Tao e Liangzi, o amor que não aconteceu |
"As montanhas se separam" é
um título que aparentemente não diz nada, mas ao final do filme dirigido por
Jia Zhangke é possível perceber o tamanho da poesia que se encontra nele. "As montanhas se separam" é uma metáfora
para a vida e as escolhas que fazemos. Cada um de nós somo como montanhas
fincadas em nossa história e na existência que conduzimos, ao mesmo tempo em que nos
aproximamos e nos afastamos das pessoas a partir das decisões que tomamos e com
o peso e as consequências geradas por elas.
O filme começa com um triângulo
amoroso formado por Tao Zhao (Shen Tao), Zhang Jinsheng (Yi Zhang) e Liangzi
(Jing Dong Liang). Jinsheng é um rico dono de postos de gasolina, Liangzi é um
pobre trabalhador das sofridas e em crise minas de carvão chinesa. Ambos são apaixonados
por Tao, uma jovem sonhadora que trabalha numa loja de aparelhos de som.
Estamos na virada para o ano 2000 em Fenyang. Os jovens ainda estão tentando se encontrar na vida e em suas carreiras em meio
às festividades e a alegria de uma festinha com Pet Shop Boys.
A princípio, parece que Jia Zhangke
está fazendo uma história de amor tradicionalíssima. Ledo engano. O filme acaba transcorrendo como uma espécie de "Boyhood" (2014) chinês, sendo que é
ainda melhor que o filme do diretor Richard Linklater.
O estopim para tudo, para que as
montanhas comecem a se separar está na briga de Liangzi e Jinsheng pelo coração
de Tao. A escolha de Tao pelo amor de Jinsheng dá prosseguimento ao rompimento
e as jornadas separadas que os três passarão a ter a partir daí.
O filme se desenrola com uma beleza
reflexiva ímpar em meio a paisagens áridas, difíceis e até feias de uma China
poluída e industrial. Uma China que cresce, mas ao mesmo tempo tem partes muito
decadentes e/ou rurais. Esse contraste é ainda maior quando, no terço final, o filme
se desloca para a bela e solar Austrália.
Zhangke nos oferece um ensaio sobre s
vida durante a passagem de duas décadas e meia na vida destes três personagens
e do filho do casal Tao-Jinsheng. A dilatação das montanhas, o afastamento
entre elas é feito não sem frustrações, sem corações partidos e mágoas
acumuladas. É difícil deixar o passado para trás, é difícil se reencontrar com
ele. São muitas frustrações, muitas feridas não cicatrizadas e um clima de nostalgia que só a música desperta na
vida das pessoas. A música "Go West", do Pet Shop Boys, e uma canção cantonesa dos anos 90 são sempre o estopim das lembranças, de um "como poderia ser", mas o destino não deixou, as escolhas não deixaram.
Fica sempre a questão na cabeça de
cada personagem: o quanto a vida teria sido diferente se a minha escolha fosse
diferente? É como se as decisões gerassem um karma que afastasse os afetos,
trouxesse um desequilíbrio e gerasse um sentimento de inépcia. Mas há um crescimento, um amadurecimento de Dollar (Zijian Dong) em meio a tantas incertezas.
Mas apesar de tudo é possível
encontrar a beleza nas trocas que a vida proporciona até encontrar um
equilíbrio que reaproxime estas montanhas. Se é que elas vão se aproximar
novamente. O futuro está em aberto diante do mar e do pôr do sol.
"As montanhas se
separam" é um filme lírico, belo, intenso e com muito a dizer sobre as
relações humanas. Uma bonita obra de Zhangke que receberá uma nota 8,5.
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