Selena e Chalamet no meio da chuva |
Ser um diretor prolífico é bom para os
fãs, mas também pode causar um cansaço de quem olha, ou fazer o próprio autor
cair em fórmulas repetitivas. Nos últimos 37 anos, só teve um em que Woody
Allen não lançou um filme. Foi justamente o ano passado. Mas também pode-se
dizer que desde 2011, quando lançou “Meia-noite em Paris”, que o diretor
americano não traz ao cinema algo verdadeiramente brilhante. “Blue Jasmine”
(2013) e “Roda Gigante” (2017) têm seus bons momentos, é claro, mas muito mais
calcados na interpretação de suas atrizes principais, Cate Blanchett e Kate
Winslett, do que propriamente em suas histórias.
“Um dia de chuva em Nova York” (“A
rainy day in New York”, no original) é mais um filme médio do diretor. Não é
ruim como “Magia ao luar” (2014), mas está longe de ser marcante na filmografia
de Allen. É mais um conforto para seus fãs passarem duas horas agradáveis e sem
grandes conflitos numa sala de cinema do que propriamente um filme para entrar
em qualquer lista de best of do diretor.
“Um dia de chuva em Nova York” é uma
fábula onde Allen discorre sobre duas visões de mundo. Uma pessimista e outra
otimista. Para expor suas ideias, seus personagens usam a linguagem do cinema. Chan
(Selena Gomez) quer ver o mundo como um conto de fadas em que tudo dá certo e o
casal romântico se beija no fim. Gatsby (Timothée Chalamant, em uma
interpretação que é um dos pontos altos do filme), já vê o mundo de uma forma
mais cinica e niilista.
Tudo é fruto de como eles se encaixam
no mundo. Chan sabe que não é exatamente a garota perfeita que encanta todos,
mas tem noção do seu valor e sabe se encaixar no mundo. Gatsby, por outro lado,
teve tudo na vida, mas parece não se encaixar naquele mundo. Ao mesmo tempo em
que é um jovem rebelde sem causa cheio dos sintomas do chamado “white people
problems”.
E este é um dos problemas do filme. É
difícil se encaixar na fábula bourgeois de Allen onde ninguém realmente sabe o
que é viver uma real dificuldade. Além de ser rico, Gatsby ganha dinheiro facilmente
num estalar de dedos porque é um ás no poker e tem uma sorte que o acompanha o
tempo todo para justificar os excêntricos gastos que faz durante todo o filme. Além,
é claro, de uma família rica por trás. Tudo lhe vem fácil. Fácil até
demais. A ponto de ele de fato não enfrentar um desafio realmente importante
que não seja um auto-conhecimento que, ainda assim, é muito raso para os padrões
e reflexões que Allen costumava nos dar.
Não é que os ricos não possam ter voz
no cinema. Longe disso. E estamos falando de Woody Allen e não de um Ken Loach,
cineasta mais afeito a filmar os dramas da classe trabalhadora. Seu cinema
sempre refletiu essa burguesia com um certo cinismo e um texto criativo. Porém,
falta algo que justifique esse filme para além de uma mera fábula que procura
dar beleza aos dias de chuva, tão odiados por todos.
E é este ponto do texto que faz falta
em “Um dia de chuva em Nova York”. Salvo raros momentos, seu roteiro não tem as
boas tiradas que o diretor mostrou em filmes passados e falta a sua história um
pouco mais de conflito que vá além de pessoas flanando por Nova York discutindo
de forma desinteressante sobre a vida e cujo único contratempo é uma chuva
torrencial.
No meio disso, está o outro vértice de
um triângulo amoroso. Ashleigh (Elle Fanning) é uma jovem jornalista do
interior deslumbrada pela oportunidade de entrevistar um dos seus diretores de
cinema favoritos, Rolland Pollard (Liev Schreiber). Através dele, Ashleigh se
imiscui no jet set cinematográfico de Nova York a ponto de se transformar numa
caricatura de si mesma enquanto Allen a usa para tecer seus pensamentos sobre o
trabalho da imprensa.
“Um dia de chuva em Nova York” é
cercado de homenagens. A começar pelo nome de um dos seus personagens
principais. Chalamet interpreta um jovem chamado Gatsby Welles. O primeiro nome
é um conhecido personagem criado pelo escritor F. Scott Fitzgerald no romance
“O grande Gatsby” (1925). Tal como o Gatsby de Allen, o de Fitzgerald também
era um bon vivant que circulava entre a high society e tinha um gosto pelo
submundo a ponto de quebrar regras. Fitzgerald é um dos grandes nomes da
literatura norte-americana.
Já o sobrenome é uma homenagem a Orson
Welles, diretor de clássicos como “Cidadão Kane” (1941), filme que também
reflete sobre o jornalismo. Welles é um dos mais conhecidos diretores de cinema
e não é à toa que o personagem de Chalamet é um apaixonado por filmes
antigos.
Chalamet, aliás, interpreta também um
alter-ego de Allen. As ideias pessimistas dele estão ali, o jeito de andar pela
cidade e de se vestir também. Ele é uma cópia de personagens vividos pelo
diretor em filmes como “Noivo Neurótica, Noiva Nervosa” (1977).
Donde se vê, portanto, que “Um dia de
chuva em Nova York” tinha muito potencial. Mas os temas abordados (jornalismo,
visões de mundo, lições da vida) acabam ficando apenas numa camada superficial
a partir de um roteiro pouco inspirado.
É um filme agradável e bonito como
costumam ser os filmes de Allen. E só o diretor para encontrar beleza na chuva.
Porém, “Um dia de chuva em Nova York” ficou devendo um mergulho mais profundo
nas questões que aborda. Acabou prevalecendo a doçura de uma história de amor
tradicional.
Cotação da corneta: nota 6,5.
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