Olivia Wilde no papel de Kathy Scruggs |
Tenho profundo
respeito pelo cinema de Clint Eastwood. Acho-o um dos grandes diretores da
história de quem poderíamos reunir pelo menos dez filmes incríveis e
brilhantes. Mas o Clint que emerge em “O caso Richard Jewell” (“Richard Jewell”,
no original) está muito longe de ser o gigante de “Os imperdoáveis” (1992),
“Menina de Ouro” (2004) ou “Gran Torino” (2008). O Clint que filma o roteiro de
Billy Ray é o que parece buscar uma vingança numa história que, na verdade, foi
cheia de erros, com muitos culpados e alguns inocentes.
Para falar de
“O caso Richard Jewell” é preciso contar a história do seu protagonista, vivido
de forma bastante convincente pelo ator Paul Walter Hauser. Jewell era um
segurança com um passado problemático, mas extremamente dedicado e fiel aos
preceitos da lei e profundamente respeitador das forças de segurança
americanas. Empregado nos Jogos Olimpicos de Atlanta-96, ele virou um herói da
noite para o dia ao descobrir uma bomba durante um show do evento. Sua ação
salvou a vida de centenas de pessoas.
Como o filme
mostra, Jewell, porém, foi alvo de uma investigação que é praxe em qualquer atentado
terrorista deste tipo. É aí que começa o pesadelo dele e de sua mãe, Bobi
(Kathy Bates). E que começam os erros cometidos pela imprensa.
É inegável que
a vida de Jewell foi virada de cabeça para baixo por causa de uma reportagem
irresponsável que carregava nas tintas e o acusava de ser um terrorista sem
qualquer prova concreta e apenas baseada num passado interpretado de forma
simplória pela imprensa é público em geral. Mas se a reportagem do jornal “Atlanta
Connection” foi equivocada, Eastwood usa do mesmo artifício em seu filme para
escolher a jornalista Kathy Scruggs (Olívia Wilde) como a vilã de tudo. Não há sequer
margem para uma interpretação mais acurada dos fatos ou para a exibição de um
outro lado. Scruggs é pintada como uma mulher agressiva que faz de tudo por
suas histórias. Inclusive transar com uma fonte para conseguir uma boa
história.
Sem que a
jornalista pudesse se defender, o filme a joga na parede da mesma forma que
Jewell fora jogado há 24 anos. É quando o filme deixa de ser cinema para se
colocar mais como uma peça de vingança. E isso não parece ser necessário nem
mesmo sequer sob o ponto de vista de licença de dramaturgia.
Não é difícil
encontrar perfis sobre Scruggs na internet. Ainda mais depois que o filme veio
à tona. Neles encontramos relatos de uma jornalista extremamente competitiva,
difícil de lidar, mas competente pela sua busca por furos e com um enorme grupo
de fontes dentro da polícia e de diversos órgãos de segurança. Algumas reportagens
e ex-colegas a relatam como uma “groupie” de policiais, mas não num sentido
negativo que este termo costuma carregar, e sim por ser uma seguidora de perto
do trabalho da polícia. Se o seu perfil dividia opiniões, principalmente por
sua personalidade forte que resvalava na arrogância, todos são unânimes em
afirmar que Scruggs jamais transou com qualquer fonte para conseguir uma
informação. Tinha sim relações com policiais como qualquer um poderia ter quando
se convive com um determinado grupo, mas nunca para conseguir vantagens no
trabalho.
Eastwood,
pegou estas informações e carregou nas tintas para dar a ela um perfil
simplório de “jornalista que se deita com fonte”, quando na vida real ela era
muito mais complexa. É claro que ela e o jornal erraram grosseiramente, mas a
vida não é feita de heróis e vilões de forma maniqueísta como o filme pinta.
Rockwell, Bates e Hauser: bom trabalho dos atores |
Jewell, porém,
teve a sua redenção. Scruggs, que faleceu em setembro de 2011 de overdose, não
teve essa chance. Viveu os cinco anos seguintes à sua reportagem assombrada pelo
que escrevera e com dificuldades financeiras pelos processos que enfrentou até
que encontrou um fim miserável aos 42 anos. Seu destino, inclusive, sequer é
mencionado no desfecho do filme. Ao contrário dos de Jewell e sua mãe.
Isso afeta a
experiência do filme? Depende do ponto de vista de cada um. O filme tem seus
méritos e talvez seja o melhor desta recente fase de Eastwood de contar a vida
do típico homem comum que se torna um herói americano. É superior a “Sully: o
herói do Rio Hudson” (2016), e muito melhor do que o fraco “15h17: Trem para
Paris” (2018).
A
interpretação de Hauser também não deixa de ser cativante pela sua entrega ao
papel quase mimetizando o verdadeiro Jewell. Assim como Sam Rockwell também dá
um brilho especial como o advogado do personagem principal. Kathy Bates e Olivia
Wilde também estão bem nos seus papéis, o que faz com que o filme seja muito
mais interessante pelo trabalho destes quatro atores do que pela história em
si.
Mas Eastwood
podia ter feito um filme melhor e não mais um filme. “O caso Richard Jewell”
tem suas falhas, tem imprecisões históricas e enfraquece seu roteiro pela
própria postura do diretor. Por outro lado, é bom acompanhá-lo e refletir como
uma obra ou reportagem pode destruir a vida de alguém e pensar na
responsabilidade que se tem na mão quando se divulga algo com tamanhas
imprecisões. Isso vale para o que Jewell sofreu, mas também para Scruggs. No
fim, o filme mostra-se mais interessante pela lição que Eastwood não queria
passar, mas seu erro é a mostra de como ainda é necessário evoluir.
Indicações ao Oscar: Atriz coadjuvante (Kathy Bates).
Cotação da
Corneta: nota 7.
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