Contemplem a minha maravilhosidade |
Estar diante de “Eu, Tonya” é fazer a pergunta inevitável: patinação
artística é esporte, educação física ou balé com patins? O filme de Craig
Gillespie só ajuda aos que defendem a tese de que não é esporte. Afinal, por
mais incrível que Tonya Harding (Margot Robbie, que está muito bem no filme)
pudesse ser, a primeira parte do filme mostra que ela era sempre julgado pela
sua aparência, digamos, menos clássica, e suas escolhas musicais pouco ortodoxas
nas performances (meu Deus, o que esses caras tinham contra ZZ Top?). Ou seja,
na patinação, não basta ser a melhor no que faz porque tem sempre um jurado de
ALEGORIAS E ADEREÇOS para baixar a sua nota.
Pior, se toda a
versão do diretor for correta - a reprodução dos momentos de competição, pelo
menos, é impecável -, Tonya ainda era julgada pelo seu comportamento explosivo
fora do ringue porque todos queriam um exemplo da família americana nas
Olimpíadas de Inverno. Ou seja, além do jurado de alegorias e adereços, ainda
há o jurado da MORAL E DOS BONS COSTUMES. E vocês ainda querem que eu considere
patinação esporte. É bonito, mas onde está a avaliação técnica das
performances? Onde está o nível Corneta de qualidade?
Mas “Eu, Tonya” não
é apenas um filme, e, aliás, um dos melhores deste Oscar, sobre verdades acerca
da patinação. É também sobre uma das maiores tretas dos esportes de inverno. É
ainda mais um filme sobre como o esporte é tão belo quanto sujo e também sobre
como escolher muito mal as suas amizades.
Falemos sobre o
caso. Tonya Harding era uma atleta talentosa que foi a primeira americana a
executar um triple axel numa competição. O triple axel é uma pirueta em que
você dá três giros e meio no corpo no ar e aterrissa lindamente como princesa
da Disney no gelo. É uma manobra muito difícil e raramente executado neste
“esporte”. Tonya fez isso e ganhou notoriedade. Mas seu talento nunca foi o
suficiente.
Vinda de uma
família pobre com uma mãe que a agredia constantemente (vivida maravilhosamente
bem por Allison Janney), Tonya tinha que se virar nos 30 para vencer na
patinação. Isso incluía costurar as próprias roupas. Roupas estas que não
agradavam aos jurados fancy.
No fim da
adolescência, ela foi viver com o marido Jeff (Sebastian Stan), o que significou
apenas uma nova mão para lhe bater. Esse casamento foi o maior erro da vida
dela e custou a sua carreira.
Isso porque, após o
quarto lugar nas Olimpíadas de Inverno de Albertville, na França, em 1992,
Tonya ganhou a sua segunda chance graças à decisão do COI de mudar a data das
Olimpíadas de Inverno para não coincidir com os Jogos de Verão. Ou seja, a
próxima edição seria em 1994, em Lillehammer, na Noruega.
Tonya treinou feito
um Rocky Balboa para entrar no time olímpico americano. Mas o seu marido e o
seu guarda-costas Shawn (Paul Walter Hauser) acharam que podiam dar uma
forcinha. Então, contrataram um cara para acabar com o joelho da grande rival
de Tonya, Nancy Kerrigan (Caitlin Carver), a queridinha e princesinha dos
americanos.
Por causa disso,
Tonya quase perdeu a vaga na equipe americana. Aliás, o filme dá a entender que
a atleta só foi mantida porque a CBS, que tinha os direitos de transmissão dos
Jogos, estava de olho na alta audiência que obteria com a rivalidade
Tonya-Nancy no ringue. Ah, o esporte. Por que eu não fico surpreso?
Tonya sempre negou
que soubesse dos planos do guarda-costas toupeira (meu deus, ele realmente é um
idiota que vive no mundo da lua) e do marido, mas no fim foi quem pagou o preço
mais alto. Divino e terrestre. Afinal, ter problema no equipamento no momento
da sua apresentação olímpica é coisa quase impossível e só causada pelos deuses
do esporte. E na Terra porque foi quem pagou o preço mais alto ao ser banida da
patinação.
No fim, ficou a
sensação de que se fosse menos cabeça quente e tivesse uma família mais
estruturada, Tonya Harding poderia ter ido bem mais longe na esporte. Suas
glórias se resumem ao triple axel e uma prata no mundial de Munique, em 1991. E
sua biografia acabou sendo manchada eternamente por esse episódio.
Nancy, por sua vez,
conquistou duas medalhas olímpicas (uma prata justamente em Lillihammer após o
ataque ao seu joelho), tem uma família fofa com dois filhos ginastas e diz que
nunca recebeu um pedido de desculpas de Tonya. Ela diz que não viu o filme e
não pretende ver. E afirma que a vítima disso tudo foi ela. Hoje, a
ex-patinadora participa da “Dança dos Famosos” nos EUA.
Nancy tem suas
razões. “Eu, Tonya”, de certa forma, pinta Tonya Harding como uma vítima. Do
sistema, da mãe e do marido abusivos, da Justiça e do Comitê Olímpico. Por mais
que também a mostre como uma figura irascível. Porém, não deixa de ser um belo
filme feito com jeitão de documentário com seus depoimentos fakes dos
personagens. Tudo para contar uma história para lá de surreal. Ainda não
consigo acreditar no quão idiota era aquele guarda-costas.
Cotação da Corneta:
nota 8.
Indicações ao careca dourado: melhor atriz (Margot Robbie), atriz
coadjuvante (Allison Janney) e edição.
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