terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Um filmaço

A vida é dura no Texas, brother
A Corneta andava meio desanimada, MACAMBÚZIA, EMBEZERRADA, com os indicados ao careca dourado de melhor filme deste ano.  Afinal, dos cinco filmes já vistos, só um, "A chegada", ela considerava realmente excepcional. Até que o sexto filme riscado da lista veio arrasando quarteirões e conquistando corações como um refrão de um sertanejo universitário diante das massas. Precisamos, portanto, falar sobre o quanto "A qualquer custo" é simplesmente maravilhoso. 

Do mesmo roteirista do ótimo "Sicário" (2015), Taylor Sheridan, "A  qualquer custo" conta a história de dois irmãos que bolam um plano engenhoso para salvar o rancho da família das dívidas. O objetivo de Toby Howard (Chris Pine, o Capitão Kirk em versão barba por fazer e olhar perdido) e Tanner Howard (Ben Foster sem as magias do Medivh, de "Warcraft") é assaltar diferentes agências de um mesmo banco do Texas para arrecadar o dinheiro necessário para pagar as dívidas.

Os dois, porém, não evoluem com tranquilidade como uma escola de samba nota 10 na avenida. Eles são implacavelmente perseguidos pela dupla de policiais formada por Marcus Hamilton (Jeff Bridges) e Gil Birmingham (Alberto Parker).

Enquanto a história se desenvolve, o filme faz uma reflexão sobre a morte de um jeito de viver típico de pequenas cidades daquele estado americano. O que se vê são praticamente cidades-fantasma, muito desemprego, estabelecimentos fechados e ofertas de dinheiro fácil no famoso esquema de agiotagem em um cenário melancólico filmado por David Mackenzie, diretor que conseguiu traduzir em imagens toda a angústia e a desoladora realidade local. 

"Estamos no século XXI e eu ainda tenho que correr de incêndios com o gado. É por isso que meus filhos não farão isso para viver", diz um personagem diante do ranger Marcus, que sabe que tanto este cowboy quanto outros tantos moradores daquela região estão por conta própria. O Estado não vai ajudá-los. Ninguém vai ajudá-los. Isso vale tanto para os criadores de gado, quanto para a população que resolve seus problemas de forma direta e cada um com a sua própria arma no coldre. E ali que a cultura americana da arma é ainda mais presente. 

Marcus, aliás, é uma figura deplorável. Ele humilha e esculacha o parceiro meio índio, meio mexicano, expondo todo o preconceito arraigado naquela região. Um lugar em que Donald Trump não teria dificuldades para construir o muro que quisesse. O policial trata o parceiro como inferior, mas também tem um respeito por ele, que, por vezes, devolve as provocações na mesma moeda, mostrando que não tolerará qualquer agressão gratuita. Os diálogos entre os dois são brilhantes, assim como o roteiro do filme, merecidamente indicado ao Oscar. 

Marcus está se aposentando. Birmingham ainda tem um resto de carreira pela frente. A dupla de policiais é uma metáfora para o que o filme exibe na tela. Os velhos conceitos estão saindo de cena (ou precisam sair de cena). Os novos estão chegando, e eles não são necessariamente caucasianos. Mas essa travessia nunca é fácil. 

É justamente o policial índio-mexicano que vai expor a decadência da região num dos embates com Marcus. É quando ele diz que há 150 anos todas aquelas terras eram dos ancestrais dele, mas os brancos tiraram tudo, massacraram os indígenas e a cultura deles. Agora, Birmingham assiste aos brancos perderem tudo o que conquistaram para os bancos. Os mesmos bancos que Toby e Tanner estão assaltando agora. O filme, portanto, não deixa de ter uma visão de que uma certa justiça está sendo feita pelos irmãos assaltantes. Por mais que a lei precise ser cumprida e eles precisem ser capturados ou mortos. 

"A qualquer custo" é uma espécie de faroeste sobre a crise econômica. É uma reflexão sobre o fim de um estilo de viver, que está sendo substituído por algo que não se sabe muito bem o que é, mas vem corroendo empregos e fazendo as pessoas deixarem suas casas. E tem um Jeff Bridges inspirado e que merecia subverter as regras e levar o Oscar de ator principal, pois estão faltando concorrentes à altura dele no quinteto da estatueta de ator. Mas ele está na disputa de ator coadjuvante e com bons concorrentes. Michael Shannon, de "Animais Noturnos", por exemplo. 

A Corneta se rendeu ao trabalho da dupla Mackenzie-Sheridan e "A qualquer custo" ganhará uma nota 9.

Indicações ao careca dourado: melhor filme, ator coadjuvante (Jeff Bridges), roteiro (Taylor Sheridan) e edição.

Nenhum comentário: