É dura a vida da aranha |
Até a semana passada eu nunca havia visto qualquer
trabalho do diretor Jon Watts. Ainda não dá para dizer se ele é bom ou ruim. Só
acho lamentável que ele me faça ser obrigado a baixar o Harold Bloom no corpo
para defender o cânone aracnídeo. Olha que papel a Corneta é obrigada a se prestar.
Bateu a a
bad da decepção quando me vi diante de "Homem-Aranha: de volta ao
lar". Porque os quadrinhos são sagrados. São sagrados para mim como
"Madame Bovary", "Os irmãos Karamazov" ou
"Hamlet". Logo, não podem ser assim mutilados com um desfile de erros
CRASSOS que estamos vendo neste momento nos cinemas do planeta.
O maior
problema do retorno do amigão da vizinhança para a Marvel no cinema (mas com a
Sony faturando do lado) é de abordagem. E não dá para aceitar o excesso de
liberdades tomadas diante de um filme que sequer é incrível. Se tivesse ficado
excelente, a Corneta até as aceitaria (torcendo a cara, mas aceitaria). Mas não
é o caso. Vamos ao jogo dos oito erros de "De volta ao lar":
1- Não dá
para aceitar o Homem de Ferro como uma figura paterna do Peter Parker. Não
convence ninguém em nenhum momento. Primeiro porque nunca aconteceu na obra de
arte materna, os quadrinhos. Segundo, porque um playboy ex-alcoólatra,
mulherengo e bilionário não tem moral e nem tempo para adotar um adolescente.
2- O
Homem-Aranha sempre foi um self-made man. Ele é super inteligente e cria a sua
própria teia (check), ele cria e costura o próprio traje... ops! Temos um grave
problema aí. Não dá para aceitar um traje supermoderno com um drone aranha, um
Jarvis feminino falando com você e variantes de teia porque as aranhas não têm
granadas de teias e nem teias elétricas! E tudo o que o Peter Parker cria é
inspirado nas... aranhas! Vejam só que coincidência.
3- E aqui
precisamos discutir a ONIPRESENÇA das indústrias Stark nos filmes da Marvel.
Tudo bem, nos quadrinhos ela é poderosa, mas nos filmes ela virou simplesmente
o McDonald's da tecnologia. Está em cada buraco e delimitando TODOS os padrões
de uniformes e engenhocas.
4- É
impossível aceitar a obsessão do Homem-Aranha em tornar-se um Vingador. Sua
participação nos Vingadores sempre foi discreta e ele sempre foi o herói da
vizinhança, o garoto do Queens que combate o crime em Nova York, dá duro no
trabalho e na escola e cuida da Tia May.
5- Donde
chegamos a este ponto: Marisa Tomei como Tia May não dá. Onde está a senhorinha
que cuida do Peter? A mulher que perdeu o Tio Ben, o homem que ensinou que
grandes poderes trazem grandes responsabilidades?
6- E na
escola? Se o problema do Flash Tompson fosse só ele ter virado um clone
adolescente do M. Night Shyamalan eu nem ligaria muito. Mas o cara no cinema,
além de ser baixinho e raquítico, de repente ganha um cérebro que nunca teve a
ponto de participar de um concurso de perguntas e respostas sobre CONHECIMENTOS
gerais. Conhecimento, taí uma palavra que nunca fez parte do dicionário do
Flash. E os problemas dele com Peter nunca se resumiram a dar tapas na bundinha
dele. Não é uma rivalidadezinha. Flash fazia bullying sério com Peter.
7- E já que
é para falar verdades, vamos implicar com tudo. Estamos na escola. Betty Brant
loura e insossa não dá. Cadê a Gwen Stacy? Cadê o Harry Osbourne, que era best
do Peter? E se a Mary Jane for mesmo a garota estranha que aparece no filme e
que não tem nada a ver com a Mary Jane me avisem logo que eu nem vejo mais as
sequências.
8- Michael
Keaton nem me incomodou muito como o vilão. Pelo contrário, está até bem. Mas
ele precisava mesmo ser o Abutre-Homem de Ferro com aquela armadura padrão
Indústrias Stark? E, convenhamos, meter o Abutre no meio das tretas dos
Vingadores é muito forçado.
São muitos
problemas neste novo "Homem-Aranha". Mas eu vou ficar nestes oito.
Diante disso, continuo preferindo os dois primeiros filmes do herói, de 2002 e
2004. Suas histórias são melhores e mais fiéis à biografia do herói. Por outro
lado, há alguns pontos positivos em "De volta ao lar":
1- De fato,
Tom Holland é o melhor dos três atores que encarnou o Aranha. Eu gostava do
Tobey Maguire, embora ele sempre fizesse uma cara de "estou sofrendo,
minha vida é um 7 a 1 ininterrupto". E eu apenas engoli e fui benevolente
com o Andrew Garfield. O Tom Holland consegue retratar bem o Peter Parker na
fase adolescente e caiu bem no personagem.
2- Problemas
à parte, "Homem-Aranha: de volta ao lar" não deixa de ter seus
momentos divertidos, embora esteja longe de figurar no top-5 dos melhores
filmes da Marvel. "Homem-Formiga" (2015), por exemplo, é melhor. Só
para ficarmos em filmes de heróis baseados em bichos pequenos.
Fato é que
desde que a Marvel encontrou a fórmula do sucesso (humor + aventuras leves e
família x cenas de ação com bons efeitos especiais + bons atores contando boas
historias) vai repetir essa equação até cansar. Por enquanto é receita de
brownie. Sucesso garantido.
Todavia,
será que esta fórmula não está cansando? "Homem-Aranha: de volta ao
lar" é tão xerox de outros filmes da Marvel que não tem absolutamente nada
de interessante a mostrar que não tenhamos visto em outros filmes de heróis da
Marvel. Não tem uma única cena que seja memorável e que será lembrada no
futuro. E as cenas de ação são FRACAS. A melhorzinha é a de Washington, quando
ele salva os amigos de uma roubada.
O filme de Jon Watts só serviu mesmo para despertar em
mim uma curiosidade. Primeiro foi em "Deadpool" (2016), agora foi o
"Homem-Aranha" que fez uma homenagem a "Curtindo a vida
adoidado" (1986). Quem é o cara da Marvel que curte esse filme
maravilhoso?
Enquanto não obtemos a resposta, "Homem-Aranha: de
volta ao lar" ganhará uma nota 5,5.
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