quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Os melhores e os piores filmes de 2020

Mank, Hamilton e Uma vida oculta
E assim chegamos ao final deste difícil ano de 2020. Mas antes de nos despedirmos, não podemos deixar de divulgar o grande prêmio Corneta Ballon D´Or Awards 2020 com os 30 melhores filmes do ano.

Foi um ano complicado, pois os cinemas ficaram fechados durante muitas semanas e, quando voltaram, foi num tom meio ressabiado, com poucas estreias, até porque muita gente não estava a fim de se arriscar a pegar corona. Com isso, muitas produções tiveram suas estreias adiadas para 2021 e 2022. Melhor para os serviços de streaming que já haviam sido incorporados à premiação na edição de 2019 do prêmio. Mas ainda assim foi difícil formar uma lista minimamente decente que chegasse a 30.

Porém, permaneceram os critérios estabelecido pelo júri formado por mim mesmo. Podiam concorrer todos os filmes que estrearam entre o primeiro e o último dia do ano nos cinemas do Brasil e de Portugal em circuito aberto e disponível para qualquer mortal assistir. Além dos filmes originais lançados por plataformas de streaming a qual o júri formado por mim mesmo têm acesso. São basicamente quatro, cujos nomes eu não direi, pois eu não sou pago para fazer propaganda.

Mas chega de conversinha. Vamos ao ranking dos filmes que brilharam e sobreviveram ao crivo SEVERO e IMPLACÁVEL da Corneta e foram escolhidos os melhores de 2020:

1- “Mank” (Mank — EUA). Diretor: David Fincher.

2- “Hamilton” (Hamilton — EUA). Diretor: Thomas Kail.

3- “Uma vida oculta” (A Hidden Life — ALE, EUA). Diretor: Terrence Malick.

4- “O som de silêncio” (Sound of metal — BEL, EUA). Diretor: Darius Marder.

5- “O mal não existe” (Sheytan vojud nadarad — ALE, IRI, CZE). Diretor: Mohammad Rasoulof.

6- “Retrato de uma jovem em chamas” (Portrait de la jeune fille en feu — FRA). Diretora: Céline Sciamma.

7- “A voz suprema do blues” (Ma Rainey´s Black Bottom — EUA). Diretor: George C. Wolfe.

8- “1917” (197 — ING, EUA). Diretor: Sam Mendes

9- “Os Miseráveis” (Les misérables — FRA). Diretor: Ladj Ly

10- “A despedida” (The Farewell — EUA). Diretora: Lulu Wang.

11- “Destacamento Blood” (Da 5 Blood — EUA). Diretor: Spike Lee.

12- “Belle Epoque” (La Belle Époque — FRA, BEL). Diretor: Nicolas Bedos.

13- “Malmkrog” (Malmkrog — ROM, SER, SUI, SUE, BOS, MAC). Diretor: Cristi Puiu.

14- “O diabo de cada dia” (The devil all the time — EUA). Diretor: Antonio Campos.

15- “O homem invisível” (The Invisible Man — CAN, AUS, EUA). Diretor: Leigh Whannell.

16- “Adoráveis Mulheres” (Little Women — EUA). Diretora: Greta Gerwig.

17- “O Farol” (The Lighthouse — CAN, EUA). Diretor: Robert Eggers.

18- “Uncle Frank” (Uncle Frank — EUA). Diretor: Alain Ball.

19- “Rainha de Copas” (Dronnigen — DIN, SUE). Diretora: May el-Toukhy

20- “Let Them All Talk” (EUA). Diretor: Steven Soderbergh.

21- “Verão de 85” (Été 85 — FRA, BEL). Diretor: François Ozon.

22- “Martin Eden” (Martin Eden — ITA, FRA, ALE). Diretor: Pietro Marcello.

23- “Soul — Uma Aventura com alma” (Soul — EUA). Diretores: Pete Doctor e Kemp Powers.

24- “Tigertail” (Tigertail — EUA): Diretor: Alan Yang.

25- “Mosul” (Mosul — EUA). Diretor: Matthew Michael Carnahan.

26- “A verdade” (La verité — FRA, JAP). Diretor Hirokazu Koreeda.

27- “O caso Collini” (Der Fall Collini — ALE). Diretor: Marco Kreuzpaintner.

28- “Os tradutores” (Les traducteurs — FRA, BEL). Diretor: Régis Roinsard.

29- “Os 7 de Chicago” (The trial of the Chicago 7 — EUA, ING, IND). Diretor: Aarom Sorkin.

30- “Dias sem fim” (All day and a night — EUA). Diretor Joe Robert Cole.

Além dos melhores, não podemos nos despedir sem divulgar o prêmio Uva Passa de piores filmes do ano. Vamos aos dez torpedos terríveis largados em 2020:

1- “The last days of American crime” (EUA). Diretor: Olivier Megaton.

2- “Mrs. Serial Killer” (Mrs. Serial Killer — IND). Diretor: Shirish Kunder.

3- “Troco em dobro” (Spenser Confidential — EUA). Diretor: Peter Berg.

4- “Power” (Project Power — EUA). Diretores: Henry Joost e Ariel Schulman.

5- “Bloodshot” (Bloodshot — EUA). Diretor: Dave Wilson

6- “Entre realidades” (Horse Girl — EUA). Diretor: Jeff Baena

7- “Mulher Maravilha 1984” (Wonder Woman 1984 — EUA, ING, ESP). Diretora: Patty Jenkins.

8- “Scooby! — O filme” (Scoob! — EUA). Diretor: Tony Cervone.

9- “A terra e o sangue” (La terre et le sang — FRA, BEL). Diretor: Julien Leclerq.

10- “Mulan” (Mulan — EUA, CAN, Hong Kong). Diretora: Niki Caro.

É isso. Feliz ano novo aos amigos. E que venha a temporada do Oscar e a vacina! Não necessariamente nesta ordem.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

As melhores e as piores séries de 2020

Bob Odenkirk como Saul Goodman 
 No ano de 2020, a única coisa que avançou foi o contador de episódios de série. Foram mais de 1.100 ao longo dos meses de pandemia. Sendo assim, e dada a ROBUSTEZ de series vistas por este que vos tecla, o mega conglomerado Corneta Inc. resolveu lançar a primeira edição do Golden Cornetemmy Globe de melhores series e minisséries do ano.

 
Ao contrário, do Corneta Ballon D´Or Awards, tradicional prêmio da indústria cinematográfica com os 30 melhores filmes do ano e cujo resultado será divulgado amanhã, o Golden Cornetemmy Globe premiará as 15 melhores séries e minisséries que tenham começado e encerrado entre o primeiro e o último dia do ano corrente.
 
Mas não enrolemos mais. Vamos ao top-15 de 2020:
 
1-      “Better Call Saul” – A quinta temporada da série é a grande vencedora deste ano e que colocamos aqui apenas para repetir que “Better Call Saul” é melhor que “Breaking Bad”.
2-      “Dark” -  A terceira e última temporada desta série alemã que explodiu cabeças e foi brilhante do início ao fim.
3-      “Lovecraft Country” – A primeira temporada da série criada por Misha Green que, mostra que, parafraseando Sartre, os monstros são os outros. 
4-      “Normal People” – Uma linda jornada de Marianne e Connell que só durou 12 episódios basicamente porque eles não sabiam se comunicar.
5-      “I know this much is true” – Quanto sofrimento, Mark Ruffalo? Quer um abraço? A vida é mais fácil quando se é o Hulk.
6- “A amiga genial” – A segunda temporada só manteve lá no alto a qualidade desta série italiana baseada nos livros de Elena Ferrante.
7-      “The Mandalorian” – Como não amar o Baby Yoda? Como não amar uma segunda temporada tão maravilhosa? Como não amar aquele final? Obrigado, Jon Favreau, Dave Filoni e todos os demais envolvidos.
8-   “We are who we are” – Oito horas lindas de “Me chame pelo seu nome”, agora com adolescentes, concebidas pelo diretor Luca Guadagnino. E ainda tem imagens da Itália, o que eleva a qualidade de qualquer produção.
9- “Gangs of London” – Grande série em que todo mundo vale menos do que uma moeda de três libras. E ainda tem excelentes e bem cruas cenas briga.
10- “Defending Jacob” – O Capitão América se meteu numa cilada aqui, mas será que o menino é mesmo o assassino?
11- “The Last Dance” – Era para ser um doc sobre o Chicago Bulls, mas acabou sendo um desnude de Michael Jordan, mostrando a sua verdadeira face. 
12-  “The Crown” – Praticamente o “Gangs of London” que toma chá e pratica polo. A quarta temporada manteve o bom nível da série e acabou com todo o capital positivo que o príncipe Charles havia conquistado na terceira temporada. Saiu quase tão vilão quanto a Tatcher, até porque é impossível ser mais vilão do que a Tatcher.
13-  “Homecoming” – A segunda temporada estrelada pela Janelle Monáe focou em outro aspecto do universo e conseguiu ser ainda mais interessante do que a primeira.
14-  “Califado” – Série sueca muito interessante que retrata como organizações terroristas aliciam jovens, especialmente imigrantes, da Suécia para lutarem por suas bandeiras e praticarem atos terroristas.
15-  “Mrs. America” – Cate Blanchett é tão boa no que faz que conseguiu me convencer a odiar ela nesta série sobre a ativista conservadora Phyllis Schlafly e que também fala sobre a luta de mulheres por direitos iguais nos Estados Unidos dos anos 70 do século passado. 
 
E agora vamos ao prêmio Cachorro-quente com Purê de piores series e minisséries de 2020:
 
1-      “13 reasons why” – Eu teria mais do que 13 razões para defender que esta série nunca deveria ter passado da primeira temporada. Mas eles insistiram e foram até a QUARTA, superando todos os limites possíveis de ruindade.
2-      “Cursed: a lenda do lago” – Olha, a intenção era boa. Eu tenho todo respeito pelo Frank Miller, mas…. é tão ruim que conseguiu roubar o segundo lugar de uma certa série espanhola.
3-      “La Casa de Papel” – Eu tenho também inúmeros motivos para dizer que esta série nunca devia ter passado da primeira temporada. Tudo nela é péssimo, tudo é ruim, tudo é pavoroso. E criou um trauma. Eu não vejo mais produções espanholas que não tenham o selo do Almodóvar.
4-      “The Rain” – Esta série dinamarquesa sobre um mundo pós-apocalíptico em que a humanidade foi sendo dizimada por um virus (qualquer semelhança é mera coincidência) nunca foi grande coisa, mas a terceira e última temporada superou as expectativas. Ainda bem que acabou. Não aguentava mais o chorôrô de Rasmus e Simone.
5-      “Drácula” – Eram só três episódios. Tinha tudo para dar certo. O primeiro foi bom, o segundo foi ok, até que veio o terceiro. E a gente começa a ver o Drácula usando Tinder para beber sangue. E fazemos a grande pergunta: Quem aprovou este roteiro? Quem aprovou o bordão maroto/cafajeste: “Eu não bebo… (pausa dramática)… vinho”? Por que ele precisava ser repetida o todo tempo? Esta série enterrou o Drácula por mais alguns anos. Vão ter que fazer o reboot com retcon lá para 2025.
 
Então é isso. Amanhã eu volto com os 30 melhores filmes do ano. 

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Tenet e o cinema pretensiosamente complexo de Nolan

Tenet tem personagens desinteressantes
Não é de hoje que o cineasta Christopher Nolan gosta de trabalhar com temas complexos e/ou conceitos científicos pouco conhecidos do espectador comum. Foi assim em “A origem” (2010), quando falava da extração memórias através dos sonhos, e também em “Interestelar” (2014), com suas teorias sobre buraco de minhoca e viagens no tempo. Mesmo em “Amnésia” (2000), o filme que o fez começar a ficar conhecido, Nolan já falava sobre uma história de estrutura complexa que alternava o tempo cronológico e o tempo invertido conforme as cenas surgiram coloridas ou em preto e branco na tela.

Intercalado com estas produções ditas complexas, Nolan produziu filmes mais palatáveis, mas sem descuidar de algumas de suas virtudes. Cenas bem filmadas, a beleza de suas tomadas, o excelente uso do som. São elementos que podem ser vistos tanto na sua trilogia do Batman (2005–2012), quanto em “Dunkirk” (2017).

Assistir a “Tenet” tendo essa perspectiva de sua carreira, é ver o diretor andando em círculos dentro da sua zona de conforto. Seu novo filme, lançado neste confuso ano de 2020 em meio a pandemia de coronavírus, é um suco de tudo o que Nolan já produziu. Com suas virtudes e defeitos.

“Tenet” pretende ser uma história de espionagem, onde um agente chamado apenas de Protagonista (John David Washington) precisa impedir a eclosão da terceira guerra mundial em uma trama que envolve viagens no tempo e conceitos com o de inversão da entropia.

A ideia de Nolan é que seu filme funcione como um palíndromo. Um palíndromo é uma palavra ou frase que pode ser lida tanto da direita para a esquerda, quanto da esquerda para a direita. Ou seja, em “Tenet”, palavra, inclusive, que é um exemplo de palíndromo, a sequência de acontecimentos pode ser lida/vista tanto em sua ordem cronológica, quanto em sua versão invertida. Pelo menos esta é a intenção.

Não é por acaso, inclusive, que “Tenet” tenha este nome. Palavra cuja tradução para o português significa princípio, mas num sentido de dogma ou doutrina, tenet é uma das cinco palavras latinas do quadrado Sator, encontrado em uma série de achados arqueológicos pela Europa. São elas: Sator, Arepo, Tenet, Opera e Rotas. Tenet está no meio deste quadrado formando uma cruz. Arepo é mencionado no filme, assim como Opera, que é onde se inicia a ação e Sator, nome do vilão vivido por Kenneth Branagh.

Nolan não vai muito além na explicação do palíndromo. Parece ser apenas uma pista que ele joga na tela para que desvendemos e nos leve ao que mais lhe interessa que é o conceito de entropia e inversão da entropia, que consiste na ideia de inverter o sentido do tempo das moléculas. Nolan usa de licença poética para usar esta possibilidade, que já foi testada em laboratório em escala microscópica, para construir toda uma história a partir da inversão do tempo. E claro que em algum momento passado e futuro literalmente se chocam num tempo presente misturando tudo, em algo que pode deixar o espectador um pouco confuso.

Mas Nolan se esforça para explicar e ser até didático, como na cena em que, no início do filme, a personagem Bárbara, interpretada por Clémence Poesy, tenta explicar para o Protagonista como funciona o conceito da bala reversa. E aqui temos um problema do filme. Por querer ser complexo, Nolan faz questão de explicar tudo ao longo de 2h30min de filme. O que faz com que o filme tenha problemas em sua evolução. É mais interessante quando ele joga na tela símbolos de fácil identificação, como os respiradores usados por quem está invertido, e os times vermelho e azul, identificando quem está em ordem cronológica correta ou invertida.

Paradoxalmente, Barbara ainda diz em sua explanação para que o Protagonista, e, consequentemente, nós todos, não tentemos entender. Só sentir. O problema é que fazer o espectador sentir não é uma virtude de Nolan. “Tenet” tem os personagens mais desinteressantes da carreira do diretor. Os arcos narrativos do Protagonista, de Sator e de Kat (Elizabeth Debicki) são extremamente pobres. Nenhum deles gera empatia, carinho, ódio, qualquer tipo de sentimento no espectador. Suas motivações não convencem. Eles estão ali, apenas porque estão e se fossem outros ali não fariam qualquer diferença.

O Protagonista é alguém que rejeita um trabalho, mas em cinco segundos muda de ideia para impedir a Terceira Guerra Mundial. Mas ao conhecer Kat, figura feminina com quem não demonstra qualquer interesse e sequer teve tempo para nutrir qualquer sentimento por ela, resolve que sua missão mudou: é preciso salvar ela do seu marido abusivo. Afinal, o que é a Terceira Guerra Mundial perto da missão virtuosa de salvar uma mulher indefesa? (inserir sinal de ironia).

Sartor é aquele vilão caricato de filme B num dos piores momentos da carreira de Kenneth Branagh. Ele está ali para gritar com a mulher, fazer cara de mal e inverter a lógica do vilão. Afinal, lembremos que é tudo invertido nesta história. Ele é um vilão que quer se matar para destruir o mundo. Já Kat é uma figura gélida na história. Zero emoção. Zero camadas. Está preocupada com o filho, mas tudo está sob controle. Odeia o marido e quer se livrar dele, mas é facilmente convencida a esperar a hora certa. E quando chega o seu momento, que ainda não era a hora certa, mas poxa, não deu para esperar, o diálogo com Sartor é um pouco constrangedor. E no fim tudo se resolve sem grandes dramas.

No fim, o personagem mais interessante acaba sendo Neil (Robert Pattinson). Ele é o que tem mais desenvolvimento na história e cria alguma empatia. E acaba por representar o princípio e o fim de tudo em ciclo que vai se repetindo.

O ápice do palíndromo de Nolan acontece na meia hora final do filme. E é aqui que Nolan mostra o quanto é bom diretor para imagens e som. A batalha final dos exércitos entre si e contra o traficante de armas é o momento mais marcante do que Nolan já havia ensaiado na perseguição de carros no meio do filme. Ali, os dois exércitos atacam o lugar ao mesmo tempo, mas metade na evolução natural do tempo e metade invertido. Com isso, Nolan cria momentos realmente muito bons, como a destruição e reconstrução de um mesmo prédio em diferentes pontos. A batalha é bem interessante e expõe as virtudes do diretor, ainda que neste ponto do filme, o interesse pela história já se perdeu consideravelmente. Vai-se na onda movido pela curiosidade de como aquilo acaba.

“Tenet”, portanto, tem virtudes e defeitos. Está longe de ser um dos melhores filmes do Nolan e é onde seus defeitos estão mais escancarados do que suas virtudes evidenciadas. Não é um mau filme, trabalha com ideias interessantes e tem um certo grau de ousadia. Mas se tecnicamente é até bonito, é um filme fraco de personagens e com uma história que quer ser mais complexa do que se fazer entender ao espectador comum. Para Nolan, neste filme o importante era ser difícil. E ser difícil não é necessariamente sinônimo de genialidade.

Cotação da Corneta: nota 7.