O modesto time do Panthiraikos em sua reapresentação em agosto/Divulgação |
No auge do verão europeu, enquanto muitos aproveitavam as incríveis
praias e aguardavam com expectativa o tradicional e belo pôr do sol de
Santorini, um time da famosa ilha grega dava o pontapé inicial na sua
pré-temporada. Sob o olhar atento de sete torcedores, quatro deles senhores que
conheciam os jogadores pelo nome e, por vezes, gritavam para eles da modesta
arquibancada do estádio em Fira, o Panthiraikos voltava ao trabalho após uma
temporada que podia ser definida como frustrante.
Derrotado na prorrogação da semifinal do Campeonato das Ilhas Cíclades,
a equipe, uma das principais de Santorini, perdeu a chance de jogar a final e,
consequentemente de conseguir uma vaga na terceira divisão de futebol da
Grécia. Naquele fim de tarde ensolarado e de muito calor, o pequeno clube
grego, renovava as esperanças de voltar a jogar em uma das principais divisões
do futebol profissional da Grécia com uma cerimônia religiosa.
Dentro do campo, um padre da igreja ortodoxa, a principal religião do
país, abençoava um a um os jogadores, a comissão técnica e os dirigentes da
equipe. Esse tipo de cerimônia é uma tradição na Grécia. É neste momento que os
jogadores e todos no clube pedem a proteção divina para que consigam fazer uma
boa temporada e não sofram lesões graves. Para o Panthiraikos, também seria
interessante pedir um pouco de sorte para não sofrer com gols nos minutos
finais da prorrogação.
O time é abençoado por um padre em sua reapresentação/Marcelo Alves |
Nas décadas de 80 e 90, o clube de Santorini, fundado em 1970 do século
passado, disputou as principais divisões do futebol grego. Mas hoje vive uma
realidade bem mais modesta. Joga o Campeonato das Ilhas Cíclades, liga amadora
que poderia ser considerada uma espécie de quarta divisão grega e reúne clubes
de conhecidas ilhas gregas como Santorini, Mikonos e Naxos, destinos de milhares
de turistas que desconhecem a dura realidade do futebol local.
No caso do Panthiraikos, por exemplo, o clube sobrevive com um orçamento
modesto. Seu elenco é composto por 30 jogadores, sendo 10 deles da base. A
grande maioria não vive do futebol e trabalha em Santorini como garçom ou no
comércio local.
- Alguns jogadores nasceram aqui em Santorini e vivem na ilha. Mas eles
têm outros trabalhos, não são profissionais. Nesta temporada, contratamos
alguns jogadores (profissionais) e espero que eles nos ajudem a evoluir e
melhorar (o jogo) dos nossos jovens talentos no campeonato - explica Babis
Kambourakis.
ARQUIBANCADAS CHEIAS
Babis é o que se pode chamar de um assessor de imprensa informal do
clube. Filho do presidente do Panthiraikos, ele cuida da atualização do site (www.panthiraikos.gr,
infelizmente somente em grego) e das redes sociais, como a página do time no Facebook.
Ele conta que, do orçamento do time, 30% vem de empresários de Santorini
que patrocinam a equipe. Os donos e o corpo diretor do clube também contribuem
para a sobrevivência do Panthiraikos. Mas outra parte substancial, que chega
perto de 25%, acreditem, vem da bilheteria. O clube garante que o estádio com
capacidade para pouco mais de 600 pessoas está sempre lotado quando o time joga
em casa. Fruto de uma extrema simpatia do povo de Santorini pelo time que tem a
equipe como segundo clube do coração.
- Até porque muitos dos que vêm ver o time já jogaram uma temporada ou
alguns jogos pela equipe - conta ele.
Como o ingresso para ver uma partida da equipe custa cinco euros (R$
21), o clube garante a cada vez que joga em casa, e em caso de 100% de
ocupação, um montante de 3.000 euros (R$ 12.850).
O modesto estádio do Panthiraikos na ilha de Santorino/Marcelo Alves |
DESAFIOS CLIMÁTICOS
Mas o time tem sempre que fazer contas para não fechar os meses e a
temporada no vermelho. Isso porque o Panthiraikos e outros clubes das ilhas
gregas sofrem com problemas que times do continente não têm: o alto custo das
hospedagens nas ilhas gregas quando viaja para jogar fora de casa e das passagens
de barco, único meio de transporte usado para as equipes se deslocarem nos
jogos fora de casa.
E os custos podem aumentar ainda mais em caso de problemas climáticos.
Principalmente no inverno, são frequentes os cancelamentos de viagens de barco
por causa dos fortes ventos no Mar Mediterrâneo. Assim, durante o Campeonato e
a Copa das Ilhas Cíclades, o outro torneio que o Panthiraikos disputa, há
muitos jogos adiados. E, por vezes, os times que já fizeram sua partida não
conseguem voltar para casa imediatamente, ocasionando mais despesas com
hospedagem e alimentação das equipes.
- Muitas vezes saímos do barco direto para o jogo. E, em algumas
situações, depois da partida só conseguimos retornar dois dias depois - conta
Babis, lembrando que os ventos são um empecilho para os deslocamentos de barco
nas ilhas gregas.
O time em seu primeiro treinamento na pré-temporada/Marcelo Alves |
Além da questão climática, não há viagens de barco diárias para todos os
destinos nas ilhas Cíclades, como já constatou qualquer turista que tentou
visitar a região. Portanto, o planejamento é uma tabela amiga são fundamentais
na hora de equacionar os custos. O clube também conta com uma pequena ajuda das
empresas que comandam o transporte marítimo na região. Um desconto nas
passagens que varia de 5% a 10%.
- Não é muito grande, mas ajuda - diz Babis.
Enquanto a primeira divisão grega já começou, o campeonato das ilhas
Cíclades, só teve o seu início no domingo passado. A liga estava programada
para começar entre o fim de setembro e o início de outubro, mas foi adiada por
causa das eleições gregas após a renúncia de Alexis Tsipras no fim de agosto.
Logo na estreia, o Panthiraikos fez o clássico de Santorini contra o Thiella
Kamari, fora de casa, e empatou por 1 a 1.
EFEITOS DA CRISE
A crise financeira que a Grécia sofre também atingiu duramente os
pequenos clubes do país. Antes mesmo de o governo Tsipras aprovou um duro
pacote que, inclusive afetará as ilhas gregas, para obter um novo socorro
financeiro do banco central europeu, o torneio sofreu uma redução de tamanho
para cortar custos. O objetivo era diminuir o número de viagens e,
consequentemente, gastos com hospedagem. Assim, o Campeonato das Ilhas Cíclades
passou a ter duas divisões com 12 clubes é regra de acesso e descenso internas.
E para manterem viva a paixão pelo futebol, até rivais se ajudam. A
grande rivalidade de Santorini é entre o Panthiraikos, nome que significa algo
como "O clube de toda Santorini", e o Thiella Kamari, que significa
"o vento de Kamari", região de Santorini conhecida por sua praia com
areia escura e águas calmas e cristalinas. Mas a disputa entre os dois não
impediu que o Panthiraikos disputasse toda a temporada passada no estádio do
Thiella enquanto o seu próprio estádio passava por reformas.
O estádio do Panthiraikos em Santorini/Marcelo Alves |
Agora o estádio de grama artificial - por causa do clima e o forte calor
todos os campos das ilhas gregas são de grama sintética - está pronto para
receber os jogos do Panthiraikos e muitos torcedores, como aconteceu na vitória
por 2 a 1 no amistoso contra o Thriamvos Haidariou, pequeno clube de Atenas,
durante a pré-temporada.
Tanto o Panthiraikos quanto o Thiella vão lutar pelo sonho de jogar a
terceira divisão grega na próxima temporada. Babis diz que o time vem muito
forte para a disputa e esse ano tem boas chances de ser campeão.
- Nós contratamos alguns jogadores experientes, que já jogaram a Série C
na temporada passada ano passado e acho que eles vão nos dar o algo a mais
necessário para subirmos de divisão.
É o que espera o torcedor de Santorini que, enquanto admira o espetáculo
do pôr do sol na região de Fira, aguarda o novo alvorecer do Panthiraikos rumo
às divisões profissionais do futebol grego.
(Post originalmente publicado no blog Planeta que Rola)
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