Que medo da Lupita |
Há
toda uma ascensão recente de filmes de terror que busca uma reflexão para além
dos sustos e truques que aterrorizam o espectador. Na essência, eles permanecem
classificados como horror, mas são bastante diferentes da fórmula tradicional
do gênero. É a partir daí que surgem filmes como “Hereditário” (2018) e “Um
lugar silencioso” (2018).
Jordan
Peele é responsável por dois bons trabalhos dentro do gênero. “Corra!” (2017) utilizava
do horror para tratar do racismo em uma abordagem que usava a ciência e a perda
da identidade a serviço de uma história perversa.
“Nós”
(“Us”, no original), seu mais recente filme, utiliza elementos semelhantes da
ciência a partir de uma pergunta: e se todos nós tivéssemos um duplo perverso
que saísse das sombras para tomar a força o nosso lugar? Um duplo que vivesse
nos subterrâneos a mesma vida em que vivemos, mas de uma forma terrível e
dolorosa, sem poder decidir o próprio destino. E se este duplo resolvesse se
rebelar? Sair das trevas para assumir um lugar em que ele vê ser também de
direito dele. É possível aceitar esse ato de vingança após toda uma vida de
dor?
É
a partir daí que a família de Adelaide Wilson (Lupita Nyong’o) vive o maior
pesadelo de sua vida. Quando o casal e seus dois filhos vão passar férias em
uma casa na praia, ela se vê diante de um pesadelo do passado. Foi ali, naquela
região, que Adelaide se perdeu dos seus pais e viveu uma experiência macabra
que a marcou definitivamente.
Não
é possível avançar muito na análise sem entrar em pormenores da história e,
portanto, revelar passagens importantes do filme. Mas podemos resumir que a
narrativa criada por Peele tem uma potência diferente a partir de pistas
simples jogadas na tela. A citacao à passagem bíblica do livro de Jeremias, que
trata da chegada inevitável da maldade para todas as pessoas, é o primeiro
sinal de alerta.
Mas
o quão aterrador é confrontar-se com o lado mais animalesco de si mesmo é uma
mensagem que permeia o filme. Os vilões, os monstros, somos nós mesmos. Sem os
freios da vida em sociedade. Peele faz com que nos confrontemos com nossos
piores pesadelos materializados. E poucas coisas são tão apavorantes quanto
isso.
Se
“Corra!” teve um final um pouco apressado e com alguns problemas, “Nós” acabou
sendo algo previsível, cujos acontecimentos caminhavam para aquele momento
desde, pelo menos, a metade do filme. Mas ainda assim, quão apavorante é este
final, e quantas reflexões nos trazem a partir dele.
“Nós”
é um passo além na filmografia de horror de Peele. É um filme com camadas que
vão se descortinando a cada momento e além. E dá medo. Mas é um medo que, para
além da violência, vem da reflexão filosófica e psicológica do que a história
nos mostra. Nesse ponto, Peele acertou em cheio.
Cotação
da Corneta: nota 7,5.
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