domingo, 21 de agosto de 2016

Diário de guerra do Rio-2016 - 29º dia

Diário de guerra da Olimpíada do Hell de Janeiro

29º dia

Uma Olimpíada não é Olimpíada sem que você passe por pelo menos uma situação bizarra. A minha aconteceu no apagar das luzes.

Estava eu no MPC, o local onde ficam os jornalistas batendo matéria, bebendo café e jogando conversa fora (throwing out conversation, numa linguagem mais universal) enquanto não estão numa arena ou outra, quando fui abordado por uma TV japonesa. Logo quem! Será um convite do destino para 2020?

Mas eu não fui simplesmente abordado por uma TV japonesa. Eu fui abordado pela TV já com o cinegrafista gravando tudo o que eu estava dizendo ou fazendo. E se eu estivesse dando uma de Joachim Löw naquele momento? (Entendedores entenderão).

Pois bem, a jovem japonesinha me abordou com uma pauta daquelas difíceis de participar. Estava com duas cartolinas com fotos coladas tipo um trabalho escolar da sexta série. Elas tinham imagens de atletas japoneses. Uma com homens, outra com mulheres. E assim se deu a conversa.

- Oi, você por acaso conhece alguns atletas japoneses?

Tentei disfarçar dizendo que conhecia alguns. Como eu ia dizer para a amiga japonesa que eu só conheço o Jaspion, o Jiraya e os jogadores de futebol do Japão.

- É... Alguns. Não muitos. 

- Quem você conhece?

- Ahhh, é... Tem aquele ginasta. O Uchimura. 

- Sim, sim, Ujimira - disse ela, corrigindo a minha pronúncia. 

- E estas atletas aqui, você conhece? - completou a jornalista sorrindo e me mostrando uma série de imagens de mulheres japonesas que eu nunca ouvi falar. 

- Não. Não conheço. Talvez eu não seja a melhor pessoa para te ajudar. Desculpe.

Mas ela parecia desesperada para completar a apuração. Insistiu. Apontou para uma judoca que foi medalha de bronze (pelo que ela me contou) e disse:

- O que você acha dessa aqui? Que imagem ela te passa pela foto?

- Olha, não sei. Uma imagem de uma mulher forte, vencedora (ela foi bronze, gente!), determinada - eu respondi, dando argumentos bem genéricos.

Foi quando tudo complicou e eu saquei qual era a real pauta da TV Japa.

- E você acha ela bonita?

Convenhamos, ninguém fica bonita após uma luta de judô em que sai descabelada, suada e com a roupa desgrenhada, mas a judoca não era exatamente um exemplo de beleza para o meu gosto pessoal.

- É... Não sei. É difícil falar. A imagem não está muito nítida - tentei responder sem ferir os sentimentos da pátria japonesa e sem ser mentiroso. 

- E olhando essas fotos aqui, quem você acha que agradaria mais aos brasileiros, dentro do gosto dos brasileiros para mulheres?

Aí, amigo, o bicho pegou. Além da judoca, o cartaz tinha quatro mulheres da luta livre, uma dupla de badminton, uma dupla de tênis de mesa e uma moça do atletismo. Nenhuma delas era exatamente um exemplo de Sabrina Sato (e eu nem acho a Sabrina isso tudo). Para piorar, eu nunca fui muito fã da beleza oriental. Para piorar mais ainda, eu não sou exatamente o guardião do brazilian taste of beauty.

Eu olhei para as imagens por longos segundos...

- Se você puder dizer o nome dela para a câmera, por favor - pressionou a repórter.

Eu continuei olhando por longos segundos. Até que tomei a decisão mais difícil dessa Olimpíada.

- Olha, eu acho que a dupla de tênis de mesa.

Feliz com a resposta, a japonesinha me agradeceu e seguiu a sua pesquisa pela área de imprensa. A vítima seguinte foi um jornalista do Cazaquistão. Agora, eu aguardo um vídeo meu no YouTube pagando mico e dizendo que a dupla de Ping Pong do Japão é bonita.

Xxxxxxxx

Foi inegável sentir uma certa saudade quando olhei para trás no último dia de trabalho na Olimpíada. Como eu já disse, Olimpíada é um inferno (e essa então foi bem problemática), mas também sensacional. Tivemos momentos históricos (nunca esquecerei Michael Phelps ou a luta do Robson Conceição), tivemos outros nem tanto.

E tivemos uma barba que não parou de crescer. Nem sei como não fui barrado 
em nenhuma arena ali pela terceira semana.

Foram 63 matérias publicadas em 22 dias (média de 2,86) e alguns quilos a menos que viraram quilos a mais depois que eu comecei a comer no restaurante de um hotel quatro estrelas que dava desconto para repórter da firma.

Um total de 1.404 quilômetros percorridos no trajeto diário Niterói's Kingdom-Jacarepaguá (Alligator to the water)-Niterói's Kingdom. Dava para pegar um shuttle até Itacaré, na Bahia (esse lugar ai da foto que tirei do Google), e ainda sobrar milha.

Este diário se despede com o desejo de voltar em Tóquio. Até porque o Japão tem tudo para ser épico. Um país de cultura milenar, com samurais, Pokemóns, Cavaleiros do Zodíaco, vários tipos de Kit Kat, onde tudo vai funcionar, sem samba e com a devolução do maravilhoso olhar de estranhamento. Vocês não têm noção de como eu invejei cada jornalista estrangeiro que olhava para um "Diamante Negro" ou para o biscoito da vaquinha tentando decifrar se aquilo era bom e valia a pena ser consumido.

Mas quatro anos são muito tempo. Muita água para rolar. Hora de guardar as armas e tentar se recuperar desta guerra. Nunca me disseram que era fácil.

Finalmente acabou. 

Acabou?

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