sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Quando a arte esbarra no diletantismo

A professora e o pequeno gênio
Muitas definições já foram escritas sobre a arte. Em geral, o fazer artístico divide-se entre os que advogam por um talento natural as margens de um dom divino e os que afirmam a necessidade do suor para lapidar o talento. “A professora do jardim de infância” ("The kindergarten teacher", no original) é uma história de frustração e de uma luta constante contra o sentimento de vazio e de inoperância por não ser nada daquilo que se almejava. E o que todo aspirante a arte mais almeja é o reconhecimento de seu talento e obra. 

Lisa Spinelli (Maggie Gyllenhall) não tem ambos. Seus poemas são medíocres como a vida que ela acha levar. Ela é uma professora de jardim de infância com uma família tipicamente burguesa que leva uma vida que, para ela, é sufocantemente simples. Lisa é muito boa como professora e mãe, mas a frustração do seu olhar a cada rabisco torto no caderno prova que ela não está satisfeita com a vida que leva. 

As aulas de um curso noturno de poesia servem para remexer a artista dentro dela e, quem sabe, despertar de vez a sua veia natural. Quão frustrante é para ela compreender a constatação de seu professor, Simon (Gael Garcia Bernal), de que há um abismo entre o artista e o diletante, o apreciador da arte. 

Lisa é a diletante. Artista é o seu jovem aluno, de seis ou sete anos. Jimmy Roy (Parker Sevak) parece um “Paterson” (2016) antes de se tornar adulto. Tem um talento natural para fazer poesias com a profundidade que uma criança raramente alcançaria. E quão incrível é a atuação do jovem Parker, que declama os textos profundos com inocência e olhar infantil. 

Jimmy é um talento raro que Lisa quer lapidar, mostrar ao mundo. O problema é que ela coloca suas frustrações a serviço de Jimmy, ao invés de fazê-lo desenvolver-se naturalmente. Assim, canibaliza-o enquanto se perde em mentiras até o melancólico desfecho dessa professora que não pôde apenas incentivar de forma correta o seu aluno, pois queria projetar-se sobre ele e ver alguém da sua órbita ser grande e não medíocre como ela acha que ela e a sua família são. 

Boa parte da força de “A professora do Jardim de infância” está no trabalho de Maggie. É uma de suas melhores atuações. Ela transpõe por cada poro do seu corpo a frustração e o inconformismo de ser Lisa, a mera professora de crianças. O olhar vazio a cada poema rejeitado e visto como medíocre contrasta com o brilho dos seus olhos ao contemplar cada poema de Jimmy. A criança é o seu mundo. O problema é que nada do mundo dela lhe pertence. O que provoca uma espiral de dor e contrariedade quase insuportáveis para ela. 

“A professora do jardim de infância” é baseado num filme original israelense de 2014. Não tenho base para comparação, mas é possível dizer que o trabalho da diretora Sara Colangelo é uma agradável e incômoda experiência sobre a frustração de ser um diletante e nada além disso. Dói. Deve doer mais ainda aos que não convivem bem com isso.

Cotação da Corneta: nota 7,5.

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