Eu comando a orquestra: chupa mundo |
Quando o trailer de "Steve Jobs"
foi divulgado no ano passado eu comentei que somente aqueles três minutos já
eram melhores do que o PAVOROSO (assim mesmo, em letras garrafais) "Jobs"
(2013). Aquele filme era tão ruim que merecia ser esquecido. Ele começou errado
já na escalação de Ashton Kutcher para viver o gênio da Apple, o cara que criou
32% das coisas legais que usamos no século XXI.
Pois vejam só. Após o lançamento de
"Steve Jobs", o novo filme sobre o maluco irascível que começou o seu
império numa garagem como grandes bandas de rock, deu uma função ao "Jobs".
Isso porque se você quer conhecer a história de Jobs de uma forma mais linear e
próxima do que realmente rolou na vida dele, ele vai te ajudar um
pouquinho.
Já no caso do maravilhoso trabalho da
dupla Danny Boyle-Aaron Sorkin, o papo é mais profundo e visceral. Diretor e
roteirista pegaram o fundador da Apple para fazer um filme-ensaio sobre a vida
deste sujeito genial e intragável. Um cidadão amado por quem não o conhecia e
duro de engolir pelos seus subordinados.
Jobs nunca foi um exemplo de bom
chefe. Por trás de todo o seu modo bem particular de pensar e sua teimosia
tinha um cara que só admitia a perfeição. E pessoas assim são insuportáveis.
Era um sujeito que seria capaz de vender a mãe por uma boa ideia. Um homem que
tinha a consciência que estava construindo o futuro e revolucionando toda essa
bagaça.
Para fazer isso, Sorkin abusou da
licença poética. Ele já tinha feito algo semelhante em "A rede
social" (2010), filme que falava sobre a vida do fundador do Facebook,
Mark Zuckerberg. Nem tudo o que acontece no filme realmente aconteceu. Mas é
daí? Se o próprio Jobs pregava que era preciso vender uma imagem que gerasse um
desejo animalesco de consumo, por que o roteirista não poderia fazer com que o
seu filme fosse uma viagem reflexiva a partir de uma tentativa de entender a
cabeça de Steve?
"Steve Jobs" é um ensaio em
três atos. Em cada um deles, o personagem vivido muito bem por Michael
Fassbender contracena basicamente com cinco personagens: sua diretora de
marketing e melhor amiga, Joanna Hoffman (Kate Winslet, merecidamente indicada
ao Oscar), Steve Wozniak (Seth Rogen), o amigo com quem ele criou o Macintosh e
começou a Apple, Andy Hertzfeld (Michael Stuhlbarg), o programador, John Sculley
(Jeff Daniels), o CEO da Apple com quem ele tem um diálogo avassalador no segundo
ato, e a filha Lisa (Makenzie Moss, Ripley Sobo e Perla Harney-Jardine nas
três fases), que ele demorou a reconhecer.
E tudo se passa em três
momentos-chave da carreira dele: o lançamento do Macintosh, o lançamento do
cubo NeXT, feito depois que ele foi expulso da Apple, e o seu retorno para
recuperar a empresa com o lançamento do revolucionário IMac.
Nestes três atos, Sorkin e Boyle fazem
um exercício de especular o que se passa na cabeça de Jobs, de tentar
entendê-lo e montar um quebra-cabeça que mostra o gênio e o monstro que ele
era. Como qualquer ensaio, eles levantam teses e deixam no ar para o espectador
refletir. Ele era teimoso demais? Não valorizava o trabalho em equipe?
Precisava humilhar as pessoas? Por que ele precisava ser tão difícil? Até onde
a personalidade controversa justifica a genialidade?
Ambos vendem a ideia de um Jobs que
se via como um semideus, acima do bem e do mal. O maestro da orquestra, o
técnico do time, o Romário dizendo na TV: eu vou ganhar a Copa. Mas que tanta
autossuficiência o prejudicava. Faltava-lhe humanidade para pedir perdão e
reconhecer a colaboração de quem o ajudou a chegar lá.
Você pode concordar ou não com as
ideias do filme. Pode chegar a outras conclusões. Pode detestar o filme. Mas é
impossível ficar indiferente a ele.
A corneta acha lamentável que o
roteiro de Sorkin, que venceu o Globo de Ouro, não tenha sido indicado ao
Oscar. Mais do que o excelente trabalho do diretor e dos atores, são os
diálogos escritos pelo roteirista que fazem o filme ser incrível. Uma bola fora
da turma do careca dourado. Vou até me arriscar que "Steve Jobs"
merecia concorrer a melhor filme.
Este texto, que foi todo escrito em
um IPhone (obrigado, Jobs!), se encerra com "Steve Jobs" recebendo a
merecida nota 8,5.
Indicações ao careca dourado: Melhor
ator (Michael Fassbender) e melhor atriz coadjuvante (Kate Winslet).
Nenhum comentário:
Postar um comentário