Eu tô voltando pra casa outra vez |
O Oscar de melhor filme é como os "Jogos Vorazes". Se na
trilogia do cinema cada distrito manda o seu candidato para representá-lo na
Copa do Mundo de UFC com armas, o mesmo acontece com a principal categoria do
careca dourado. A diferença é que nem todos os gêneros são contemplados como
são todos os distritos da série de Katniss Everdeen. Mas até que ficou mais
fácil agora que são oito, nove ou dez candidatos. É por isso que todo ano temos
o filme cabeça ("A chegada"), temos o filme com jeitão indie/orçamento
barato ("Manchester à beira-mar"), temos o filme "Sessão da
Tarde ("Estrelas além do tempo"), temos eventualmente a
cinebiografia, o drama pesado, o filme de guerra ("Até o último
homem"), o filme fofinho, o musical ("La La Land"), o faroeste
("A qualquer custo"), e por aí vai. São muitos distritos/gêneros que
vão se digladiando por um lugar na grande final que acontece anualmente em La
La Land. Nem todos chegam na decisão.
Entre
todos os gêneros está o chamado "filme para chorar". E essa categoria
conseguiu emplacar um representante neste ano. Trata-se de "Lion - uma
jornada para casa".
É
preciso ter um coração de pedra, é preciso ser uma Cersei Lannister para não se
emocionar com essa história. A Corneta mesmo fez um esforço enorme, mas foi
inevitável escorrer uma lagriminha do canto direito do olho esquerdo. Tudo
culpa do efeito família + drama + imagens idílicas + pianinho meloso na trilha
sonora.
Ainda
bem que jamais nos deixamos tomar pela emoção na hora de fazer a avaliação
criteriosa. Logo, vamos falar aqui algumas VERDADES. "Lion" é um
filmezinho meia-boca com um protagonista que não me convenceu nem por dois
segundos com seu sofrimento e caras de quem está padecendo de dor de barriga e
precisando desesperadamente de um Imosec.
Resumindo,
"Lion" conta a história real do jovem Saroo (o garotinho Sunny Pawar
na infância, o Jacob Tremblay com IDH mais baixo, e Dev Patel na idade adulta).
Ele se perde do irmão quando ambos saiam para trabalhar em algum lugar da
Índia, nunca mais encontra a família e acaba adotado por um casal boa praça e
com muitos recursos financeiros.
O
trabalho de Garth Davis é dividido em duas partes. A primeira conta a infância
de Saroo na Índia. Tem aquela miséria que nos acostumamos a ver toda vez que
Hollywood retrata a Índia. Aquelas famílias enormes, a religião, o colorido, a
bagunça generalizada, a falta de higiene, enfim, todos os clichês que
conhecemos do país. Até que um dia Saroo enche o saco do irmão para ir
trabalhar com ele. Chegando lá, porém, o garoto só quer saber de dormir.
A
gente sabe que criança é curiosa e não gosta de ficar parada. Ou seja, para
Saroo ir dormir num trem qualquer e parar do outro lado da Índia não custava.
Não só não custava, como foi o que aconteceu. O menino foi parar em Calcutá
onde nem falava o bengali, o idioma local. O negócio dele era hindi. Não tentem
entender, isso é a Índia. Só indo lá para saber como realmente as coisas são.
Eu adoraria conhecer.
A
partir daí Saroo começa a correr feito Forrest Gump para escapar de todos os
problemas enfrentados por crianças indianas. De mercadores de escravos a
pessoas que procuram jovenzinhos pelas ruas para vendê-los. Afinal, ninguém vai
te oferecer uma Fanta laranja assim de graça. É o que o menino logo vai
perceber.
Até
que um dia a vida sorri para Saroo e ele é adotado pela Nicole Kidman (na
verdade, o nome da mulher é Sue). Vai viver na Austrália, mais especificamente
na Tasmânia (infelizmente não vemos uma única vez o Diabo da Tasmânia dos
desenhos da Warner), e crescer numa vida feliz e velejando para esquecer dos
problemas como se fosse um Christian Grey sem quarto vermelho.
Mas
o tempo passa, o tempo voa e a CRISE DOS 30 bate à porta ferozmente como um
leão (tum dum tsss) na cabeça de Saroo. Ele está perdido. Vejam bem, ele está
perdido e sentindo-se um náufrago no mundo mesmo tendo uma vida nababesca, uma
boa educação, um bom emprego e namorando a Lisbeth Salander. Quer dizer, a Lucy
(Rooney Mara).
Na
primeira parte, o menino Sunny faz jus ao nome e deixa a sua tela ensolarada
(hoje eu estou impossível nos trocadilhos ridiculamente infames). Realmente, o
garoto merece os elogios que vem recebendo e consegue conduzir a situação até o
momento em que você fica um pouco de saco cheio e pensando se o filme não vai
parar em outro lugar ou vai ficar repetindo situações ad eternum. Cansa um
pouco. Ok, já entendemos que ele está na merda.
Até
que vem a segunda parte. E aí, amigo, vemos o Dev Patel parecendo aquela hiena
depois que finalmente come a iguaria que o irmão Guddu o prometera lá na
infância pobre na Índia. Oh céus, oh vida, oh azar. Quem sou eu? De onde eu
vim? Para onde eu vou?
No
passado, você mergulharia na religião para responder a estas perguntas. Mas
estamos no século XXI. Apesar do esforço do Papa Francisco em fazer a Igreja
voltar a ser pop, a tecnologia chegou para ficar. E quem responde todas as suas
questões é o Google. No caso de Saroo é o Google Earth.
É
aqui que o filme deixa de contar a história para fazer o merchandising. Sim,
ele realmente é incrível, mas se eu ganhasse 100 euros por cada segundo que o
Google aparece eu conseguiria passar o fim de semana na Austrália. Mas eu te
amo, tá Google? Não vivo sem você. De verdade. Inclusive, você foi usado em
pesquisas para a construção desse texto.
Bom,
depois de tanto procurar, Saroo encontra a agulha que tanto desejava no
palheiro da Índia. Aí, você tem umas cenas realmente muito bonitas dele
redescobrindo a comunidade que morava, refazendo os caminhos da infância (tudo
com aquele pianinho meloso). E é isso né? Só faltou mesmo tocarem: Gosto muito
de te ver, leãozinho/caminhando sob o sol/Gosto muito de você, leãozinho.
É
claro que a história de Saroo é emocionante. A Corneta não quer desmerecer a
busca dele pela família biológica e por resolver seus conflitos internos.
Porém, o filme que saiu dali é profundamente irregular. Uma primeira parte de
regular para boa e bem interessante e uma segunda parte um tanto ASSÉPTICA e de
regular para fraca. Também é difícil entender por que Dev Patel e Nicole Kidman
ganharam indicações ao careca dourado de ator e atriz coadjuvantes,
respectivamente. Tudo normal, gente. Vemos o que está na tela em qualquer
"Malhação".
Diante
disso, a Corneta não se deixará esmorecer por lágrimas derramadas na sala. Sim,
teve gente perto de mim fungando o nariz. "Lion" receberá uma nota 6.
Indicações ao careca
dourado: melhor filme, ator coadjuvante (Dev Patel), atriz coadjuvante (Nicole
Kidman), roteiro adaptado, fotografia e trilha sonora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário