segunda-feira, 7 de abril de 2014

'Noé'

Noé corre para não se molhar muito
Quem diria? Hollywood redescobriu a Bíblia. Duas semanas antes de Jesus adentrar as salas de cinema com todo seu cabelo liso e olhos claros comprovando que os historiadores estão errados e o filho de Deus na verdade era norueguês, a corneta foi conferir a mais nova produção divina do cinema. Não tenho nada contra as religiões, mas lançarei, como sempre, um olhar iconoclasta para conferir se esse novo filme é ou "Noé" grande coisa.

Como vocês estão cansados de saber, "Noé" conta a história daquela vez em que Deus resolveu dar um reboot e reinstalar o Windows do mundo. O problema é que ele deixou cair um copo d'água no seu computador celestial (com wi-fi divinamente rápido) e deu no que deu.

É claro que isso resultaria na maior chacina já vista. Quase todo mundo morre no final. Desculpem pelo spoiler.

Só que esse papo de seguir a Bíblia ao pé da letra não iria atrair a geração do Face para a frente do cinema, né. Foi aí que Darren Aronofsky teve algumas sacadas. Injetou testosterona no Noé e convidou o Russell Crowe para interpretá-lo.

Crowe transformou o personagem no macho alfa que Aronofsky queria. Bom de briga, descendente direto de Adão, segundo o velho testamento, protetor da família e com uma missão divina: construir uma arca para proteger um casal de cada espécie animal do grande dilúvio que vai acontecer daqui a pouco no mundo.

Esqueçam os discursos empolados na segunda pessoa do singular ou do plural. Com Aronofsky a mensagem é direta e a missão clara. Seu "Noé" é um Mad Max Bíblico sem a Tina Turner. We don't need another hero. We already have Noé.

Neste mundo antes de Cristo, do Google e do McDonald's, o apocalipse se aproxima porque a humanidade não soube cuidar direito do planeta. E agora a natureza vai se vingar com o ajuda do cara lá de cima. O Greenpeace deve ter curtido essa versão.

Mas o que fazer para salvar os bons e os justos? Noé entra em sintonia com o Criador que lhe dá uma letra, mas ele não compreende direito. É obrigado a visitar o seu avó em busca de alguma luz.

Entra em cena Matusalém, que não poderia ser interpretado por mais ninguém além de Anthony Hopkins. O mercado de velhos, sábios anciões e pais de heróis é monopolizado por ele. Estão aí "Thor" (2011 e 2013), onde ele faz Odin, “Alexandre” (2004), onde ele é Ptolomeu, e “A lenda de Beowulf” (2007), onde ele faz o rei Hrothgar, que não me deixam mentir.

Matusalém dá um chazinho de ayahuasca para Noé, que viaja na maionese como um hippie dos anos 70. É quando Noé vê a arca e parte obsessivamente para construí-la.

Enquanto isso, a humanidade se prepara para ocupar o espaço como faz melhor. Destruindo e degradando o ambiente. Realmente a visão de Aronofsky sobre a nossa espécie não é muito romântica. Ponto para ele.

É, Aronofsky, eu gosto de você (como não gostar de alguém que fez "Réquiem para um sonho"?), mas convenhamos, "Noé" um filmaaaaaço não. Tem uns efeitos especiais maneiros, atuações apenas ok e imagens bonitas.

Mas apreciei a licença poética de fazer o mal embarcar na arca. Representado pela figura do vilão Tubal-Cain (Ray Winstone), ele é a encarnação dos sentimentos ruins do ser humano. Incluindo aí os ecologicamente incorretos. Um recado do diretor de que algumas coisas não mudaram. Ou uma previsão de que um novo dilúvio se avizinha? Afinal, a humanidade não aprendeu muito nos últimos séculos a gerir os seus recursos naturais.

Antes que um novo dilúvio venha nos consumir, vou dar logo a cotação da corneta. Entre altos e baixos, "Noé" passou raspando. Vai ficar com uma nota 6.

Ficha técnica: Noé (Noah – 2014 – Estados Unidos) – Russell Crowe (Noé), Jennifer Connelly (Naameh), Ray Winstone (Tubal-Cain), Anthony Hopkins (Matusalém), Emma Watson (Ila), Logan Lerman (Ham), Douglas Booth (Shem), Nick Nolte (Samyaza). Escrito por Darren Aronofsky e Ari Handel. Dirigido por Darren Aronofesky.

Nenhum comentário: