sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

O silêncio, a angústia e a opressão em “Pequenas coisas como estas”

Embora seja uma das mais proeminentes escritoras irlandesas, ainda não tive a chance de ler nada da autora Claire Keegan. Contudo, a julgar pelos dois filmes baseados em sua obra, talvez eu devesse dar alguma atenção a esta escritora que já ganhou alguns prêmios e teve obras incluídas em listas de destaques de publicações importantes ao longo dos últimos anos. O cinema pelo menos já se apercebeu do potencial da sua literatura, visto que num intervalo de dois anos entre 2022 e 2024 duas obras suas foram adaptadas para as telas.

A julgar pelo que vi na tela grande — o que é muito pouco para fazer um julgamento mais acurado — , a negligência e a hipocrisia em meio a uma complexa e contraditória Irlanda giram em torno da sua literatura. E tudo sem grandes assombros. Apenas trabalhando o desconforto do silêncio. O silêncio que vem de traumas perturbadores ou que vem da necessidade de lidar com questões morais e suas consequências enquanto o próprio peso da vida está te esmagando. Pelo que li sobre a autora, os silêncios são muito importantes em sua obra e o cinema tem conseguido traduzir muito bem essa qualidade da prosa de Keegan.

Em “A menina silenciosa” (“An Caillín Ciúin”, no original, e baseado no conto “Foster”, ou “Acolher”, em português), de 2022, o diretor Colm Bairéad traduz muito bem isso ao contar a história de uma menina retraída que vai morar numa casa estranha e com um casal desconhecido em que, com o passar do tempo, ela vai descobrindo camadas de afeto que lhe eram desconhecidas e, paulatinamente, vai superando o medo e o desconforto. Afeto que ela nunca recebeu dos pais biológicos.

Em “Pequenas coisas como estas” (“Small Things Like These”, no original), o buraco é mais embaixo. Aqui temos uma pequena comunidade da Irlanda que vive refém do jugo moral, poderoso e até financeiramente opressor da Igreja. Nela, o carvoeiro Bill Furlong (Cillian Murphy), dono de uma pequena e bem-sucedida empresa, se vê num dilema moral depois que descobre os abusos que jovens meninas sofrem num convento da cidade.

Furlong, um pai de cinco meninas que teve que conviver com a ausência materna desde muito cedo, angustia-se com o que presencia em uma visita ao convento para levar o seu carvão para as freiras e passa os dias seguintes remoendo num dilema moral entre fazer a coisa certa e se prejudicar e, consequentemente, prejudicar toda a sua família que vive uma vida simples, mas boa na cidade, e fechar os olhos para os abusos da Igreja numa comunidade refém do poder desta mesma Igreja.

Furlong é homem bom, mas angustiado. Os silêncios do filme são angustiantes e nos ajudam a sentir o peso no peito do seu protagonista. E poucos atores conseguem aproveitar as longas pausas do filme para expor com o olhar, gestos e expressões este peso deste homem traumatizado e angustiado que vive um dilema como Murphy. Ele é, sem dúvida, um dos trunfos que fazem “Pequenas coisas como estas” ser um filme tão interessante. Não exatamente brilhante, mas interessante o suficiente para eu desejar revisitar em outro momento. Talvez depois de ler o livro e encará-lo com um novo olhar. Por enquanto, saio satisfeito de “Pequenas coisas como estas”.

Nota 7,5/10.

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