Tem menor não? |
Passageiro e cobrador se encontram num ponto de
BotaSoho. O jovem de camisa branca, calça jeans e barbinha hipster saca da
carteira a nota do demônio: R$ 50. A cobradora mantém a calma e faz a pergunta
clássica:
Tem menor não?
Diante da negativa, a mulher pede para que o jovem
permaneça onde está. Ele não pode atravessar a fronteira que delimita o setor
entre os que pagaram e os que ainda não pagaram. É a faixa de Gaza da economia
moderna. Outros passageiros seguem o fluxo com trocados generosos ou usando o
benefício do Hellcard. É quando a cobradora desabafa.
- Quem facilita, tem troco. Quem não facilita, não
posso fazer nada – ironiza ela, repetindo diversas vezes o mantra. – Quem facilita
tem troco.
Se sentindo com a honra atingida como um Greyjoy
castrado, o jovem reage:
- Como é que eu vou facilitar se eu não tenho
trocado? – diz o jovem, já se exaltando.
Ué, eu não falei nada – devolve a cobradora, usando
a tática de se fazer de sonsa.
A guerra já havia começado. Os dois pareciam
deputados de partidos rivais gritando no Congresso, mas usando termos menos
polidos.
- Você está dizendo que eu tenho que facilitar. A
empresa que tinha que ter troco!
- Eu não estou falando nada. Só acho que quem
facilita tem troco.
O volume começa a aumentar no ônibus. E tudo descamba
para questões político-econômicas.
- Tem passageiro que é engraçado. Se todos os
problemas do mundo fossem causados por causa de troco... Na hora de gritar
pelas coisas importantes, por emprego, saúde, educação, ninguém grita. Tanta
palhaçada por causa de um troco.
- Você fala isso porque não é o seu troco! –
retruca o rapaz, já PENDURADO na roleta.
A cobradora se irrita e toma uma atitude drástica.
- Vai! Passa! Passa e some! Passa e some daqui que
eu não quero te ver!
Por incrível que pareça, o jovem obedeceu a ordem.
Talvez com medo do intimidante CORPANZIL da cobradora. Mas não sem antes dizer
que ela não era dona do ônibus.
- Se eu fosse dona do ônibus você nem entrava! Ia
ficar a pé. E se entrasse, eu ia mandar descer!
O rapaz resmunga pelos cantos, mas não retruca com
a veemência necessária para continuar a briga. Vai para o fundo do ônibus e
desiste de discutir. Está vencido pela retórica das ruas.
Três minutos depois, um novo ponto. Uma mulher
entra e entrega uma nota. Passa, senta na primeira fila e espera o troco. A
cobradora berra:
- Você me deu os R$ 10? VOCÊ ME DEU OS R$ 10? –
vociferou ela, ainda com o sangue fervendo.
- Dei sim – disse a mulher, quase se sentindo
culpada por pagar a passagem.
- Só estou perguntando.
A mulher pega o troco, levanta e vai para o fundo
do ônibus sem entender nada.
- Eu hein. Que mulher estressada. Parece que dormiu
de calça jeans.
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