A batalha nas trincheiras da primeira guerra |
É muito comum
que filmes de guerra sejam construídos a partir de um olhar de seus heróis e
seus feitos heroicos e sacrifícios. O diretor Sam Mendes resolveu caminhar por
outros percursos. Baseado nas histórias contadas por seu avô, Alfred H. Mendes.
Sam fez do seu “1917” um épico sem rosto apenas para falar sobre os horrores da
Primeira Guerra Mundial.
Ocorrida entre
1914 e 1919, a primeira guerra não costuma ser retratado com tanta frequência
quanto a segunda no cinema, mas foi um conflito extremamente duro e que causou
a morte de 16 milhões de pessoas entre soldados e civis.
A história que
Mendes retrata se passa no ano descrito no título do filme. Na ocasião,
soldados britânicos preparavam um ataque que supostamente seria decisivo contra
o exército alemão. Mas o que os britânicos não sabiam é que se tratava de uma
emboscada que causaria a morte de pelo menos 1.600 soldados.
É neste
contexto que o general Erinmore (Colim Firth), envia os soldados Schofield (George MacKay) e Blake (Dean-Charles Chapman) para o
meio do conflito na França com o objetivo de avisar a tropa do coronel
Mackenzie (Benedict Cumberbatch) que havia uma emboscada e cancelar o
ataque.
Assim Schofield e
Blake partem numa missão quase suicida. Acompanhando a jornada deles, Mendes vai
nos expondo a crueza e implacabilidade do confronto mundial ocorrida há pouco
mais de cem anos. Passamos pelas trincheiras enlameadas e cheias de armadilhas,
por cidades completamente devastadas e por bombardeios e tiroteios que podem
surgir a qualquer momento quando o silêncio parece imperar.
Acima de tudo,
Mendes exibe as marcas do conflito. Os corpos putrefatos a céu aberto, os ratos
devorando tudo a frente, a sujeira inerente e os traumas psicológicos sofridos
pelos soldados.
Tudo isso vem
acompanhado pelos olhos dos soldados Blake e Schofield, que estão longe de serem
heróis nesta história. Blake é um soldado qualquer escolhido por sua habilidade
em ler mapas e por ter um irmão na tropa que precisa ser informada da armadilha. Já Blake escolhe o amigo com quem
estava para ir com ele simplesmente porque ambos descansavam ao pé de uma
árvore quando ele foi chamado.
Protagonistas
da história, eles são rostos desconhecidos enquanto passamos por atores com
mais história fazendo quase participações especiais no filme. Além de Firth e
Cumberbatch, vemos Mark Strong e Richard Madden, que interpreta o irmão de Blake.
Não sei se
esta sempre foi a ideia de Mendes, mas acabou caindo bem dentro de um conceito
de despersonalizar, e tirar o heroísmo da guerra. Chapman e MacKay, por exemplo, são
rostos comuns e ainda não estrelados em Hollywood.
Combinando
isso com o comportamento que as personagens têm no filme, que chegam até a
negação do desejo de seguir em frente, temos anti-heróis aqui não fazendo
nada além de cumprir ordens. Morrendo de medo de dar cada passo e com uma
fragilidade e um instinto de sobrevivência pouco comum em filmes do
gênero. A guerra de Sam Mendes não é a dos grandes feitos. É a de pequenas conquistas
de cada trincheira por homens que queriam estar em qualquer lugar, menos
naquele ao qual foram destacados para defender violentamente territórios que a
política falhou em negociar.
E tudo isso é
realizado pelo diretor em dois planos-sequência que trazem todo um olhar
especial e dão um tom realista à jornada. Com sua câmera, Mendes vai passeando
pelos horrores dos cenários, revelando corpos mutilados, soldados apodrecendo,
ratos comendo restos de corpos... esmiúça-se nos arames retorcidos das trincheiras,
reforça a tensão por cada casa, porta ou fresta pelas quais os soldados
precisam passar. No meio do filme, temos um corte para acelerar a passagem de
tempo. O resto fica com truques de câmeras para que as 24 horas de ação se
condensem em duas de filme.
Acho sempre um
trabalho fascinante o de fazer um plano-sequência, pois tudo precisa ser muito
bem ensaiado para dar certo e os cortes precisam ser imperceptíveis. Foi uma
tarefa ao qual Mendes conseguiu realizar com sucesso para entregar um filme que
fica marcado por cenas impressionantes. Isso porque mesmo que em boa parte do
filme não haja ação, o espectador é envolvido pela enorme tensão de que algo
iminentemente irá acontecer e porque a câmera nunca revela a amplitude do
cenário. A próxima trincheira, o próximo obstáculo pode sempre ser fatal.
“1917” é um
belo filme de guerra. E uma história impressionante que sobre a primeira
guerra que estava escondida. Tem defeitos, como um roteiro que praticamente não tem história. Mas tem o mérito de trazer um pouco mais de
realidade e menos heroísmo aos filmes do gênero, ainda que isto não seja necessariamente original. Também tem como mérito nos mostrar o quão
terrível é a experiência de uma guerra mundial. Esperamos que conflitos deste
tipo jamais voltem a ocorrer.
Cotação da corneta: nota 8,5.
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