Já era madrugada quando o operário
das palavras chegava de mais uma longa jornada de trabalho. A ausência de
ônibus o forçava a novamente se aventurar no sempre imprevisível mundo dos
táxis. E o motorista já se mostrava promissor.
- Boa noite, amigo. Quer ir pra onde?
Nova York ou Londres? - disse ele, já cheio de graça e malemolência.
O operário das palavras riu. E foi
sincero.
- Olha, se eu pudesse escolher seria
Londres, mas eu vou para o Condado de Saint Rose mesmo.
- Mas por que Londres? O que Londres
tem de melhor do que aqui? - questionou o motorista com aquela fala de malandro
da Lapa e protótipo de Evandro Mesquita.
- Por que? Porque é uma cidade que
funciona melhor, o metrô é melhor, tem menos violência. Não tem tiroteio com
frequência. E mais do que isso, é uma cultura com a qual eu me identifico mais.
- Ah, agora sim você me explicou.
Porque eu outro dia peguei uma passageira e ela me disse que preferia ficar
aqui. Eu não entendi. Eu pego um monte de passageiros e 99,9% deles dizem que
preferem ir para Londres.
- Nada contra quem prefira o Brasil -
rebateu o operário das palavras. - Muitos se sentem em casa por aqui. É isso
que importa. Onde você se sente bem.
Ao saber da experiência olímpica do
operário das palavras na capital inglesa, o papo inegavelmente caiu sobre os
Jogos do Rio. "O trânsito será um inferno", reclamou o taxista.
"Outro dia levei um cliente até a Barra e levei três horas e meia para
voltar. Um inferno".
Mas nada superou a preocupação que o
taxista ainda revelaria naquela surpreendente corrida.
- Olha, vou te dizer. O que eu mais
tenho medo é de terrorismo.
- Ah, mas acho que não vai acontecer
nada disso não. Assalto vai ser direto, mas ataque não acredito.
- Vou te contar uma coisa - disse
ele, com aquele olhar de quem está fazendo uma denúncia. - Eu já peguei gente
do mundo inteiro aqui no táxi. Mas ultimamente eu tenho andado com uns clientes
de lugares diferentes. Outro dia eu peguei uns caras do Paquistão. Eles eram
muito esquisitos. Levei eles lá para aquele hotel de Icarai, onde eles estavam
hospedados.
E ele continuou falando sobre aquele
momento único.
- Eles eram muito esquisitos. E vou
te dizer. Quando os outros hóspedes souberam deles, foi todo mundo embora! Com
medo, é claro!
Com dificuldade para acreditar numa
debandada de um hotel, mas curioso com os tais "paquistaneses", o
operário tentou arrancar mais informações, já se sentindo o Fox Mulder
tupiniquim.
- Mas como você sabia que eles eram
do Paquistão? Eles se identificarem como paquistaneses?
- Sim, sim! Se identificaram. Eles
tinham cara de paquistaneses. Você sabe, eu vejo muito filme de guerra. Então
identifico na hora - disse o aprendiz de Rubens Ewald Filho.
- E eles nem falavam inglês. Aí eu
perguntei: "Pakistan? Pakistan?". E eles disseram: "si, si,
Pakistan". Esses paquistaneses estão tudo espalhados nesses hotéis de
Niterói - completou o taxista, praticamente revelando uma célula terrorista
papa-goiaba.
O destino é cruel. Quando o lead
chegou, aquele encontro também se aproximava do fim. Após pagar a corrida, o
operário das palavras nada pode fazer a não ser torcer para que as Olimpíadas
comecem e terminem bem.
- Bom, só espero que não aconteça
nada porque eu estarei lá.
- Eu também. Afinal, com toda essa
crise não posso me dar ao luxo de perder clientes - respondeu o taxista,
mostrando toda a sua solidariedade.
E assim o nosso personagem se
despediu na madrugada gelada de Niterói's Kingdom.
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