Fazendo arruaça em Newcastle |
Daniel Blake (Dave Johns) me
representa. Ou melhor, nos representa. Representa
qualquer um que já ficou horas ao telefone ouvindo musiquinha de elevador à espera de
um atendimento para uma reclamação qualquer ou a solicitação de algo
importante.
Acompanhar a sua
jornada é estafante e desesperante. Viver é dramático demais para aqueles que
estão sendo engolidos pela face perversa da globalização, perdendo empregos,
rendas e deixando de ser pessoas para tornarem-se números. Pode ser o número do
seguro social, da carteira de trabalho, da previdência... Todos nós somos
números frios perante o governo e as empresas.
Para Ken Loach, a
vida resultante disso tudo é kafkiana. O adjetivo que remete ao escritor tcheco
não poderia ser melhor aplicado dentro do conceito de absurdo que é a jornada de Blake para receber o dinheiro do governo enquanto não pode trabalhar.
Loach é, em muitos
trabalhos, a voz do trabalhador comum inglês que tenta superar um sistema e
conta com a solidariedade de algumas pessoas que encontra em sua caminhada. É
assim em “Jimmy’s Hall” (2014), “A parte dos anjos” (2012) e até “Ventos de
Liberdade” (2006). Apenas para ficar em alguns dos seus filmes mais recentes.
Em "Eu, Daniel
Blake", Loach acompanha a Via Crucis de um carpinteiro que é impedido
pelos médicos de voltar ao trabalho depois que sofre um duro ataque cardíaco.
Blake é excelente num trabalho cada vez mais escasso. Já tem quase 60 anos e
começa a sentir o peso de um mundo que está excluindo-o. Ele mal sabe o que é
internet numa realidade tomada por formulários on line.
Como não pode
trabalhar, Blake precisa dar entrada num pedido para receber um seguro social
para se manter, mas tudo é negado. Afinal, ele pode vestir a camisa e colocar
um chapéu na cabeça. Logo, está apto a trabalhar. Nenhum médico o avalia.
Apenas uma vaga "profissional de saúde", que determina que ele está
bem simplesmente porque fez 12 pontos num questionário. Para ganhar o
benefício, ele precisaria de 15.
A vida é um jogo cruel, mostra o
diretor inglês. É nesse meio tempo que ele conhece Katie (Hayley Squires), jovem mãe de duas crianças que é expulsa de Londres por não conseguir
se manter numa casa alugada. Consegue um lugar na fria Newcastle, mas não tem
dinheiro sequer para pagar a eletricidade que manteria o apartamento aquecido
para os jovens Daisy (Briana Shann) e Dylan (Dylan McKiernan).
Katie tem fome. E como é dramática a cena em que ela abre uma lata de molho de macarrão para comer enquanto está colhendo seus alimentos da cesta básica fornecida pelo governo.
Blake e Katie se ajudam como podem. Cedendo o pouco que têm ao outro para tentarem sobreviver. Até irem no limite da dignidade e tomarem medidas extremas. Irritado, Blake grita para o mundo que é uma pessoa. Um ser humano que merece ser tratado com respeito e não com frieza por uma empresa americana que presta serviços burocraticamente ao governo britânico.
Loach tem uma visão pessimista do mundo atual. E deixa bem claro o quanto acha a realidade áspera a partir de um microcosmo em Newcastle. Por mais que tente lutar, o trabalhador é sufocado pela burocracia. E o absurdo prevalece numa realidade que todos tentam sobreviver.
"Eu, Daniel Blake" é mais um bom trabalho do diretor inglês e conta
com uma excelente interpretação do comediante Dave Johns no papel principal. A
Corneta dará uma nota 8.
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