem nos jogos fora de casa.
E os custos podem aumentar ainda mais em caso de problemas climáticos. Principalmente no inverno, são frequentes os cancelamentos de viagens de barco por causa dos fortes ventos no Mar Mediterrâneo. Assim, durante o Campeonato e a Copa das Ilhas Cíclades, o outro torneio que o Panthiraikos disputa, há muitos jogos adiados. E, por vezes, os times que já fizeram sua partida não conseguem voltar para casa imediatamente, ocasionando mais despesas com hospedagem e alimentação das equipes.
- Muitas vezes saímos do barco direto para o jogo. E, em algumas situações, depois da partida só conseguimos retornar dois dias depois - conta Babis, lembrando que os ventos são um empecilho para os deslocamentos de barco nas ilhas gregas.

O time em seu primeiro treinamento na pré-temporada/Marcelo Alves
Além da questão climática, não há viagens de barco diárias para todos os destinos nas ilhas Cíclades, como já constatou qualquer turista que tentou visitar a região. Portanto, o planejamento é uma tabela amiga são fundamentais na hora de equacionar os custos. O clube também conta com uma pequena ajuda das empresas que comandam o transporte marítimo na região. Um desconto nas passagens que varia de 5% a 10%.
- Não é muito grande, mas ajuda - diz Babis.
Enquanto a primeira divisão grega já começou, o campeonato das ilhas Cíclades, só teve o seu início no domingo passado. A liga estava programada para começar entre o fim de setembro e o início de outubro, mas foi adiada por causa das eleições gregas após a renúncia de Alexis Tsipras no fim de agosto. Logo na estreia, o Panthiraikos fez o clássico de Santorini contra o Thiella Kamari, fora de casa, e empatou por 1 a 1.
EFEITOS DA CRISE
A crise financeira que a Grécia sofre também atingiu duramente os pequenos clubes do país. Antes mesmo de o governo Tsipras aprovou um duro pacote que, inclusive afetará as ilhas gregas, para obter um novo socorro financeiro do banco central europeu, o torneio sofreu uma redução de tamanho para cortar custos. O objetivo era diminuir o número de viagens e, consequentemente, gastos com hospedagem. Assim, o Campeonato das Ilhas Cíclades passou a ter duas divisões com 12 clubes é regra de acesso e descenso internas.
E para manterem viva a paixão pelo futebol, até rivais se ajudam. A grande rivalidade de Santorini é entre o Panthiraikos, nome que significa algo como "O clube de toda Santorini", e o Thiella Kamari, que significa "o vento de Kamari", região de Santorini conhecida por sua praia com areia escura e águas calmas e cristalinas. Mas a disputa entre os dois não impediu que o Panthiraikos disputasse toda a temporada passada no estádio do Thiella enquanto o seu próprio estádio passava por reformas.
O estádio do Panthiraikos em Santorini/Marcelo Alves
Agora o estádio de grama artificial - por causa do clima e o forte calor todos os campos das ilhas gregas são de grama sintética - está pronto para receber os jogos do Panthiraikos e muitos torcedores, como aconteceu na vitória por 2 a 1 no amistoso contra o Thriamvos Haidariou, pequeno clube de Atenas, durante a pré-temporada.
Tanto o Panthiraikos quanto o Thiella vão lutar pelo sonho de jogar a terceira divisão grega na próxima temporada. Babis diz que o time vem muito forte para a disputa e esse ano tem boas chances de ser campeão.
- Nós contratamos alguns jogadores experientes, que já jogaram a Série C na temporada passada ano passado e acho que eles vão nos dar o algo a mais necessário para subirmos de divisão.
É o que espera o torcedor de Santorini que, enquanto admira o espetáculo do pôr do sol na região de Fira, aguarda o novo alvorecer do Panthiraikos rumo às divisões profissionais do futebol grego. 
(Post originalmente publicado no blog Planeta que Rola)

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