Cavill com o uniforme do Superman/Divulgação |
Numa fazenda no Kansas, enquanto
conserta o seu carro, Jonathan Kent (Kevin Costner) observa o filho que só ele
e a esposa, Martha (Diane Lane), sabem que veio das estrelas brincar com o
cachorro da família em meio às roupas penduradas no varal. O sol está se pondo
e o jovem Clark parece sonhar com feitos épicos. Capa vermelha nas costas, pose de herói de cinema ou dos quadrinhos, um herói que ele não imagina ter o
potencial de ser. A câmera de Zack Snyder passeia com o garoto, passa por um
carrinho de brinquedo encravado na grama de um verde intenso. O sol brilha no
rosto do garoto ofuscando as suas feições. A fotografia é belíssima e a trilha
sonora assinada por Hans Zimmer dá dimensão épica a uma situação prosaica.
Todos sabemos quem é Clark. Ou melhor, quem ele será. Mas é impossível não
sentir aquela sensação que Jonathan sente de que o filho está destinado a
grandes feitos.
Minutos antes, Snyder nos exibe
outra cena. Vestígios da fazenda, uma borboleta amarela banhada pelo sol de um
fim de tarde. São momentos que não afetam a história de “O homem de aço” na sua
essência, mas ao mesmo tempo são duas belas tomadas de um filme com mais
pontos altos do que problemas na tentativa de retomada da história do Superman
a partir da interpretação do diretor de “300” (2006) e “Watchmen” (2009).
Essas duas cenas têm a assinatura
de Snyder, mas me lembraram os filmes de Terrence Malick pela força das
imagens, pela ausência de diálogos, por dizerem muito de uma forma minimalista,
iconográfica e terem uma intensidade amplificada pela trilha sonora.
“O homem de aço” é a quarta
encarnação do Superman no cinema. É a tentativa de Snyder, que
é responsável por um dos melhores filmes baseados em quadrinhos já feitos,
“Watchmen”, e de Christopher Nolan, o homem que fez a melhor trilogia do Batman
e aqui ataca de criador da história e produtor do filme, de fazer o homem de
aço ressurgir e transformar Christopher Reeve, o ator que viveu o herói em
quatro filmes entre 1978 e 1987, numa doce lembrança dos fãs.
Snyder tem um sucesso parcial na
sua empreitada de revigorar o herói praticamente indestrutível e perfeito que
veio de Krypton. Certamente “O homem de aço” é melhor do que “Superman returns”, o
longa dirigido por Bryan Singer em 2006 e estrelado por um insosso Brandon
Routh. O problema é que nem tudo sai exatamente como o planejado e é inevitável
bater uma saudade de Reeve em qualquer cena minimamente dramática com a
presença de Henry Cavill, ator da vez que agora veste o uniforme do herói, que finalmente aparece sem a cueca vermelha para fora.
Conhecido pelo seu trabalho na
série “The Tudors”, Cavill, que viveu o Teseu no dispensável filme “Imortais” (2011),
não tem nem carisma e nem demonstra talento para interpretar Clark
Kent/Superman. Ok, deve ser realmente difícil interpretar alguém que é quase
perfeito, mas Cavill não chega ao mínimo para dar ainda mais veracidade à
proposta de Snyder de humanizar esse herói imbatível, de transformá-lo um pouco
em gente como a gente com dúvidas, questões, uma busca por um lugar no mundo e
a sensação de não pertencimento a um lugar. É o que prejudica um pouco a
proposta de Snyder de fazer o homem de aço se expor, tocar o chão e exibir uma
alma e um coração que tenham fragilidades enquanto seu corpo é indestrutível
pela genética favorável e o sol que o alimenta. O sorriso de propaganda de
margarina e a cabeça jogada para o lado esquerdo não ajudam nisso.
Cavill brilha sim nas cenas de
ação, as que exigem menos de sua falta de carisma. E só se aproxima do que
Snyder planeja quando demonstra sangue nas veias ao ver a mãe ser ameaçada pelo
general Zod (um histriônico Michael Shannon, precisando fazer análise e apenas
programado para matar).
Se Shannon foi uma escolha
equivocada e Cavill é um poste que, por incrível que pareça, eu até vejo
potencial para evoluir no segundo filme, Snyder não poderia imaginar que Amy
Adams faria a Louis Lane mais sem graça de todas. Quatro vezes indicada ao Oscar,
a atriz decepciona com uma atuação no piloto automático que não desperta nem
simpatia nem ódio por uma Louis que deixa a sensação de ser apenas
desnecessária na história. E isso não poderia acontecer dada a sua importância
na vida do Superman.
Apesar dos problemas de elenco,
“O homem de aço” tem méritos. Snyder trouxe de “Watchmen” a experiência de dar
uma dimensão menos épica aos super-heróis dos quadrinhos. Algo que não é
novidade, é claro, e vimos em personagens como o Homem de Ferro de Robert
Downey Jr, o Wolverine de Hugh Jackman e até o Hulk de Mark Ruffalo.
Na repaginada do Superman, Clark
Kent é um homem tentando entender quem ele é, em busca de suas origens, de
alguma origem que ele desconhece e apenas sabe que veio de outro planeta. É
alguém que não se ajusta à sociedade em que vive, mas que foi criado com valores
muito fortes e demarcados com firmeza pelos Kent. Pegando emprestado uma frase
do Tio Ben para Peter Parker, Clark também sabe que “grandes poderes trazem
grandes responsabilidades”.
Clark ainda não se sente parte de
algo, mas o mundo o vê como um alienígena e o teme. O horror ao desconhecido, o
temor daquilo que não segue a mesma doutrina, a mesma fé - “O que o
seu Deus diz sobre isso?”, pergunta o padre ao jovem que precisa se entregar ao
general Zod para tentar salvar a humanidade – é o pano de fundo inserido pelo
diretor para debater a coexistência entre povos diferentes.
Por isso Snyder abandonou a
tentação óbvia de criar um primeiro filme com Lex Luthor como antagonista do
herói. Foi assim na segunda versão de 1978 com Gene Hackman e na terceira com
Kevin Spacey. Aqui, a Lex Corp aparece apenas em um rápido momento e só é
perceptível por fãs atentos.
Para um herói atormentado por
questões existenciais, era necessário buscar a inspiração interplanetária e
aprofundar as suas origens. Entender o que é Krypton, quem é Jor-El (Russell
Crowe), o seu pai, e a sua mãe, Lara (Ayelet Zurer). Por isso os primeiros 40 minutos são gastos no espaço. A partir daí, o passado aparece em flashbacks e reminiscências do
jovem Clark. Isso é Snyder pavimentando a formação do caráter de Clark, a sua
educação e reescrevendo levemente a história de uma forma que não deixe os fãs
antigos tão melindrados. Foi uma tentativa louvável e que me arrisco a dizer
que dá certo com os fãs que não são radicais.
Todo o recomeço é pensado a
passos lentos e com a lógica da trilogia que permeia as adaptações de
quadrinhos de hoje em dia. E há quem diga até que vai finalmente sair o filme
da Liga da Justiça. Por isso que o "Planeta Diário" é coadjuvante na história e
Clark ainda nem virou jornalista. Ele primeiro precisa saber quem ele é, de
onde veio e qual o seu papel no mundo para aí sim começar a sua nova vida.
E para isso as figuras paternas
são fundamentais. Tanto com Russell Crowe num momento espírita difícil de
engolir, quanto com Kevin Costner, responsável pelos melhores momentos do
filme. São os dois que ajudam Clark a virar um homem nobre.
É uma pena que Snyder não tenha
contado com um Henry Cavill mais inspirado. Mas ao mesmo tempo tanto o diretor
quanto o ator me deixam curioso e ansioso pelo segundo filme do homem de aço.
Acredito num potencial de crescimento no próximo trabalho de um Superman que
embarca numa nova fase. Para o alto, e avante.
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