Pintar é preciso. Viver não é preciso |
Muitos
filmes alemães refletem sobre o período entre guerras. Mais especificamente
sobre a segunda guerra e o domínio nazista. Florian Henckel Von Donnersmarck
parece gostar de refletir sobre o quanto a realidade deste período influência o
trabalho de um artista. Pelo menos é o que mostra seus dois filmes alemães. Se
“A vida dos outros” (Das Leben der anderen, 2006), era sobre um autor de teatro
perseguido e que soube driblar a censura e vigília da Stasi, a polícia da
antiga Alemanha Oriental, seu mais novo filme, “Nunca deixes de olhar” (Werke ohne autor, no original), é um
pouco sobre um artista em busca da sua própria identidade em meio a uma vida e a própria Alemanha fragmentária.
“Nunca
deixes de olhar” é um filme brutalmente lindo. Conta a história do jovem Kurt Barnert (Tom Schilling),
que desde pequeno demonstra um grande talento para pintar, mas cresce com
dificuldades numa Alemanha prestes a entrar na Segunda Guerra Mundial.
Estávamos
em 1937, Adolf Hitler era um líder assustadoramente idolatrado pelas massas
enquanto por trás dos panos o governo nazista conduzia uma política terrível de
purificação da população. Qualquer pessoa que mostrasse algum problema físico
ou mental era eliminada. A ordem aos médicos era expressa: a vaga nos hospitais
era apenas para os arianos puros que possam transformar a Alemanha numa raça
perfeita.
É por
causa disso que Kurt se vê diante da sua primeira tragédia: a perda da tia, grande incentivadora do seu talento e de espírito puramente
artístico, mas que supostamente sofria de esquizofrenia.
E a
partir desse momento que as histórias das famílias de Kurt e do professor Carl Seeband (Sebastian Koch) começam a se cruzar. Seeband é um ginecologista famoso que dirige
a clínica de Dresden onde sua tia foi assassinada. Mais à frente, Kurt acabará
entrando para a família do professor a partir do namoro com Ellie (Paula Beer), jovem
estudante de moda da Academia de Artes de Dresden.
Cada um
deles encontra uma forma de sobreviver a mudança do regime ditatorial. Do
nazismo para o socialismo soviético, o professor conta com a sorte para
garantir a proteção de um general e a retomada da sua vida de bonança ao mesmo
tempo em que apaga o seu passado nazista. Kurt, por sua vez, trabalha duro. Os
primeiros passos da sua arte são escrevendo letras em uma fábrica de placas.
Daí, ele ganha incentivo para a escola de Belas Artes e vai galgando trabalhos
graças ao seu talento.
Kurt,
porém, nunca se mostra satisfeito. Von Donnersmarck faz questão de mostrar que
não importa o regime. Quando a arte não é livre, ela não é genuína. Se os
nazistas faziam questão de ridicularizar a arte moderna, os Kandinskys e tudo o
que apresentava uma postura crítica, os soviéticos faziam questão de negar os
artistas que não pensavam no comunismo e no bem do proletariado. Picasso era o
maior exemplo do que não se seguir.
E no meio
disso, Kurt parecia cada vez mais insatisfeito com seus murais exibindo a
glória do trabalhador de foice e martelo. Tudo era falso, tudo era irreal, tudo
era sem identidade. Era preciso mudar para buscar a verdade. A verdade que ele tanto persegue com afinco no filme.
Assim,
Kurt e a namorada vão em busca de um mundo todo novo no lado ocidental antes da construção do Muro de Berlim. Buscar
a verdade acaba sendo a senha para Kurt se mudar e refletir sobre a pureza das
imagens a partir de fotografias antigas. Mas até lá, há um longo processo de
aprendizado, desconstrução, destruição, recriação.
Entre os
méritos do filme de Von Donnersmarck é o de mostrar essa jornada dolorosa que é
a da criação. E de como o meio, o ambiente e a bagagem de vida do artista pesam
demais sob a sua obra.
É curioso
que o diretor tenha optado também por fugir do caminho fácil da revelação
hollywoodiana. Apenas nós enquanto espectadores e, no fim, Seeband,
sabemos da conexão de dor e mortes que liga o professor a Kurt. O personagem
principal nunca sabe disso, mas a sua obra acaba por se revelar, por
coincidência, de uma enorme força a partir destes eventos. Talvez a arte tenha
um aspecto divino que nunca conheceremos de criar conexões inimagináveis.
“Nunca
deixes de olhar” é uma saga muito bela e com merecidas duas indicações ao
Oscar. É um filme que merece ser apreciado pela força dessa jornada de Kurt e
pelas transformações que a arte provoca.
Indicações
ao Oscar: fotografia e filme estrangeiro.
Cotação da Corneta:
Nota 8
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