Que fria em que você se meteu, Lisbeth |
Três atrizes já interpretaram Lisbeth Salander em cinco
filmes da saga Millenium. Quem mais apareceu é Noomi Rapace, que esteve nos
três primeiros filmes. Depois vieram Rooney Mara e agora Claire Foy. Cada uma
trouxe um viés para a hacker mercenária que sai pela Suécia fazendo trabalho
pouco republicanos e salvando mulheres do jugo de violência e horror
masculino.
Claire Foy trouxe uma combinação do seu carregado
sotaque britânico com um lado sombrio que combinou demais com o clima soturno e
o frio sueco exibidos em “A garota na teia de aranha”, nova trama de Lisbeth
Salander vertida para o cinema.
Esta história, porém, não é do autor sueco Stieg
Larsson, criador da série e que morreu em 2004 de uma parada cardíaca após
apenas três livros lançados. A história da teia de aranha é de David Lagercrantz,
autor e jornalista sueco que foi contratado pela editora Norstedts para
continuar a saga deixada por Larsson, que tinha planos de lançar dez livros.
A diferença, porém, na narrativa fica muito clara
já na abordagem em comparação com o filme anterior, “Os homens que não amavam
as mulheres” (2011). Se aquele era uma história de suspense e mistério que ia
aos poucos desenvolvendo a curiosidade do espectador até o desfecho da história,
neste há uma clássica história de acerto de contas com o passado e drama
familiar, associada a uma roupagem que envolve política, corrupção, mercenários
e uma organização criminosa. Tudo com uma postura como se Lisbeth Salander fosse
uma versão dark de um James Bond ou Jason Bourne. E isso não necessariamente
precisa ser visto sobre um aspecto 100% positivo ou 100% negativo.
Claire Foy é um caso à parte. Bo filme, ela despe-se
definitivamente de toda a imponência e liturgia imposta pela s duas temporadas
vivendo a rainha Elizabeth em “The Crown” para interpretar essa Lisbeth sem
barreiras físicas, do corpo e da alma. É curioso ver essa transformação de quem
ficou sendo a cara da rainha até 2017 e agora emenda dois trabalhos no cinema
tão diferentes e interessantes. O papel de Janet Armstrong em “O primeiro
homem” (2018) e agora de Lisbeth.
“A garota na teia de aranha” é um bom filme. Nada
marcante, um tanto previsível mas um filme bom de se acompanhar. Ainda que esta
avaliação esteja prejudicada pela falta de base para analisar comparativamente
à obra literária. É impossível para mim analisar se é fiel à obra. Mas apenas como
cinema é interessante desse acompanhar.
Talvez o grande problema deste filme seja a
presença um tanto apagada do jornalista Mikael Blomqvist (Sverrir Gudnason). O
Blomqvist de Gudnason não tem a mesma força que o de Daniel Craig no filme
anterior. E nem o mesmo protagonismo. Em “A garota na teia de aranha”,
Blomqvist segue em crise, mas é apenas mais uma peça movida no xadrez pessoal
de Lisbeth. Que ela usa quando necessário. Ainda que fique claro que os dois
compartilham um passado de questões mal resolvidas.
Parte dos méritos do filme cabem ao diretor
uruguaio Fede Alvarez. Ele soube captar muito bem o clima da saga. Um estilo
dark nórdico, muitos tons escuros, faces gélidas - e a vilã Camila, vivida por
Sylvia Hoeks, é um expoente disso - e a economia dos movimentos contrastando
com cenas de luta claustrofóbicas. Os olhares também dizem muito do que se quer
passar.
São qualidades que mantiveram o fôlego da série.
Talvez “A garota na teia de aranha” não seja melhor que “Os homens que não amavam
as mulheres”, mas gostaria de ver Claire Foy interpretando mais uma vez a
personagem. Lisbeth merece essa grande atriz.
Cotação da Corneta: nota 6,5.
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