Reprodução da internet |
Antônio nunca gostou de matemática. Detestava lidar
com números, fazer cálculos. Não tinha cabeça para equações. Quando a escola
começou a misturar letras com números então, que tristeza.
Um dia Bianca Tavares resolveu por conta própria dar
aulas de reforço para aquele seu aluno que tinha tantas dificuldades. Duas
vezes por semana, Bianca Tavares, a doce professora do segundo grau amada por
oito entre dez alunos (talvez ela pudesse dizer que tinha 80% de aprovação se
não fosse tão modesta) saia mais tarde da escola junto com Antônio depois de
uma hora e meia, ou 90 minutos, de aula de reforço.
Com muito esforço, Antônio conseguiu sair do nível
de sofrível para passar de ano. Bianca Tavares ficou feliz. Até raiz cúbica e
cálculos percentuais ele conseguia fazer. Mas matemática nunca seria o seu
forte.
Antônio não sabe porque se lembrou da antiga
professora naquela manhã chuvosa em que se olhava no espelho enquanto fazia a
barba. Talvez seja porque a vida humana seja regida pelos números e só agora
ele tenha percebido isso.
Todo dia acordava às 8h, tomava banho por 12
minutos. Dava quatro baforadas de desodorante nos sovacos. Duas no esquerdo,
duas no direito. Era 50% para cada um. Engolia o café em 4,5 minutos. Escovava
os dentes em 2,3 minutos. Sua dentista sempre reclamava da pressa em escovar os
dentes.
Com o salário que ganhava mensalmente e descontado
o aluguel de R$ 1.500 que pagava, Antônio tinha o equivalente a R$ 183,33 por
dia para viver e pagar as demais contas. Mas se o mês fosse de 31 dias, ele teria que apertar um pouco
mais.
Antônio subitamente passou a ver números em tudo.
Parecia o Neo no fim de "Matrix". Pegava o ônibus às 9h08.
Calculava que com um pouco de trânsito chegava no trabalho em 40 minutos. Mas
cálculos não eram o seu forte.
No trabalho, Antônio era o 2742. Duas dezenas
aleatórias na sua vida. Profissional dedicado. Alguns chamariam de brilhante.
Ele agradecia os elogios, mas não se achava um cara com tamanho índice de
aprovação. Sentava ao lado do 3218, que o explicava o quanto os computadores
que todos usavam eram fascinantes com seus códigos binários e equações que
Antônio, ou melhor, 2742, jamais teria capacidade de resolver.
Ambos tinham optado por carreiras que não envolvessem muito a matemática, mas 2742 ficava impressionado em como 3218 tinha facilidade com os números. Se Bianca Tavares conhecesse o colega de trabalho, ficaria encantada.
Ambos tinham optado por carreiras que não envolvessem muito a matemática, mas 2742 ficava impressionado em como 3218 tinha facilidade com os números. Se Bianca Tavares conhecesse o colega de trabalho, ficaria encantada.
Antônio sabe desde cedo que os números podem ser
bem estressantes. E opressores. No trabalho, tem prazos para entregar
relatórios, lida com grandes volumes de papel, tem horários rígidos para
cumprir tarefas. Tudo girava em torno dos malditos números.
Lidava com índices que pareciam equações de Einstein. E fazia tudo diante do ponteiro do relógio que teimava em andar numa velocidade
acima do normal. Não poderia já ter passado 60 segundos. Não poderia já ter
passado 60 minutos. Nunca pensou que tivesse que lidar com tantos cálculos
quando fugiu da matemática no vestibular.
Os números fazem parte da vida humana. De cálculos
simples a equações complexas. Não se dá um passo sem ser assombrado por eles.
De conversas banais sobre o tempo ao papo sobre a conjuntura econômica, eles
estão lá para tudo justificarem.
Naquela tarde, 2742 foi chamado para uma conversa.
Foi apresentado a números que não compreendia, cálculos estranhos. Naquele
momento sentiu falta de Bianca Tavares. Ou mesmo de 3218. Mas ao fim entendeu o
recado.
Não sem uma ponta de tristeza desligou o seu
computador pela última vez. Pelos seus cálculos seria a 5674ª vez. Mas era bom
não confiar nos seus números. O 2742 não existia mais. Mas ainda restava o
Antônio.
Antônio era um número. Virou estatística. Mas nunca
gostou de matemática. Tudo o que não queria naquela tarde era procurar quando
ou como se transformaria em outra equação. A vida humana podia ser gerida pela
frieza dos números, mas o que ele faria naquele momento era tomar algumas
garrafas de cerveja bem geladas com os amigos. Tudo sem cálculos que o
limitassem. E sem pensar no amanhã.
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