Terceiro e último ato de sua chamada trilogia “Lady with Heels” (Senhoras com saltos, em tradução livre), “Maria Callas” tem como ponto de partida os dois últimos anos de vida da famosa soprano greco-americana. Vivendo isolada em Paris e apenas com a companhia de dois empregados, a governanta Bruna (Alba Rohrwacher) e o motorista Feruccio (Pierfrancesco Favino), Callas (Angelina Jolie) enfrenta problemas de saúde, o declínio da sua voz e um desequilíbrio emocional que vinha desde o seu conturbado e abusivo relacionamento com o magnata grego Aristóteles Onassis (Haluk Bilginer), que curiosamente depois viria a se casar com Jackie Kennedy, outra personagem estudada e biografada por Larraín.
A princípio, esta parecia uma boa ideia, mas por trás das tomadas belíssimas de uma Paris outonal e dos enquadramentos que parecem verdadeiras pinturas através da câmera de Larraín, o filme carece de boas ideias. Parece mais um passeio mórbido pela decadência de uma figura genial sem entregar em troca um motivo ou uma reflexão sobre a cantora que é uma das principais vozes do século XX.
Se “Jackie” (2016) era um maravilhoso ensaio sobre a viuvez do poder protagonizado por Natalie Portman e “Spencer” (2021) já tinha altos e baixos, mas tinha uma reflexão sobre alguém que sofre uma vida sufocante e sofre as consequências de estar completamente deslocada do seu habitat, é difícil perceber onde “Maria Callas” quer se inserir.
Callas parece estar numa via-crúcis de dor e se acostumando com a presença e a ideia da morte, seja por saber que está com a saúde debilitada, seja pelos “fantasmas” que a perseguem na sua mente. Ao mesmo tempo, ensaia diariamente num teatro de Paris, quando varia entre a esperança de estar recuperando a sua voz e a certeza de que está acabada. A artista La Callas já estava morta antes que Maria deixasse este mundo. Na vida real, Callas chegou mesmo a ensaiar um retorno em 1977, três anos depois de sua última apresentação no Japão. Ela chegou a fazer uma gravação de La Traviata com o então tenor em ascensão Luciano Pavarotti, mas até a sua morte a soprano nunca mais voltaria a cantar em público.
Outro problema do filme é Angelina Jolie. Escolha número 1 de Larraín e sem a qual não haveria filme nas palavras do próprio diretor chileno, a atriz até se esforça bastante. Jolie, inclusive, estudou ópera por sete meses para se preparar para o papel e, por mais que a maior parte do filme ela esteja sendo dublada, é dela a voz que canta na bonita e dramática cena final do filme.
No entanto, apesar do seu esforço louvável, Jolie não consegue sumir da tela para dar vida a Maria Callas. Transpõe-se muito pouco de Callas e vê-se demais uma Jolie tentando viver uma cantora de ópera no ocaso da vida em Paris. Mesmo na cena final, talvez a melhor da atriz, é difícil não ver Jolie num momento que deveria ser profundamente Callas. De certa forma, isto atrapalha um pouco a experiência do filme.
No fim, sobra pouco para se apreciar do “Maria Callas” de Larraín. É uma pena que sua trilogia informal tenha permanecido como ponto mais alto exatamente o primeiro filme, “Jackie”. Contudo, ainda prefiro um diretor que possivelmente falhe por trazer uma visão pessoal ao jogar luz sobre uma determinada figura histórica do que um que acerte fazendo a mais certinha e quadrada cinebiografia possível. Destas histórias, o cinema está cheio.
Nota 6/10.