Se há algo de bom no filme são as batalhas |
Desde que a saga Star Wars foi
retomada em 1999, maiores foram os erros do que os acertos do universo. Com
ambições de finalizar uma jornada que começou lá atrás com o primeiro filme da
saga lançado em 1977 e então dirigido pelo criador da história George Lucas, “A
ascensão Skywalker” (Star Wars: Episode IX – The Rise of Skywalker, no
original) tem tantos erros básicos que a conclusão imaginada por J.J. Abrams
para esta saga que atravessou quatro décadas e gerações de fãs beira o
melancólico.
Em um ano em que vimos a conclusão
da “Saga do Infinito” da Marvel com o lançamento de “Vingadores: Ultimato” fica
ainda mais gritante a diferença quando comparamos dois dos universos mais
populares do cinema. É claro que o da Marvel foi desde o princípio pensado para
ser interconectado e ter uma coesão dentro do mundo em que se inserem aqueles persoagens.
Já Star Wars inicialmente era uma trilogia entre 1977 e 1983, ganhou outra entre
1999 e 2005 e uma terceira e definitiva trilogia que começou com o bom “O
despertar da força” (2015), continuou com o razoável “Os últimos Jedi” (2017) a
concluiu tristemente com “a Ascensão Skywalker” neste ano.
Mas mesmo quando analisados
isoladamente, o maior problema da atual trilogia cujo primeiro e terceiro filme
foram dirigidos por Abrams e o segundo por Rian Johnson é que os filmes não
dialogam entre si. Parece que cada um toma suas próprias liberdades, faz os
personagens viajarem de um lado para o outro sem qualquer fundamento básico e tem
suas motivações seguidas ao bel prazer de pinceladas mal ajambradas de um
roteiro ruim. Sim, porque o roteiro de “Ascensão Skywalker” é ruim, com
diálogos sofríveis que variam entre o infantil e o meramente
constrangedor.
(E ATENÇÃO AGORA PARA POTENCIAIS
SPOILERS)
O que Abrams pareceu tentar fazer neste
filme foi um grande fan service. Mas esqueceu do básico que faz um filme ser...
um filme. Ou seja, falta uma história com coesão, começo, meio e fim e um mínimo
de profundidade. Ninguém aqui está pedindo para J.J. Abrams fazer NouvelleVague
ou Neorrealismo italiano, mas um filme em que não pode se descuidar de duas
coisas fundamentais mesmo para um blockbuster hipercomercial: uma boa história
e o desenvolvimento dos personagens. E são duas coisas que agora, olhando em
perspectiva, a nova trilogia de Star Wars não tem.
Se analisarmos o enredo desta
trilogia, muita coisa não faz sentido. “O despertar da Força” tenta acompanhar
a jornada de uma ainda desconhecida Rey (Daisy Ridley), enquanto remanescentesdo
Império reorganizam-se como a Ordem Final e buscam meios de derrubar a
República Galáctica. Em “Os últimos Jedi”, as principais peças do tabuleiro se
separam, o Império ganha força e a resistência é praticamente dizimada. Até que
chegamos ao atual filme, em que Palpatine surge do nada e com uma saída fraquíssima
do roteiro para comandar o Império com dezenas de naves estrela da morte e quase
nada do que o Rian Johnson havia apontado no segundo filme vem a tona no
terceiro. Porque simplesmente as histórias não dialogam entre si.
Quando tentamos olhar para a
jornada dos personagens, também sobram problemas. É possível imaginar a nova
trilogia de Star Wars como um jogo de espelhos para com a trilogia original. Em
maior ou menor escala e retirando os andróides deste recorte, os personagens
que temos mais lembrança da trilogia original são Darth Vader (originalmente
interpretado por David Prowse), Luke Skywalker (Mark Hamill), Leia (Carrie
Fisher), Han Solo (Harrison Ford), mestre Yoda e Lando Calrissian (Billy Dee
Williams). Seus espelhos na formação de uma nova mitologia Star Wars, mas não
necessariamente com o mesmo tipo de história ou temperamento, são Keylo Ren
(Adam Driver), Rey, Poe Dameron (Osar Isaac), Finn (John Boyega), Maz Kanata
(Lupita Nyong´o) e Rose (Kelly Marie Tran).
Finn, Rey e Poe, ótimos personagens com histórias ruins |
Como dissemos, é claro que nem
todas as “cópias” são idênticas. Poe tem temperamento semelhante ao de Han
Solo, Maz Kanata não é exatamente uma guerreira Jedi, enquanto Finn e Rose não encontram
semelhantes na trilogia original. Mas a essência da ideia é essa. A de criar
novos mitos com personagens mais afeitos aos tempos em que vivemos e
principalmente e fundamentalmente mais representatividade. Daí termos um negro
como co-protagonista (Finn), uma mulher como heroína principal (Rey) e outra
mulher como uma exímia mecânica de naves (Rose).
Pois bem. E o que foi feito de
toda essa gama de 12 personagens? J.J. Abrams tinha tudo para encerrar bem a
geração de Luke, Leia e Han Solo e abrir um espaço enorme para a nova geração
de Finn, Rey e Poe. Ele não fez nem uma coisa nem outra.
O que vimos foi um grande jogo de
fantasmas que foram aparecendo ao longo do filme. Todos eles estiveram lá. Teve
espaço até para o Yoda aparecer ao menos em voz. Mas qual a função que os
velhos pilares tem de fato no filme? Pouca ou nenhuma. Mesmo a Leia não faz
nenhum sentido no roteiro. E isso é facilmente entendido pelo fato de que as
cenas em que Carrie Fisher aparece no filme foram gravadas anteriormente ao seu
falecimento em 2016, mas não foram utilizadas nos filmes “O despertar da força”
e “Os últimos Jedi”. É por isso que elas são pessimamente colocadas e não
servem em nada à história.
E o que podemos dizer dos
personagens novos? Tiveram um desenvolvimento errático com roteiros mais rasos
que uma piscina para bebês.
Sim, porque tínhamos três ótimos e
promissores personagens para serem os pilares de uma nova era e com uma química
excelente. Finn, um stormtrooper que escapa das mãos do império. Poe, um
candidato a novo Han Solo, exímio piloto e extremamente arrogante e convencido,
e Rey, uma desconhecida que vivia num planeta distante, cuja origem
desconhecíamos, mas que detinha um poder diferente da Força. Para onde eles
foram depois de tudo isso? Que jornada tiveram? Que provações tiveram que
enfrentar? O desenvolvimento deles foi errático e pouco convincente.
Toda a mitologia de Star Wars (e
de muitos produtos do cinema) é baseada na jornada do herói. E nós temos três
aqui para acompanhar nesta saga. Pelo que eles passaram? Que desafios pessoais
enfrentaram para além de combater o Império? Finn foi um personagem esquecível
no segundo filme e no terceiro já surge como membro proeminente da resistência sem
muito se falar do que aconteceu com ele, das suas origens e da sua história.
Poe erra um arrogante no primeiro filme, mas exímio piloto com uma família
ligada à resistência, tentou aprender alguns passos com Leia, que o explicou a
importância de mais do que ser alguém qualificado era preciso ser um líder, e
no terceiro filme virou um mulherengo com um passado de contrabandista em uma
história muito mal inserida no roteiro.
E ainda tivemos Maz Kanata, uma
personagem promissora que foi subaproveitada na série, e Rose, que foi uma das
protagonistas de “Os últimos Jedi” e neste filme foi reduzida a três ou quatro
falas irrelevantes e muita correria.
E assim chegamos a Rey. A solução
dada para ela foi péssima. Ser neta do Palpatine quando nunca soubemos sequer da
existência de uma árvore genealógica básica do imperador parece uma tentativa
de dar um plot twist que se revelou muito ruim. Seria a versão destra trilogia
para o famoso “Luke, I am your father” de Darth Vader, porém simplesmente não
faz sentido. Era melhor que a Rey não tivesse parentesco com ninguém e fosse realmente
ninguém e meio que adotada pela família Skywalker. Afinal, a Força não é
genética. Qualquer um pode vir a tê-la e desenvolvê-la. Inclusíve essa era
uma ideia difundida em “Os últimos Jedi”.
Rey, porém, ainda tem um arco um
pouco mais trabalhado. Confuso, é verdade, mas com um pouco maiks de profundidade.
Afinal, entre os protagonistas ela é A protagonista da saga. Porém, sua vida se
resume a divagações e provações que testem a sua fé enquanto ela passa três
filmes em WhatsApp mental com Keylo Ren. Parece mais que ela está sendo
treinada para fundar uma igreja do que para ser uma guerreira Jedi. E enquanto
isso tem que resistir no deserto à tentação do lado negro da Força. E,
convenhamos, Rey e Keylo formando um casal é o que de pior poderia acontecer.
Mais importante de tudo é que os
três personagens não têm um desenvolvimento sólido que nos faça comprar as suas
histórias.
E o mesmo vale para Keylo Ren. O
personagem de Adam Driver nunca foi o vilão que deveria ter sido nesta
trilogia. Sua história é pueril, suas motivações não convencem e a sua
participação no último filme se resume a ótimas cenas de batalha e uma
indecisão ou mudanças de rumos tomadas a partir de pequenas coisas que o fazem
ser um personagem fraco.
Se tem algo que “A ascensão
Skywalker” tem são suas boas cenas de luta. Os efeitos especiais são ótimos, as
lutas são bem coreografadas, mas Abrams se esqueceu de que os efeitos especiais
precisam ficar a serviço da história e não o contrário. Esta é diferença entre
um bom filme e um filme medíocre quando analisamos um blockbuster. E Star Wars,
infelizmente, é um filme medíocre.
É uma pena que Abrams parece não
ter compreendido a melhor forma para fechar esta mitologia de Star Wars. Neste
ponto, e também olhando em perspectiva, Rian Johnson nos deu um caminho mais
interessante a trilhar com o seu filme do meio. Ao menos ali tinha um mínimo de
conceito. Com uma série de problemas, é claro. Mas havia uma história em que se
podia agarrar e seguir em frente. Abrams não soube aproveitar o que “Os últimos
Jedi” tinha de bom, não levou a saga para além de um confronto do bem contra o
mal em batalhas de naves espaciais e raios disparados e concluiu a história da
forma mais risível possível e com soluções fáceis.
Johnson, aliás, comandará a nova
trilogia de Star Wars que promete ser lançada nos próximos anos. Não sabemos,
porém, se Finn, Poe e Rey voltarão, mas ainda é possível aproveitar eles e
explorar melhor as suas histórias. Ainda mais em uma saga começando do zero e
sem os fantasmas do passado. É preciso, também, haver um vilão bom, o que nunca
houve nesta atual trilogia.
“A ascensão Skywalker”, portanto,
é decepcionante. Não é por acaso que Abrams anda sendo chamado de Jar Jar
Abrams, em referência ao odiado personagem Jar Jar Binks da segunda trilogia. O
diretor, de fato, deixou a desejar. Mas é claro que esta saga ainda tem muita
força. E fãs que sempre vão querer uma nova história.
Cotação da Corneta:
nota 3,5.
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