Que Drácula decepcionante |
A
corneta não tem poderes místicos, mas farejou o cheiro de bomba assim que viu o
trailer de "Drácula - a história nunca contada". O próprio subtítulo
um tanto quanto pretensioso, "a história nunca contada", sugeria uma
dose de PICARETAGEM. Mas uma das qualidades desta entidade galhofeira da
crítica cinematográfica (e musical, e esportiva, e do que mais surgir) é sempre
ver os filmes de coração aberto. Mesmo que sejam filmes do Adam Sandler ou do
Ben Affleck (Não esqueçam que "Garota Exemplar" é uma das exceções
dele).
E
assim lá estava eu comprando o meu ingresso para ver uma nova versão do meu
vampiro favorito. O número 1, o homem (ou morto-vivo?), o mito que ganhou fama
com um romance de Bram Stoker lançado lá no selvagem século XIX.
A
intenção do filme do diretor estreante Gary Shore com essa "história nunca
contada" me pareceu ser, humm, contar a história do verdadeiro Drácula (no
filme vivido por Luke Evans). Mas pelo visto alguém deve ter achado que não
tinha um apelo pop necessário numa era cheia de vampiros-coxinha de
“Crepúsculo” e resolveu dar um toque: “Chefia, mas ele não vai morder ninguém?
Ele não bebe sangue? Ele sai de dia numa boa sem queimar a pele? Que Drácula é
esse?” Foi quando Shore resolveu dar à "história real" uma pitada do
chupa-cabra style que existia no romance de Bram Stoker.
Parêntese
histórico: Drácula realmente existiu, mas não era um vampiro e sim Vlad Dracul,
ou Vlad, o Empalador, príncipe que governou a Valáquia por três vezes no século
XV, estava sempre em guerra com os turcos e era conhecido por usar métodos
cruéis de tortura contra os seus inimigos. Seu favorito era empalar as pessoas.
Eram tempos inóspitos na Romênia e adjacências.
Reza
a lenda que ele também bebia o sangue dos inimigos. Parece que era nutritivo. E
lembrem que naquela época não tinha suco verde, detox, essas coisas. Era
complicado ficar em forma.
Enfim,
as lendas contam que Vlad voltava dos mortos e bebia sangue. Bram Stoker pegou
tudo isso, usou da máxima “eu aumento, mas não invento” e criou o vampiro que
conhecemos. Para aumentar o mistério e confundir as linhas que delimitam ficção
e realidade, quando o seu túmulo foi escavado por arqueólogos no início do
século XX só foram encontrados ossos de... animais. Que medo! Será que ele pode
aparecer aqui enquanto escrevo estas linhas? Mais sobre o Drácula aqui (em
inglês), aqui (em português) e aqui (em romeno para você se sentir no clima da
Valáquia).
De
volta ao filme, o problema dessa nova versão é que os roteiristas Matt Sazama e
Burk Sharpless e o diretor filmaram 1h30m de película sem definir que Drácula
eles queriam mostrar. Então parecia um Vlad insano: de um lado o sujeito mau
feito pica-pau que empalava os inimigos. Do outro o pai de família que se
sacrifica para salvar a vida do filho e o povo da Transilvânia. Conta outra. Um
cara que fez a sua vida com sangue e guerras, que era conhecido pelo sadismo e
considerado por muitos como louco não tinha condições de ser um pai amoroso que
se doa pela família. Um cara que arrancava os seios das mulheres e ordenava que
os maridos os comessem, não podia ser nem 1% bonzinho.
Era
respeitado como líder militar, mas não era alguém para você sair e tomar uma
cerveja romena. Ou seja, “a história nunca contada” não se define. Drácula joga
em todas as posições do campo e parece aqueles partidos políticos que estão
sempre orbitando o poder. Não importa quem vença a eleição.
Drácula
também parece um filme de origem de super-herói (como se já não tivéssemos
muitos e vêm mais 30 por aí). E vocês sabem que quase sempre os filmes de
origem não são bons. Se liga na história resumida. Vlad era um rei amado pelo
seu povo, apesar do passado monstruoso de Vlad, o empalador. Um dia a situação
com os turcos ficou feia, mas ele não tinha exércitos para enfrentar os
inimigos. O sujeito vai até a caverna do Dente Quebrado para encontrar Tywin
Lannister, ops, para encontrar o vampiro original (Charles Dance), o monstro
que todos temem, o capeta que vai lhe dar os poderes necessários para agir. Sim,
amigos, Drácula mais parece o Spawn da Idade Média.
Após
tomar o suco de sangue do capeta, Vlad ganha uma espécie de sentido de aranha
do Homem-Aranha, a visão além do alcance do Superman, a superforça do Hulk, a
capacidade de controlar o tempo da Tempestade, e a capacidade de controlar
todos os morcegos do planeta que nem o Batman tem. E o próprio se transforma em
centenas de morcegos, o que me fez lembrar dos Supergêmeos. Ah, ele também mexe
as mãos para invocar os poderes igual ao Magneto. Concluindo, ele ficou por
cima da carne seca. O problema é que Drácula nunca mais poderá ir a praia. E
nada de usar moedas para comprar pão. Prata não é com ele. Só nota. Também é
bom evitar crucifixos.
Como
grandes poderes trazem grandes responsabilidades, Vlad vai pagar um preço caro
por suas escolhas. Na guerra não há santos e às vezes monstros são necessários,
diz ele próprio.
O
novo Drácula pode não ser um coxinha sem sal como a turminha do barulho de
“Crepúsculo”, mas também está longe, muito longe, dos melhores momentos de Gary
Oldman e sua peruca branca em “Drácula de Bram Stoker” (1992). É um Drácula que
ao invés de mostrar os caninos ao mundo, só exibe dentes de leite. Mas é um
personagem fascinante que sempre vai voltar. Há dezenas de filme sobre ele. E
este não será o último.
Mas a corneta não tem
medo de criaturas da noite. E confiando que morcegos são mamíferos fofos e não
me atacarão pela janela, será obrigada a ser cruel com este novo Drácula. Não
tanto quanto Vlad, mas necessariamente cruel. E a avaliação só não será pior,
porque os efeitos especiais são maneiros. “Drácula – a história nunca contada”
vai ganhar uma nota 4.
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