Contemplando em 3D |
Jean-Luc
Godard tem 84 anos e é um dos expoentes da Nouvelle Vague francesa. Poderia
versar mais sobre o cineasta, mas isso aqui é internet e você pode saber mais
sobre Godard aqui neste link e sobre a Nouvelle Vague aqui neste outro link
(Deus salve a Wikipedia). O que a corneta tem de novo para contar para vocês é
que o diretor franco-suíço fez um filme em 3D (isso mesmo, em 3D igual qualquer
"Avatar" da vida). E que esse 3D vale mais a pena do que o 3D de
qualquer blockbuster que você tenha visto até agora. #foimalhollywood.
Sei
que você está tendo um curto-circuito na cabeça. Como assim? Godard em 3D? Se
eu disser que eu vi o filme num cinema daqueles que só passam blockbusters,
animações e filmes pop em geral, totalmente fora, portanto, do circuito do
chamado "cinema de arte" ai é que vocês vão pirar mesmo. Foi o que
aconteceu, amigos.
Mas
fiquem calmos fãs radicais da Nouvelle Vague. Godard não "se vendeu ao
sistema". Seus filmes continuam difíceis e exigindo um esforço mental um
pouco maior do Tico e Teco que temos na cabeça.
Os
filmes de Godard também continuam sendo ecologicamente corretos
(#greenpeacecurtiu). Roteiros de cinco páginas, no máximo, para economizar
papel. Deve ser desesperador (mas também desafiador) receber das mãos do
cineasta aquele maço de papéis escrito coisas assim:
Cena
1: Homem e mulher se olham na cozinha e falam sobre o dia. Improvisem.
Cena
2: Barulho do mar. Citar frases de Sartre, Proust e Rilke.
Cena
3: Casal se olha e reflete sobre a morte. Improvisem.
Cena
4: Imagens da floresta. Estoura as cores tudo. Barulhinho de chuva.
Cena
5: Cachorro passeia pelo mato. O cachorro improvisa.
E
pela entrevista que os atores deram ao GLOBO, parece que rola um delicioso
incômodo mesmo em trabalhar com Godard.
-
Ele não apresentou de maneira nenhuma (o projeto). Não nos deu um roteiro. O
filme estava praticamente todo montado por meio de fotos e quase sem nenhum
texto - disse Kamel Abdeli.
"Adeus
à linguagem" é um ensaio sobre a.... linguagem. É Godard pegando aquela
frase (infeliz, eu diria) de Saramago de que o Twitter nos aproxima do
grunhido, ampliando e refletindo sobre este ato de se comunicar com palavras
articuladas que está na essência do ser humano. É o que nos diferencia dos
animais junto com o telencéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor
#ilhadasfloreseterno. Mentira, eu não sei se é isso. E em nenhum momento ele
cita Saramago. Mas é um filme do Godard. Você pode interpretar do jeito que
você quiser, bancar o cara CULT na mesa do bar e ainda impressionar as gatinhas
com isso.
No
centro da história há um casal. Um casal que pela intimidade sem rodeios e
muitas flatulências (#tecuidaPorky's) está junto há algum tempo. Mas eles
parecem estar no piloto automático, pois não se comunicam direito, não prestam
atenção um no outro, conversam trivialidades e transam.
Para
tentar se reconectar o que eles fazem? Não, eles não têm um filho. Ainda que
cogitem isso. Eles pegam um cachorro na rua. O vira-lata, portanto, terá o
papel de ser o ponto de ligação entre essas duas pessoas. O cachorro de certa
forma comunica e tenta unir os dois numa jogada que os defensores dos animais
vão curtir.
Tudo
gira em torno da linguagem neste trabalho do diretor. E até os momentos em que
não há legendas a pedido do próprio Godard são para criar um estranhamento, um
impacto de diferentes percepções em diferentes países e esferas de
conhecimento.
Me
pareceu algo interessante de vivenciar. Assim como a experiência sensorial, que
é fundamental no filme. Por isso há o impacto sonoro alternado com momentos de
silêncio. Há a explosão de cores e o preto e branco. E, com o 3D, há o embaçado
e a tela dupla (há momentos em que você fecha um olho e vê uma cena e quando
fecha o outro vê outra cena. É maravilhoso).
O
estilo de Godard sempre foi peculiar. Seus filmes nunca tiveram uma linearidade
e a impressão que fica é que foram ficando ainda mais ABSTRATOS com o passar
dos anos. Mas é muito cool você dizer que adora todos eles. E, principalmente,
os entende. Se no seu primeiro filme, "Acossado" (1960) você ainda
consegue identificar uma história acontecendo, "Carmen de Godard"
(1983) já se apresentava um pouco mais, digamos, complicado, 23 anos depois. E
chegamos ao máximo da abstração em "Elogio ao amor" (2001) e
"Film Socialism" (2010), quando cores, sons e imagens são
intercalados com frases filosóficas e conceitos disparados na tela. Cabe ao
espectador o desafio de juntar tudo isso e construir a história na cabeça. É
tipo o Godard dizendo: "se vira ai, parceiro".
No
caso de "Adeus à linguagem", algumas coisas ficam bem claras. Você
entende o recado que ele está passando quando mostra uma pessoa folheando um
livro enquanto outros dois digitam freneticamente nos seus smartphones e trocam
impressões passando um telefone para o outro. São diferentes experiências de
linguagem. Se uma é melhor do que outra (e precisa ser?) ou mais importante do
que a outra, cabe ao espectador julgar. É difícil para mim entender se o
diretor estava julgando algo ali, mas tendo a achar que é uma crítica.
Da
mesma forma que mostrar um homem indiferente a uma ação tensa acontecendo ao
seu lado, é outro recado. Para não falar na trama do casal que pouco se
conecta, ainda que tenha muita intimidade e está sempre peladão na maison.
Enfim,
"Adeus à linguagem" é uma grande viagem de Godard. Certamente não é
um filme para todos os gostos e se eu não fosse muito fã do diretor e de obras
que parecem quebra-cabeças de mil peças ficaria bem distante do cinema. Como
não é o caso e Godard esta facilmente no meu top-20 de melhores diretores (um
dia eu revelo esse ranking), a Corneta (ou seria Clairon?) curtiu demais a
experiência. Por isso, o filme vai ganhar uma nota 9.
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