Defoe até convence como Van Gogh |
Nietzsche
certa vez disse que há homens que nascem póstumos. Contemporâneo do filósofo
alemão, embora não se saiba se em algum momento o tivesse lido, o pintor
holandês Vincent Van Gogh talvez tivesse o mesmo sentimento. Um dos momentos
mais interessantes de “No portal da eternidade” (At Eternity´s gate, no original), é a conversa de um Van Gogh
(Willem Defoe) internado no sanatório e o padre vivido por Madds Mikkelsen. Em
meio a reflexões sobre os papéis de Deus e Jesus Cristo, Van Gogh afirma que
talvez tenha nascido na época errada e acabará pintando quadros para
indivíduos que virão.
De fato,
hoje o holandês que teve uma vida cercada de problemas médicos, chegou a
mutilar-se e só conheceu a miséria que não foi absoluta graças à ajuda do irmão
Theo (Rupert Friend), só viria a ser mais fortemente reconhecido após a sua morte. Hoje, é um
pintor celebrado por sua técnica e a maneira vigorosa, exagerada e intensa com
que pintou seus quadros.
Muito do
que vemos em “No portal da eternidade” é a busca de Van Gogh por um elemento
quase divino para a sua pintura. “Eu pinto a luz do sol”, ele diz. É de fato, a
luminosidade do sul da França é o que o ajuda a alavancar a sua técnica. O filme de Julian Schnabel se envolve muito nessa busca pela luminosidade. São
muitas as formas e lugares de onde Van Gogh olha para o céu para buscar a luz
perfeita e pintar de uma forma nunca antes vista.
E quanto
mais mergulha nessa luz, curiosamente Van Gogh cai nas trevas da sua própria
mente confusa e irrequieta. Nem o irmão, nem o amigo Paul Gauguin (Oscar Isaac) conseguem tirá-lo
desse estado, que acaba por ser natural.
O período
em que Gauguin, aliás, vai para Arles gera outra das cenas boas do filme, que é
justamente o debate entre os dois sobre pintar o que se vê da forma que se
quer ver, como Van Gogh, e pintar criativamente a partir do que se está na
cabeça, que é o que defende Gauguin. Obviamente não há conclusão. São apenas
pontos de vista interessantes.
Infelizmente,
“No portal da eternidade” repete-se demais no ciclo pintura, loucura de Van
Gogh e não revela novas camadas ou reflexões sobre o pintor. Da mesma forma não
trás novas interpretações sobre a sua misteriosa morte, algo mais bem
trabalhado na excelente animação “Loving Vincent”.
A
participação de Defoe no papel principal até justifica sua indicação ao Oscar.
O ator convence no papel de um Van Gogh que não está em nenhum momento no seu
lugar e que vive desesperadamente para pintar, o seu único talento, aquele que lhe foi concedido por Deus.
Mas se
“No Portal da eternidade” nos dá algumas belas cenas pela luz do sol, deixa a
desejar com a sua narrativa baseada numa cinebiografia convencional
e naqueles insights de sempre de gênios. Sofrimento, prazer, queda, redenção,
morte.... Van Gogh merecia mais do que apenas isso.
Cotação da Corneta:
nota 6,5.
Indicações ao Oscar: melhor ator (Willem Defoe).
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