Pattison em Cosmópolis: boa atuação |
Tenho
alguns preconceitos cinematográficos (e atire a primeira pedra quem não tem?). Não gosto de comédias.
Nem de animações. Embora já tenha visto excelentes comédias e animações. Mas
não é o tipo de filme que você me verá assistindo numa sala de cinema. Também
não gosto da saga “Crepúsculo”. Acho boba, infantil e uma afronta aos vampiros
de verdade que eu cresci vendo no cinema e na TV. Até o Tom Cruise é um vampiro
melhor no ótimo filme “Entrevista com o vampiro” (1994). Consequentemente, eu
estendo meu preconceito aos atores principais da série: Kristen Stewart e
Robert Pattison.
Kristen
comprovou ser muito fraca seja numa bobagem suprema como “Branca de Neve e o
caçador”, onde há uma cena emblemática em que ela parece estar ensaiando
para um comercial de shampoo, seja no ótimo filme “Na Estrada”. Apesar de sua
fraca atuação (uma porta pode ser mais sensual do que a Marylou que ela nos entregou), Kristen, porém, não chega a atrapalhar o filme de Walter Salles,
pois não é nunca o foco principal da película.
Não
é o caso de Pattinson. O vampiro Edward dos cinco filmes da série “Crepúsculo”
era simplesmente o dono do filme quando foi escalado por David Cronenberg para
viver o milionário Eric Packer em “Cosmópolis”. Ainda bem que o diretor
canadense não tem os preconceitos do signatário deste blog. Talvez seja esse um
dos motivos que o faça ser um ótimo cineasta, um dos meus favoritos, e eu não
passe de um blogueiro corneteiro.
Isso
porque Pattison mostra surpreendente talento para segurar o filme. Nuances
nunca mostradas em uma película que é uma das mais niilistas do diretor de
“Marcas da Violência” (2005), “Senhores do Crime” (2007) e do recente “Um
método perigoso” (2011).
Ensaio
sobre a decadência do capitalismo a partir da história de autodestruição de um
milionário, “Cosmópolis” é um filme hermético e com subtextos que incomodam o
espectador menos atento e à espera de algo mais palatável para acompanhar a sua
pipoca em geral salgada na confortável cadeira de uma sala de cinema com o ar
condicionado bem calibrado. Talvez por contrastar com a expectativa de
satisfação do cliente, que o novo trabalho de Cronenberg incomode e faça alguns
desistirem antes do fim abandonando a sala, pois não é fácil compreender tudo o
que o diretor tenta passar em “Cosmópolis”. E como é uma das marcas dos seus
filmes, a violência de forma crua, pesada e impactante é um vetor importante de
comunicação.
“Cosmópolis”
não tem uma data, mas poderia se passar em anos recentes, logo após a quebra do
Lehman Brothers que iniciou uma crise mundial (sempre ela, devia virar um gênero novo no cinema) nos Estados Unidos que chegou na
Europa e perambula por ai até hoje. Naquele período, protestos se espalharam pelo mundo,
empresas perderam (muito) dinheiro. Pessoas foram à bancarrota. E a
recuperação, me mostram os cadernos de economia, têm sido lenta e gradual.
Neste
cenário de uma desesperança quase no nível crack da Bolsa de 1929, o milionário
Packer é mais um a ter perdido milhões ao apostar errado nos movimentos do
yuan, a moeda chinesa, na bolsa de valores. Packer é bastante excêntrico.
Resolve tudo de dentro da sua limusine totalmente equipada. Tudo mesmo. Faz
negócios, sexo e seus exames clínicos diários. Inclusive o de próstata.
Mas
nem tudo pode ser feito no carro. Nem tudo pode ser resolvido de sua toca. É
por isso que Packer resolve atravessar a cidade em meio ao caos de protestos,
uma visita presidencial sob ameaça (“Ainda matam presidentes hoje em dia?”) e o
funeral de um artista para fazer algo prosaico, mas extremamente necessário:
cortar o cabelo no seu barbeiro. Barbeiro este que foi o mesmo do seu falecido pai. Packer precisa de
um corte de cabelo e nada vai impedi-lo. Ponto final. Não importa quanto tempo ele leve para
atravessar a cidade.
A
relação com o barbeiro, é o que há de mais humano na vida de Packer marcada por
discussões enfadonhas sobre o mercado com seus auxiliares, ou mesmo uma relação
de prazer protocolar com sua amante mais velha, Didi Fancher (Juliette
Binoche). A relação com a esposa é gélida e distante até quando conversam sobre
sexo. “Quando vamos transar de novo?”, ele pergunta. “Em breve transaremos”,
ela responde mecanicamente. Separados por centímetros, eles parecem emocionalmente distantes
por um abismo inexpugnável.
Enquanto
tenta atravessar a cidade, Packer vê o caos nas ruas e é vítima dele seja nos
ataques à sua limusine e na torta na cara que recebe do ativista Andre Petrescu
(Mathieu Amalric), Nada que o abale. De fato, ele busca novas emoções, algo que
o estimule de alguma forma a sua vida vazia. Algo que traga alguma ebulição, algum sentido, que movimente a sua alma.
Depois
de perder milhões de dólares, Packer embarca numa jornada de autodestruição.
Experimenta tudo o que pode para saber se consegue ter alguma emoção. O sexo
ele já comprovou que não é o caminho. Com isso, resolve tomar a estrada da dor.
Pede doses de choque, mas não tem sucesso. Busca algo num estúpido assassinato,
mas continua sentindo o mesmo vazio.
Enquanto
é ameaçado por um ex-funcionário, Benno Levin (Paul Giamatti em participação
brilhante no filme), dá um tiro na própria mão. O tiro lhe dá um sinal de vida
em uma feição atávica e blasé. Mas logo ele retorna ao seu
estado comum: o nada.
A
cena final do diálogo com Giamatti é uma das melhores do filme e resume o que
“Cosmópolis” tem de melhor. O niilismo, o deboche com a falsa preocupação com
os oprimidos e uma aula de Giamatti, mas sem que Pattison fizesse feio. O que é algo elogiável.
Talvez ele realmente
fosse a pessoa ideal para interpretar esse milionário vazio, sem emoção e que
se acostumou a ver o mundo da redoma de sua limusine impávido. Juntando isso,
aos diálogos brilhantes escritos por Cronenberg temos um dos melhores filmes
do diretor. Pessimista, difícil, mas um delicioso
exercício de interpretação de textos e subtextos com correlações com a história
recente.
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