Quem dança os males atrai |
É inevitável enredar-se nos caminhos da comparação
quando se vê o remake de um filme do passado. O diretor italiano Luca Guadagnino
se impôs um desafio ao mergulhar nas trevas de “Suspiria”, mas sem fazer uma
cópia frame a frame do trabalho de 1977 do também italiano Dario Argento. Guadagnino
preferiu reformular a história original e recriar a trajetória da bailarina
Susie Bannion (Dakota Johnson hoje e Jessica Harper no filme original) a partir
de outras premissas e com um desfecho diferente para a sua protagonista. O que
era um final clássico, normal, na década de 70, transformou-se numa reviravolta
nas mãos de Guadagnino.
Porém, o resultado do trabalho como um todo deixou
a desejar. Se a obra original crescia em camadas sob um terror psicológico até
o seu desfecho culminado por uma revelação, no remake do diretor italiano, a
premissa do horror se estabelece desde o início, mas são jogadas tantas cartas
na mesa, com direito até a reflexões sobre a política e a Alemanha dos anos 70,
que o filme se perde num emaranhando de conceitos sem se aprofundar em nada.
O “Suspiria” de Guadagnino também resolveu abrir
mão do benefício da dúvida inicial ao revelar logo de cara que havia algo em
torno de atos de bruxaria e a presença de uma Helena Marko, a tal bruxa
original cuja história é contada no primeiro filme e neste nunca se incorre em
suas origens. Ao contrário, novos elementos surgem, como a presença de uma
espécie de cinco madres superioras em torno de Marko, com direito a Madame
Blanc, vivida por Tilda Swinton, que nutre uma rivalidade com a bruxa original
sobre os rumos macabros ou não da escola de dança.
Marko é a bruxa que exige sacrifícios, Blanc é a
que entende a magia como extensão da arte. Não que ambas não naveguem pelas
águas do horror, mas a arte da dança ensinada na academia ainda parece falar
mais alto para Blanc, que nutre uma simpatia, até uma empatia pela voracidade,
selvageria impactante e entrega ao qual Suzy se impõe quando dança.
E nisso o filme se perde. Mesmo a ambientação da
história não parece ter qualquer conexão. O que a Berlim dividida pelo muro no
ano de 1977 tem com relação aos eventos das bruxas? Que paralelos é possível
traçar com a política vivida e os atentados do Baader-Menhoff? Será a Alemanha
daquele tempo um momento em que o horror se via em cada esquina enquanto as
bruxas se alimentavam do medo de quem elas capturavam? Não me pareceu fazer
algum sentido a troca da Freiburg original por essa Berlim escura e
gélida.
E ainda há a questão das mensagens. A mãe
insubstituível, a palavra de liberdade no muro em frente à escola de dança.
Tudo parece ter alguma conexão, mas as ligações são frágeis. Assim como parece
quase inútil o papel do psicólogo Josef Klemperer (também vivido por Tilda
Swinton).
Diante dos buracos e da palidez do filme,
“Suspiria” se segura apenas em três cenas realmente muito boas. A primeira
delas é a dança de Suzy que reflete no horror vivido por Olga (Elena Fokina) na
sala dos espelhos. É brutal, é aterrorizante e o desfecho é digno dos melhores
filmes de exorcismo/bruxaria. A segunda é a cena da apresentação do musical
“Volks”, uma coreografia quase perfeita, mas ao mesmo tempo tão tensa, de tirar
o fôlego e de profundo terror que talvez seja o melhor momento do filme. A
terceira é a virada final do filme, seu ritual macabro e desfecho.
É louvável que Guadagnino tenha se arriscado num
gênero completamente diferente imediatamente depois do estrondoso sucesso de
“Me chame pelo seu nome” (2017), filme que ganhou um Oscar de roteiro adaptado.
Mas o resultado ficou aquém. “Suspiria” entrega as armas logo no início, não
cumpre com perfeição a função de impor o horror, se perde na história e
mostra-se muito pálido para um filme que tinha muito potencial levando-se em
conta o que a tecnologia de 2018 podia fazer em comparação com a de 1977.
No fim, o que fica de mais belo é a trilha sonora
composta por Thom Yorke, do Radiohead. Um trabalho que merecia um filme
melhor.
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