Belo vestido. Fui eu que fiz |
Daniel Day-Lewis está se aposentando e a Corneta não está sabendo lidar
com isso. Tudo porque ele não se aposenta decadente e como um fantasma dele
mesmo como muitas vezes vemos acontecer com os atletas. Ele se aposenta com um
personagem maravilhoso e um trabalho impecável.
Ao finalizar “Trama
Fantasma”, Day-Lewis disse que foi sobrecarregado por um sentimento de profunda
tristeza e que ainda tentava viver com isso. E disse ainda que não sabia
exatamente o motivo da tristeza. Eu entendi perfeitamente. Seu Reynolds
Woodcock é um dos personagens mais intragáveis, asquerosos e DEPLORÁVEIS que eu
já vi. Provavelmente uma das figuras mais vis que o ator já interpretou. Tudo
isso banhado pela trilha sonora de Jonny Greenwood, guitarrista do Radiohead,
banda especialista em músicas para cortar os pulsos.
E não é só isso.
Para piorar, o diretor Paul Thomas Anderson conta a história desse renomado
estilista da high society inglesa com uma classe e uma beleza que o prende numa
maldita linha de costura te apertando numa roupa cheia de alfinetes.
(CUIDADO QUE AGORA
VEM UM DESFILE DE SPOILERS)
“Trama Fantasma” é
basicamente uma história de amor entre duas pessoas que não valem nada.
Reynolds é um estilista cheio de mania, cheio de mi-mi-mi, cheio de
frescurinhas, cheio de toques e que claramente teve uma infância em que foi
excessivamente mimado pela mãe. Pior, o cara ainda tem que ter o cabelo
impecavelmente escovado e só usa meias grená.
Tudo o incomoda.
Não pode fazer barulho no café da manhã porque “o gênio está criando”, não pode
mudar a rotina porque “o gênio fica abalado”, não pode fazer barulho chupando a
sopa na colher porque “o gênio perde a concentração” enfim... é uma vida toda
de negações para que o estilista possa criar os vestidos para as ladies da
Inglaterra. E as roupas são encantadores porque realmente o cara é bom no que
faz.
Só que Reynolds
está entediado. Tem uma mulher que não o entretém mais e procura tratá-la com o
seu frequente olhar de tédio e desprezo e a frase: “Estou trabalhando. Não me
enche o saco”.
Até que um dia ele
resolve ir passar um tempo na roça (o campo, em inglês vitoriano) e lá encontra
a garçonete da sua vida. Logo de cara ele pensa: “Meu amigo, que tiro foi
esse?”. Foi amor (ou o mais próximo disso) à primeira vista. E o que o encantou?
Sua caligrafia impecável para escrever ovos e bacon e sua...barriguinha. Morram
de inveja musas fitness e blogueirinhas. Ele se apaixonou pela moça porque ela
tem BARRIGUINHA.
Mas como tem sempre
que ser desprezível para manter a sua fama de gênio maldoso incompreendido,
Reynolds diz: “Você não tem peito”.
“Desculpa. Eu posso
colocar silicone”.
“Não, não precisa. Você é perfeita assim”, apressa-se a dizer.
“Não, não precisa. Você é perfeita assim”, apressa-se a dizer.
Parecia uma vida de
sonho para Alma (Vicky Kreaps). Era amada por um homem importante, poderoso e genial
e que ainda fazia as roupas dela.
Mas logo a rotina
daquela união ia começar a desagradá-la. Primeiro porque Reynolds desde sempre
fazia questão de dizer que ela não era relevante na vida dele. Só mais uma peça
no tabuleiro de xadrez, só mais uma linha na costura que se soltasse ele
comprava outra e substituía.
E você agora
poderia estar dizendo: “Mas isso é uma relação abusiva! Sai dessa, miga!”. Pode
ser, mas Alma não tinha vocação para Amélia, meus caros. Para conquistar
finalmente o amor daquele homem, para conseguir o que as outras não
conseguiram, só transformando-se na sua versão feminina e sendo igualmente
desprezível.
Alma foi à luta,
colheu uns cogumelos venenosos (nunca confiei em comidas com cogumelos) e o
deixou na SARJETA. O deixou dias sentado no trono chamando urubu de meu louro.
Depois disso, não restou a Reynolds nada além de pedi-la em casamento. “Eu te
amo (Amo-te em português de Portugal). Casa comigo? Você é a Alma do meu
negócio?”
“Agora tenho esse
macho no meu cabresto. Fiz esse Clodovil vitoriano comer na minha mão”, pensou
a moça.
Nã-ná-ni-nã-não.
Reynolds era carne de pescoço e logo a relação volta a dar curto circuito. Ele
percebeu que casamento estraga qualquer criatividade e passa a colocar a culpa
na mulher, é claro.
Obviamente, ela não
ia deixar barato. Eis que temos uma das mais belas cenas do filme. “Ah é assim?
Quer um omelete de cogumelos, my dear?” Alma o faz com muita manteiga só porque
ele ODEIA manteiga. Mas ele come, come com gosto porque sabe que a dor vindoura
libertará a sua criatividade para inventar vestidos incrivelmente brilhantes,
mas nunca chiques porque chique é uma palavra horrenda.
Reynolds pensa:
“Finalmente eu tenho uma mulher que me entende. Ela só precisa aprender a fazer
aspargos, mas fora isso é perfeita”. E faz a declaração de amor mais asquerosa
deste ano no cinema: “Eu te amo, garota. Me beije antes que eu vomite”.
Enfim. Dêem o
quarto Oscar para Daniel Day-Lewis que ele merece. E só para aumentar o peso da
bagagem na viagem que ele planeja fazer pelo mundo.
Cotação da Corneta:
nota 8.
Indicações a careca dourado: Melhor filme, ator (Daniel Day-Lewis),
atriz coadjuvante (Lesley Manville), diretor (Paul Thomas Anderson), figurino e
trilha sonora.
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