segunda-feira, 10 de julho de 2017

Tragam o verdadeiro Homem-Aranha de volta

É dura a vida da aranha
Até a semana passada eu nunca havia visto qualquer trabalho do diretor Jon Watts. Ainda não dá para dizer se ele é bom ou ruim. Só acho lamentável que ele me faça ser obrigado a baixar o Harold Bloom no corpo para defender o cânone aracnídeo. Olha que papel a Corneta é obrigada a se prestar. 

Bateu a a bad da decepção quando me vi diante de "Homem-Aranha: de volta ao lar". Porque os quadrinhos são sagrados. São sagrados para mim como "Madame Bovary", "Os irmãos Karamazov" ou "Hamlet". Logo, não podem ser assim mutilados com um desfile de erros CRASSOS que estamos vendo neste momento nos cinemas do planeta. 

O maior problema do retorno do amigão da vizinhança para a Marvel no cinema (mas com a Sony faturando do lado) é de abordagem. E não dá para aceitar o excesso de liberdades tomadas diante de um filme que sequer é incrível. Se tivesse ficado excelente, a Corneta até as aceitaria (torcendo a cara, mas aceitaria). Mas não é o caso. Vamos ao jogo dos oito erros de "De volta ao lar": 

1- Não dá para aceitar o Homem de Ferro como uma figura paterna do Peter Parker. Não convence ninguém em nenhum momento. Primeiro porque nunca aconteceu na obra de arte materna, os quadrinhos. Segundo, porque um playboy ex-alcoólatra, mulherengo e bilionário não tem moral e nem tempo para adotar um adolescente. 

2- O Homem-Aranha sempre foi um self-made man. Ele é super inteligente e cria a sua própria teia (check), ele cria e costura o próprio traje... ops! Temos um grave problema aí. Não dá para aceitar um traje supermoderno com um drone aranha, um Jarvis feminino falando com você e variantes de teia porque as aranhas não têm granadas de teias e nem teias elétricas! E tudo o que o Peter Parker cria é inspirado nas... aranhas! Vejam só que coincidência. 

3- E aqui precisamos discutir a ONIPRESENÇA das indústrias Stark nos filmes da Marvel. Tudo bem, nos quadrinhos ela é poderosa, mas nos filmes ela virou simplesmente o McDonald's da tecnologia. Está em cada buraco e delimitando TODOS os padrões de uniformes e engenhocas. 

4- É impossível aceitar a obsessão do Homem-Aranha em tornar-se um Vingador. Sua participação nos Vingadores sempre foi discreta e ele sempre foi o herói da vizinhança, o garoto do Queens que combate o crime em Nova York, dá duro no trabalho e na escola e cuida da Tia May. 

5- Donde chegamos a este ponto: Marisa Tomei como Tia May não dá. Onde está a senhorinha que cuida do Peter? A mulher que perdeu o Tio Ben, o homem que ensinou que grandes poderes trazem grandes responsabilidades? 

6- E na escola? Se o problema do Flash Tompson fosse só ele ter virado um clone adolescente do M. Night Shyamalan eu nem ligaria muito. Mas o cara no cinema, além de ser baixinho e raquítico, de repente ganha um cérebro que nunca teve a ponto de participar de um concurso de perguntas e respostas sobre CONHECIMENTOS gerais. Conhecimento, taí uma palavra que nunca fez parte do dicionário do Flash. E os problemas dele com Peter nunca se resumiram a dar tapas na bundinha dele. Não é uma rivalidadezinha. Flash fazia bullying sério com Peter. 

7- E já que é para falar verdades, vamos implicar com tudo. Estamos na escola. Betty Brant loura e insossa não dá. Cadê a Gwen Stacy? Cadê o Harry Osbourne, que era best do Peter? E se a Mary Jane for mesmo a garota estranha que aparece no filme e que não tem nada a ver com a Mary Jane me avisem logo que eu nem vejo mais as sequências. 

8- Michael Keaton nem me incomodou muito como o vilão. Pelo contrário, está até bem. Mas ele precisava mesmo ser o Abutre-Homem de Ferro com aquela armadura padrão Indústrias Stark? E, convenhamos, meter o Abutre no meio das tretas dos Vingadores é muito forçado. 

São muitos problemas neste novo "Homem-Aranha". Mas eu vou ficar nestes oito. Diante disso, continuo preferindo os dois primeiros filmes do herói, de 2002 e 2004. Suas histórias são melhores e mais fiéis à biografia do herói. Por outro lado, há alguns pontos positivos em "De volta ao lar": 

1- De fato, Tom Holland é o melhor dos três atores que encarnou o Aranha. Eu gostava do Tobey Maguire, embora ele sempre fizesse uma cara de "estou sofrendo, minha vida é um 7 a 1 ininterrupto". E eu apenas engoli e fui benevolente com o Andrew Garfield. O Tom Holland consegue retratar bem o Peter Parker na fase adolescente e caiu bem no personagem. 

2- Problemas à parte, "Homem-Aranha: de volta ao lar" não deixa de ter seus momentos divertidos, embora esteja longe de figurar no top-5 dos melhores filmes da Marvel. "Homem-Formiga" (2015), por exemplo, é melhor. Só para ficarmos em filmes de heróis baseados em bichos pequenos. 

Fato é que desde que a Marvel encontrou a fórmula do sucesso (humor + aventuras leves e família x cenas de ação com bons efeitos especiais + bons atores contando boas historias) vai repetir essa equação até cansar. Por enquanto é receita de brownie. Sucesso garantido. 

Todavia, será que esta fórmula não está cansando? "Homem-Aranha: de volta ao lar" é tão xerox de outros filmes da Marvel que não tem absolutamente nada de interessante a mostrar que não tenhamos visto em outros filmes de heróis da Marvel. Não tem uma única cena que seja memorável e que será lembrada no futuro. E as cenas de ação são FRACAS. A melhorzinha é a de Washington, quando ele salva os amigos de uma roubada. 

O filme de Jon Watts só serviu mesmo para despertar em mim uma curiosidade. Primeiro foi em "Deadpool" (2016), agora foi o "Homem-Aranha" que fez uma homenagem a "Curtindo a vida adoidado" (1986). Quem é o cara da Marvel que curte esse filme maravilhoso?

Enquanto não obtemos a resposta, "Homem-Aranha: de volta ao lar" ganhará uma nota 5,5.

Nenhum comentário: