Diário de guerra da Olimpíada do Hell de Janeiro
29º dia
Uma Olimpíada não é Olimpíada sem
que você passe por pelo menos uma situação bizarra. A minha aconteceu no apagar
das luzes.
Estava eu no MPC, o local onde
ficam os jornalistas batendo matéria, bebendo café e jogando conversa fora
(throwing out conversation, numa linguagem mais universal) enquanto não estão
numa arena ou outra, quando fui abordado por uma TV japonesa. Logo quem! Será
um convite do destino para 2020?
Mas eu não fui simplesmente
abordado por uma TV japonesa. Eu fui abordado pela TV já com o cinegrafista
gravando tudo o que eu estava dizendo ou fazendo. E se eu estivesse dando uma
de Joachim Löw naquele momento? (Entendedores entenderão).
Pois bem, a jovem japonesinha me
abordou com uma pauta daquelas difíceis de participar. Estava com duas
cartolinas com fotos coladas tipo um trabalho escolar da sexta série. Elas
tinham imagens de atletas japoneses. Uma com homens, outra com mulheres. E
assim se deu a conversa.
- Oi, você por acaso conhece
alguns atletas japoneses?
Tentei disfarçar dizendo que
conhecia alguns. Como eu ia dizer para a amiga japonesa que eu só conheço o
Jaspion, o Jiraya e os jogadores de futebol do Japão.
- É... Alguns. Não muitos.
- Quem você conhece?
- Ahhh, é... Tem aquele ginasta. O Uchimura.
- Sim, sim, Ujimira - disse ela, corrigindo a minha pronúncia.
- E estas atletas aqui, você conhece? - completou a jornalista sorrindo e me
mostrando uma série de imagens de mulheres japonesas que eu nunca ouvi falar.
- Não. Não conheço. Talvez eu não seja a melhor pessoa para te ajudar.
Desculpe.
Mas ela parecia desesperada para
completar a apuração. Insistiu. Apontou para uma judoca que foi medalha de
bronze (pelo que ela me contou) e disse:
- O que você acha dessa aqui? Que
imagem ela te passa pela foto?
- Olha, não sei. Uma imagem de uma mulher forte, vencedora (ela foi bronze,
gente!), determinada - eu respondi, dando argumentos bem genéricos.
Foi quando tudo complicou e eu
saquei qual era a real pauta da TV Japa.
- E você acha ela bonita?
Convenhamos, ninguém fica bonita
após uma luta de judô em que sai descabelada, suada e com a roupa desgrenhada,
mas a judoca não era exatamente um exemplo de beleza para o meu gosto pessoal.
- É... Não sei. É difícil falar.
A imagem não está muito nítida - tentei responder sem ferir os sentimentos da
pátria japonesa e sem ser mentiroso.
- E olhando essas fotos aqui, quem você acha que agradaria mais aos
brasileiros, dentro do gosto dos brasileiros para mulheres?
Aí, amigo, o bicho pegou. Além da
judoca, o cartaz tinha quatro mulheres da luta livre, uma dupla de badminton,
uma dupla de tênis de mesa e uma moça do atletismo. Nenhuma delas era
exatamente um exemplo de Sabrina Sato (e eu nem acho a Sabrina isso tudo). Para
piorar, eu nunca fui muito fã da beleza oriental. Para piorar mais ainda, eu
não sou exatamente o guardião do brazilian taste of beauty.
Eu olhei para as imagens por
longos segundos...
- Se você puder dizer o nome dela
para a câmera, por favor - pressionou a repórter.
Eu continuei olhando por longos
segundos. Até que tomei a decisão mais difícil dessa Olimpíada.
- Olha, eu acho que a dupla de
tênis de mesa.
Feliz com a resposta, a
japonesinha me agradeceu e seguiu a sua pesquisa pela área de imprensa. A
vítima seguinte foi um jornalista do Cazaquistão. Agora, eu aguardo um vídeo
meu no YouTube pagando mico e dizendo que a dupla de Ping Pong do Japão é
bonita.
Xxxxxxxx
Foi inegável sentir uma certa
saudade quando olhei para trás no último dia de trabalho na Olimpíada. Como eu
já disse, Olimpíada é um inferno (e essa então foi bem problemática), mas também
sensacional. Tivemos momentos históricos (nunca esquecerei Michael Phelps ou a
luta do Robson Conceição), tivemos outros nem tanto.
E tivemos uma barba que não parou
de crescer. Nem sei como não fui barrado
em nenhuma arena ali pela terceira
semana.
Foram 63 matérias publicadas em
22 dias (média de 2,86) e alguns quilos a menos que viraram quilos a mais
depois que eu comecei a comer no restaurante de um hotel quatro estrelas que
dava desconto para repórter da firma.
Um total de 1.404 quilômetros
percorridos no trajeto diário Niterói's Kingdom-Jacarepaguá (Alligator to the
water)-Niterói's Kingdom. Dava para pegar um shuttle até Itacaré, na Bahia
(esse lugar ai da foto que tirei do Google), e ainda sobrar milha.
Este diário se despede com o
desejo de voltar em Tóquio. Até porque o Japão tem tudo para ser épico. Um país
de cultura milenar, com samurais, Pokemóns, Cavaleiros do Zodíaco, vários tipos
de Kit Kat, onde tudo vai funcionar, sem samba e com a devolução do maravilhoso
olhar de estranhamento. Vocês não têm noção de como eu invejei cada jornalista
estrangeiro que olhava para um "Diamante Negro" ou para o biscoito da
vaquinha tentando decifrar se aquilo era bom e valia a pena ser consumido.
Mas quatro anos são muito tempo.
Muita água para rolar. Hora de guardar as armas e tentar se recuperar desta
guerra. Nunca me disseram que era fácil.
Finalmente acabou.
Acabou?
Nenhum comentário:
Postar um comentário