Um mergulho apaixonado |
Guillermo del Toro curte uma fábula. E curte uns personagens
desajustados para tratar do respeito ao que é diferente, ao que tem uma cultura
que não é a da maioria, para falar do medo do diferente e do que vem de fora e
de como usamos a ignorância e expomos cruelmente os nossos preconceitos. Para
isso, ele gosta de usar monstros. Podem ser criaturas próprias como as do
“Labirinto do Fauno” (2006), ou mesmo Hellboy, o personagem dos quadrinhos em
dois filmes de 2004 e 2008.
E o que podemos
dizer sobre “A forma da água”? É sobre tudo isso aí no parágrafo anterior. E é
bonito, é singelo, é fofo e.... convenhamos, não é nada original. “A forma da
água” nada mais é do que um “A bela e a fera” que deu certo. Isso porque “A
bela e a fera” é um desenho ruim e um filme medíocre. Tudo o que “A forma da
água” não é. Talvez a Disney pudesse contratar o Del Toro para um reboot para
ver se ele consegue salvar aquela história brega.
Então, o filme do
diretor mexicano é uma fábula bonita sobre o amor. Aliás, quantos filmes sobre
as mais diferentes formas de amar neste Oscar, hein? É o amor idílico e fugaz
de “Me chame pelo seu nome”, é o amor através do ódio mútuo e da manipulação de
“Trama Fantasma”, é o amor transcendental freudiano de “Corpo e alma”, o amor
incondicional e sem barreiras de “Uma mulher fantástica”.... e eu nem terminei
de ver todos. Hollywood deve estar carente.
Mas apesar desse
momento amorzinho, “A forma da água” vale por duas coisas.
1- A participação
impagável de Octávia Spencer como a faxineira Zelda Fuller. Os diálogos feitos
pelo Del Toro para ela são maravilhosos, as histórias do marido mala são muito
divertidas e a atriz está inspirada como o personagem cômico do filme.
2- Sally Hawkins no
papel da outra faxineira, a Elisa Esposito, que se apaixona pelo anfíbio
Aquaman da Amazônia com sérias restrições orçamentárias. Sem dúvida é um dos
seus grandes trabalhos no cinema. A sua personagem é apaixonante e uma das
grandes criações de Del Toro. Essa mulher muda e solitária que mora num
apartamento no topo de um cinema que exibe filmes hoje considerados clássicos,
divide o espaço com um homem gay e se apaixona por uma entidade que só ela tem
a paciência e a ternura de tentar se comunicar (e fazer uns ovos para ele
lanchar). E que no seu silêncio nos faz refletir sobre o que é ser humano e o
que é ser monstruoso.
Muito bonita essa
descrição acima né? Uma pena que eu não posso dizer o mesmo dos personagens de
Michael Shannon e Nick Searcy. Toda a criatividade e ACUIDEZ que Del Toro usou
para criar as suas personagens femininas, transformou-se em preguiça e
caricatura no caso dos militares Richard Strickland e do coronel Hoyt. Duas
figuras sem camadas usadas apenas para serem os homens maus, pois toda história
de amor precisa de homens maus. Qual eram suas motivações? Por que tiraram o
Aquaman da Amazônia, onde ele era adorado pelos índios? De onde veio a
informação que tinha um Aquaman lá? Por que o governo João Goulart não se
manifestou sobre esse roubo? Ou será que foi no início da ditadura e os
militares colaboraram com o governo americano? Nunca saberemos.
E aí no meio disso
tudo surgem os russos, que não querem ser passados para trás na Guerra Fria,
mas ninguém sabe como eles se infiltraram no laboratório e receberam as
informações. O doutor Hoffstetler está lá, mas por que ele está lá? As
instalações aparentemente não têm outras criaturas inanimadas e X-Men em geral.
Pelo contrário, o tal laboratório, que ninguém sabe a quem pertence e que
trabalho desenvolve não parece ter nada interessante até a chegada do anfíbio
que grunhe e gosta de comer ovo e ouvir música. Por que os russos estão lá? E
que esquema de segurança é esse que qualquer faxineira pode entrar nos lugares
mais top secrets e mandar um how you doing em linguagem de sinais para monstros
marinhos?
Mas você sempre
pode acreditar no amor sem fronteiras e preconceitos. E como fábula desse amor
“A forma da água” talvez te faça até escorrer uma lagriminha. Não foi o caso da
Corneta porque aqui é trabalho sério.
Antes de ir embora,
um parênteses. E o Michael Stuhlbarg hein? Resolveu aparecer em todos os filmes
do Oscar? Ele é o cientista Hoffstetler aqui, é o pai do Elio, o menino gay de
“Me chame pelo seu nome”, é o diretor de redação do “New York Times” em “The
Post”. Acho até que eu vou rever os outros filmes para ver se ele está bancando
o Stan Lee na Marvel e aparecendo em todos os filmes do Oscar.
Cotação da Corneta:
nota 7,5.
Indicações ao careca dourado: melhor filme, atriz (Sally Hawkins), atriz
coadjuvante (Octávia Spencer), ator coadjuvante (Richard Jenkins), diretor
(Guillermo del Toro), trilha sonora, roteiro original, fotografia, montagem,
figurino, mixagem de som, edição de som e edição.
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