Que roubada que eu me meti |
Até pintarem os indicados ao Oscar
deste ano, Casey Affleck tinha uma indicação ao careca dourado. Era pelo
assassino de Jesse James em "O assassinato de Jesse James pelo covarde
Robert Ford" (2007). Tanto lá como em "Manchester à Beira-Mar"
ele fazia um tipo que quase o tempo todo na tela tinha uma cara de cachorro
abandonado. Deve ser uma especialidade da casa.
Fato é que, tal qual o irmão Ben
Affleck, Casey não é dotado exatamente de um talento incrível para a
interpretação. Mas ele achou um nicho entre os atores que fazem cara de
cachorro abandonado. E, de vez em quando, acha um personagem ideal para ele.
Lee Chandler é um deles. Lee é um
zelador que vive em Boston tirando a neve do prédio em que trabalha e limpando
vasos sanitários. Leva a vida de forma pacata e discreta. Quase grita: não me
notem! Uma pessoa bem diferente do seu irmão, Joe Chandler (Kyle Chandler),
cidadão que parece ter se dado melhor na vida, mas tem um grave problema de
saúde. Um dia Joe bate as botas, vai para o paraíso, desencarna, segura na mão
de Deus e vai, e deixa um pepino para Lee. Ele tem que ser o tutor do seu filho,
Patrick (Lucas Hedges).
Lee pensa: "Não quero essa
roubada! Adoro meu sobrinho como sobrinho. Não quero meu sobrinho como
filho". Aí começa realmente o filme. Antes disso, eu dei até uma bocejada.
Lee não tem nada contra o jovem
adolescente. O que ele não quer é ter que voltar para a pequena cidade de Manchester. Por que, você, leitor da Corneta, perguntaria? Porque essa
Manchester tem sido mais cruel com Lee do que a Manchester inglesa com o
Guardiola.
Digamos que o mapa astral da cidade
não bate com o de Lee. E isso causou um mercúrio retrógrado feroz na vida do
rapaz. Tudo de ruim aconteceu com ele como se todo o período em que viveu na
cidade fosse um grande ano de 2016. E vamos descobrindo toda essa história em
flashbacks marotos preparados pelo diretor Kenneth Lonergan.
Tipo assim, não dá para ficar nessa
cidade. A solução é levar o garoto para morar com ele
em Boston. O problema é que Patrick é adolescente. Bate o pé e diz que não dá. Ele tem tudo em Manchester. Leia-se como tudo uma banda de rock ruim e duas
namoradas (isso é MUITO ERRADO, Patrick! Ai, ai, ai). Você vê aquilo e só
pensa que quando ele tiver 18 anos tudo o que vai querer é sair daquela cidade
que não tem nada para fazer para uma faculdade maneira de Boston e conhecer o
Tom Brady. Adolescentes...
O filme todo se desenvolve nesse
dilema, nesse "vou/não vou" que corrói Lee e amplifica a sua cara de
cachorro abandonado. Para piorar, o cara ainda esbarra com a ex. Tudo bem que a
cidade é um ovo, mas a Lei de Murphy é implacável. Principalmente com os
losers. Pior que a ex fica chorando, dizendo que não é bem assim e pedindo uma
segunda chance mesmo estando em outro relacionamento e com um bebê no carrinho.
Se fosse o Patrick pegava, mas Lee não quer saber disso. Bom, por causa dessa
cena muito boa mais pelo não dito e pela força e a mágoa que os dois passam que
Michelle Williams conseguiu uma indicação ao Oscar de atriz coadjuvante. Aliás,
essa coisa de tentar expressar o que não é dito é uma característica bem
interessante do filme.
E assim prossegue "Manchester à
beira-mar". Um bom filme (um bom de boca vazia, não um bom de boca cheia
de farofa), mas nada que você nunca tenha visto antes. Assim, o filme
ganhará uma nota 6,5.
Indicações ao careca dourado: filme,
ator (Casey Affleck), ator coadjuvante (Lucas Hedges), atriz coadjuvante (Michelle
Williams), direção e roteiro (ambos para Kenneth Lonergan).
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