Malek no papel de Freddie Mercury |
“Bohemian Rhapsody” tinha tudo para ser uma grande
cinebiografia. A história do cantor Freddie Mercury é rica e diferente de
muitos que viveram no show business e no tempo do surgimento das mega bandas de
estádio no século XX. Por si só é exótico um cara que nasceu no Zanzibar, na
África, passou a infância na Índia e depois foi forçado a imigrar para a
Inglaterra por causa de uma revolução no seu país, começou a estudar design e
de repente se junta com um quase dentista, um quase físico e um quase
engenheiro mecânico para montar uma banda que seria uma usina de hits nos anos
70 e 80.
Mas “Bohemian Rhapsody” é um filme preguiçoso que
não entrega sequer o básico, que seria uma cinebiografia careta, linear e
pautada por momentos históricos da banda e do seu vocalista. É um trabalho
superficial, errático, que não acrescenta nada de novo ou relevante à biografia
do Queen ou do próprio Freddie, uma das grandes vozes da história do rock.
O filme, por exemplo, tangencia questões
importantes que mereciam ser mais aprofundadas. Listo algumas: por que a
relação de Freddie com a família é tão fria e cheia lacunas? Como foi a sua
infância em Zanzibar e na Índia, onde, aliás, ele começou a aprender piano? Que
tipo de influência ele pode ter sofrido dessa vida nestes dois lugares? No que
a família, a imigração o influenciaram ou não para ser o que ele se tornou? Por
que negar o nome e as origens? São questões que poderiam ter sido feitas e não
foram respondidas. No filme, sua família é quase uma ponta na história.
A própria relação de Freddie com sua
homossexualidade, bem como seus conflitos internos, carência e solidão não são
devidamente tratados/aproveitados para tentar compreender quem era Freddie. Em
resumo, é um filme que entrega muito pouco.
É claro que a produção sofreu diversos problemas. Inicialmente,
Freddie seria interpretado por Sacha Baron Cohen, mas divergências com o
guitarrista Brian May e o baterista Roger Taylor, acabaram dinamitando a sua
participação. O lugar acabou sendo ocupado por Rami Malek, conhecido por sua
participação na série de TV “Mr Robot”, mas que entrega um Freddie apenas
aceitável e nada marcante.
Depois disso, o próprio Bryan Singer foi demitido
da produção faltando duas semanas para o fim das filmagens. Direção esta que
caiu no colo de Dexter Fletcher. Mas o filme acabou tendo mesma cara dos
últimos trabalhos de Singer, com pouca profundidade na abordagem dos
personagens e trabalhos aquém do esperado. “X-Men: Apocalipse” (2016) é um exemplo.
De fato, “Bohemian Rhapsody” apenas se escora nas
boas canções do Queen, especialmente as que representaram turning points na
carreira da banda - “Bohemian Rhapsody”, “Love of my life”, “We Will Rock you”,
“I want to break free”, “We are the Champions”, “Another one bites the dust”-
para trazerem um conforto no coração do espectador. Teria sido mais proveitoso
e barato, porém, ouvir um greatest hits do Queen no Spotify.
O roteiro de Anthony McCarten e Peter Morgan, este
responsável por filmes muito bons como “O último rei da Escócia” (2005), “A
Rainha” (2006), “Frost/Nixon” (2008) e “Rush” (2013) também peca ao não fornecer
informações básicas, colocar o Rock in Rio num tempo e espaço aleatórios entre
1975 e 1985 e criar diálogos ruins. Nem parece que tinha ali uma banda criando
grandes hits. E mesmo estes momentos de criação dos músicos soam fake e sem
alma.
Se Malek está longe de ser marcante, mas também não
compromete uma engrenagem que é falha do início ao fim, os atores que fazem os
demais integrantes da banda – sempre vistos pela narrativa com extrema
generosidade – são fracos. Gwilym Lee (Brian
May), Ben Hardy (Roger Taylor), Joseph Mazzello (John Deacon) está ali para não comprometer e
serem as peças sóbrias da egotrip de Freddie Mercury. Já o empresário Paul
Prenter (Allen Leech) é pintado como o vilão do filme, o responsável pelos
atritos entre Freddie e o resto da banda e até pela separação temporária dela.
Assim, “Bohemian Rhapsody” atravessa suas 2h15min
devendo muito. Seus momentos mais marcantes acabam por ser a cena de Malek na
chuva, quando Freddie resolve sair do fundo do poço para retomar a carreira com
o Queen e a apresentação histórica no Live Aid de 1985, um ponto fundamental
para a banda e Freddie, e colocado num contexto em que o cantor tinha acabado
de saber que estava com Aids, doença que acabaria contribuindo para a sua morte
seis anos depois. Mas infelizmente toda a linha do tempo do Queen no filme
não bate sequer 70% do que aconteceu realmente. Assim como o espectador sai do
cinema sem saber sequer o nome de um disco da banda.
Singer, aliás, optou por colocar um pocket show
fake do Queen dentro do filme para retratar a performance no Live Aid. Não sei
se foi a melhor opção. Pareceu-me sim uma opção preguiçosa. Pois não era um
filme e nem um verdadeiro show do Queen, trazendo ruídos para todos os
lados.
Assim “Bohemian Rhapsody” termina com a falsa
sensação de sair por cima, quando na verdade deixou mais buracos e um pouco de
entretenimento num filme absolutamente dispensável.
Cotação da Corneta: nota 3,5.
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