quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Só a arte salva

Alemanha oriental, 1984. A Stasi, o serviço secreto da RDA, controla cada passo dos cidadãos a procura de “subversões” que os incriminem e os levem a confessar algo que não fizeram, mas que faz parte da paranóia de todo regime ditatorial seja ele de direita ou de esquerda.

Neste mundo cinzento e pesado marcado pela Guerra Fria, Georg Dreyman (Sebastian Koch) é um escritor simpático ao comunismo que realiza peças em concórdia com o regime vigente. Mesmo com uma postura chapa branca, ele desperta a atenção do capitão Gerd Wiesler (Ulrich Muhe), que decide investigá-lo pessoalmente sem que haja qualquer motivo aparente.

Funcionário do alto escalão da Stasi, Wiesler monta um intrincado esquema de vigília que envolve grampos telefônicos, funcionários perseguindo Dreyman e sua namorada, a bela e famosa atriz Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck), e descobertas que acabarão por mudar completamente os seus conceitos.

Essa é a trama central do espetacular “A vida dos outros”. Com um roteiro excelente do diretor Florian Henckel von Donnersmarck e ótimas atuações, o filme joga luz sobre um período obscuro da Alemanha pré-queda do Muro de Berlim, quando conceitos como liberdade simplesmente não existiam e o menor movimento poderia lhe render dias na prisão sob tortura para confessar o que jamais acontecera.

Contudo o maior mérito do filme está em saber casar com tamanha perfeição fatos históricos com a ficção que o fazem pensar sobre os horrores de um regime cruel, porém se deliciar com o lirismo do trabalho de uma classe artística que lutava para respirar num país que a esmagava.

Dreyman nunca estivera metido com críticas ao regime ou movimentos conspiratórios, apesar de seus amigos, em especial Hauser (Hans-Uwe Bauer) e Jerska (Volkmar Kleinert), este banido pelo regime, serem críticos veementes da Alemanha Oriental e freqüentarem a sua casa.

Neste ambiente e sem saber que estava sendo vigiado, Dreyman acaba sendo contaminado e diante da dor dos amigos e da descoberta de que seu grande amor, Christa-Maria, era obrigada a viver como amante do ministro Bruno Hempf (Thomas Thierne), um dos figurões do Partido Comunista, resolve denunciar o regime em uma matéria não assinada na Der Spiegel, conceituada revista na vizinha Alemanha Ocidental.

Mal sabia Dreyman que a esta altura, aquele que deveria ser o seu algoz já estava embevecido pela beleza de sua poesia, da liberdade de sua vida e pelo amor daquele jovem casal. Amor que ele nunca conseguirá atingir nem com a mais gorda e fétida prostituta. De inquisidor, Wiesler faz tudo para protegê-lo. Quer salvá-lo de algo que ele começou por um erro cometido por si mesmo, mas que teria que terminar por uma ordem de Hempf, enciumado com o fim dos encontros forçados com Christa-Maria.

Esta inversão de papéis é tão bem conduzida no roteiro de Donnersmarck que é impossível não se apaixonar pela nova veia libertária de Dreyman, bem como pela descoberta da arte de Wiesler e de uma vida encantadora, tão diferente da que ele vivia solitariamente em sua insípida residência.

Nunca se soube de um caso de um funcionário da Stasi que passou a proteger um investigado, mas esta licença poética de Donnersmarck é um dos pontos altos do filme e a atuação de Muhe, que aos 54 anos viria a falecer em julho do ano passado de um câncer no estômago, é de uma sensibilidade pouco vista no cinema. Um brilho intenso num elenco estelar. Não nos nomes contidos nos créditos, mas nas belíssimas atuações que testemunhamos. Por tudo isso, “A vida dos outros” é um filme imperdível e um dos melhores de 2007.

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