Desde “Me chame pelo seu nome” (2017) que Luca Guadagnino vem mostrando ser um dos diretores mais interessantes de se acompanhar a carreira. Seus trabalhos têm uma textura muito particular, uma alma e uma atmosfera singulares e uma força emocional que por vezes parece difícil de explicar por palavras.
Tudo isso se reflete em “Queer”, adaptação da obra do escritor William S. Burroughs, um dos expoentes da geração beat, movimento cultural surgido nos Estados Unidos do pós Segunda Guerra Mundial.
Adaptar o livro de Burroughs era um sonho de Guadagnino desde quando ele tinha 20 anos (o diretor hoje tem 53). E é curioso que ele venha justamente agora quase como um fechamento de um ciclo de sete anos. Enquanto em “Me chame pelo seu nome”, Guadagnino narrava o despertar do amor de um jovem gay por um homem mais velho, em “Queer”, o tema é a descoberta de um amor na maturidade, quase velhice.
Os beatniks eram conhecidos pela rejeição das narrativas até então convencionais, questionamento espiritual, retratos bastante explícitos das condições humanas, experiências com drogas psicodélicas e liberação sexual. Tudo isso é muito palpável em “Queer”.
Aqui, um homem de meia-idade vive solitariamente numa comunidade americana na Cidade do México até que a chegada de um homem mais jovem o desperta para a necessidade de estabelecer uma conexão com alguém.
O que se sucede é um jogo de gato e rato, avanços e retrocessos, muita insegurança alternado por lampejos de confiança e um constante clima de suspense na relação estabelecida entre Lee (Daniel Craig) e Eugene (Drew Starkey).
Juntos, mas com um certo distanciamento, eles vão vivendo toda a receita do manual beatnik até ao ápice de uma experiência psicodélica numa floresta do Equador, quando tudo muda em definitivo para ambos.
“Queer” é um filme muito bonito e que reafirma o talento de Daniel Craig. Nas suas mãos, Lee, que é um alter ego de Burroughs, é bruto, inseguro, obcecado, mas ansioso por esse amor que não é nunca 100% correspondido e extremamente fragilizado pelo álcool, as drogas, as experiências psicodélicas e a abstinência destas mesmas drogas. É uma personagem fascinante para Craig mostrar uma versatilidade que ele sempre teve, mas estava naturalmente mais limitada nos 15 anos em que ele viveu o famoso agente secreto James Bond.
Um personagem especial para Craig e um ano de 2024 especial para Guadagnino, diretor do excelente “Rivais” e do ótimo “Queer”. Uma pena que o Oscar tenha esnobado seus dois filmes. Ambos mereciam estar na briga por algumas estatuetas.
Nota 8/10.
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